ANTIGA FÁBRICA BHERING, UMA CONFUSÃO ACHOCOLATADA

Balas Toffee – Chocolates Bhering
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O título da notícia publicada pelo jornal O Globo em 30/7/2012 foi:
Bhering: dois decretos da Prefeitura garantem presença de artistas no prédio”. Referia-se à decisão do alcaide de (1) declarar de utilidade pública para fins de desapropriação o imóvel onde funcionou a antiga fábrica de chocolates Bhering e (2) determinar o tombamento provisório do mesmo, que fica no bairro do Santo Cristo, Zona Portuária do Rio.

A chamada para a matéria desperta curiosidade, pois não se conhece decreto com poder para dar tal garantia, a não ser que a prefeitura – uma vez proprietária do prédio – decida ceder o imóvel para os citados artistas na forma jurídica adequada para tanto: assunto para especialistas em direito administrativo.
Antiga Fábrica de Chocolates Bhering – Relógio
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Mas, não é o que interessa no momento.

A fábrica, construída na década de 1930 e desativada no início da década de 1990, ganhou inquilinos há cerca de 12 anos – artistas plásticos e pequenas empresas -, que transformaram os espaços abandonados em ateliês e local de eventos.

A incorporadora imobiliária que o arrematou por R$ 3,2 milhões declarou que pretendia reformar o imóvel, criar um centro cultural com teatro, restaurante e cervejaria, e disponibilizar áreas para aluguel a artesãos: uma decisão alvissareira em tempos de exacerbação das atividades imobiliárias na cidade com predominância da substituição de prédios antigos e da expansão urbana predatória.

A notícia também informou que alguns inquilinos haviam recebido aviso de despejo, o que parece natural à vista das intenções do comprador em relação à recuperação da antiga fábrica de chocolates.

Antiga Fábrica de Chocolates Bhering
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Por sua vez, os antigos proprietários, questionaram e pediram a anulação do leilão alegando que vinham saldando a dívida com a União conforme permitido em lei, e que o valor de venda do imóvel foi dez vezes inferior às avaliações de mercado. O pedido foi negado com parecer da juíza segundo o qual “o preço pelo qual o prédio foi arrematado supera em 50% o valor de sua avaliação”.
Caberia aqui indagar se os antigos donos desejam de fato a anulação da venda por estarem em processo de regularização da dívida junto à União para continuarem donos do imóvel que deixaram abandonado e caindo aos pedaços, ou se esperam obter o valor que consideram justo, cerca de R$32 milhões…
Quanto a isso outra notícia nos dá uma pista (OG 31/8/2012): ambos, os antigos e os novos donos – estes, a empresa imobiliária vencedora do leilão e aqueles, apenas mencionados como a Família Barreto (?) -, defendem a prerrogativa de receber o dinheiro da prefeitura pela desapropriação, isto é, o dinheiro de todos os contribuintes.

A esse grupo de atores – os antigos donos da Bhering, a União, o Poder Judiciário, os artistas plásticos e empresários inquilinos, a imobiliária que já desembolsou R$ 3,2 milhões, e o prefeito do Rio -, uniu-se um famoso escritório de advocacia que também pediu em juízo o embargo do leilão, em nome dos locatários do prédio (OG 01/8/2012).

Mas, também não é o que interessa no momento.

Em que pese a importância das atividades que hoje contribuem para a vida urbana em região antes abandonada, as expectativas criadas pelos decretos merecem análise.

Em primeiro lugar não é possível “tombar” o exercício de atividades, sejam elas comerciais ou artísticas, pois sempre dependerão, no mínimo, das regras de mercado. O tombamento do invólucro, no caso, uma construção, pode contribuir indiretamente para a continuidade de uma atividade ou até estimular o surgimento de outras, pela impossibilidade, em tese, de ser construído algo novo no mesmo local. Porém, sem qualquer garantia, é óbvio.
Foi o que ocorreu com o Bar Lagoa, por exemplo, que resistiu quando o prédio art-decò não mais pode ser demolido. Continuará apenas enquanto houver alguém disposto a cuidar do negócio. O tombamento por si nada garante.
Antiga Fábrica de Chocolates Bhering
Santo Cristo, Zona Portuária, Rio de Janeiro
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Em segundo lugar, quanto à desapropriação, infelizmente o prédio ainda não pertence à Prefeitura, como fazem crer as matérias na imprensa e os debates nas redes sociais. Trata-se apenas de uma declaração, isto é, foi formalizada uma intenção de compra por parte do município. A decisão pode durar 5 anos para acontecer – é o prazo limite, ou seja, atravessar mais de um mandato a partir da publicação do decreto em 31/7.
O que pode ser constatado de fato é que haverá muito tempo pela frente com discussões e recursos na Justiça. E que a reforma sinalizada pelo comprador em leilão já está evidentemente paralisada antes mesmo de começar.

Também deve interessar a todos os personagens envolvidos diretamente nesse milk-shake saber qual será o real valor do prédio ao serem concluídas as negociações e ações judiciais, em curso e que ainda virão: aproximadamente R$ 1,6 milhão como sugere a juíza; R$ 3,2 milhões conforme leilão; R$ 18 milhões segundo uma empresa imobiliária do mercado; ou R$ 32 milhões como afirma a Família Barreto.

Quanto nós, contribuintes, os personagens mais importantes, pagaremos pelo que não causamos? Afinal, não abandonamos o imóvel, não o alugamos, não deixamos de pagar tributos à União, e não despejamos os artistas plásticos.
Chocolate com pimenta. No bolso dos outros não arde.
Abaixo, o antigo dono da Bhering conta a história da fábrica de chocolates, que, incrível, já ficou ao lado do Teatro Municipal…

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