IMÓVEIS VAZIOS E IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO

Andréa Albuquerque G. Redondo

Arrecadação desejada – Imagem: Internet

A existência de imóveis urbanos vazios ou abandonados em regiões consolidadas não é boa para a rua, o bairro, nem para a cidade e seus moradores. Ruas vazias são como mentes vazias: improdutivas e sujeitas à ocupação inadequada. A subutilização decorre de motivos variados, da ausência de demanda a fatores econômicos, financeiros e até familiares, além das escolhas individuais de proprietários e outros interessados.

No caso da Cidade do Rio de Janeiro, o modelo de desenvolvimento e crescimento favoreceu – e ainda favorece – o abandono de bairros densamente edificados que são “trocados” por outros há décadas à medida que o tecido urbano se expande com o apoio do poder público, que, em geral, investe prioritariamente nas áreas novas. Cria-se um círculo vicioso. Exemplos claros são o Centro e bairros mais antigos, onde o número de imóveis vazios cresceu enquanto nasciam grandes polos comerciais e de serviços em todo o território municipal.

Desde os primórdios dos códigos de obras vigentes, na primeira metade do Século XX os governos sempre estimularam a renovação (prédios novos com área de construção maior substituem os existentes) e a expansão urbanas intensas: a primeira em especial na Zona Sul, e a segunda na Baixada de Jacarepaguá já nos anos 1960 (Barra da Tijuca e vizinhança), ao tempo em que indústrias da Zona Norte eram desativadas e construções de grande porte ficavam sem função, e vazias, mesmo em bairros dotados de boa infraestrutura.

Para reverter este quadro não há solução fácil nem em curto prazo, haja vista a parte do Centro antes conhecida como Área Central de Negócios que tem recebido investimentos desde a década de 1990, apresentando processo de reversão recente, com a ampliação do número de museus e de outras atrações culturais.

A aplicação do IPTU Progressivo no Tempo prevista no art. 182 da Constituição da República (v. Plano Diretor de 1992 – revogado, art. 4º da Lei 10257 e art. 7º do PD de 2011) pretende obrigar proprietários a providenciarem a construção em terrenos vazios e a utilização de seus imóveis sem uso ou abandonados para que a ‘propriedade cumpra função social’, figura também presente na CR e repetida nas demais leis citadas. Cabe não confundir o IPTU Progressivo no Tempo com o IPTU Progressivo de que trata o art. 156 da CR.

O instrumento polêmico jamais foi regulamentado ou aplicado no Rio de Janeiro, passados quase trinta anos de edição da Lei Maior.

Deve-se lembrar de que a Constituição chamada cidadã surge quando o lema do governo central era “Tudo pelo Social”, período em que já havia aflorado o caráter participativo da sociedade com o fim da Ditadura Militar. Nesta ótica, o Plano Diretor de 1992 chegou a detalhar a aplicação do IPTU Progressivo no Tempo, faltando apenas o Poder Executivo elaborar a listas das ruas onde o instrumento seria aplicado, o que não ocorreu, provavelmente por ser impossível e impraticável, além de injusto, ainda que sob o mote de subjetivos aspectos sociais.

O PD de 2011, por sua vez, remete ao Estatuto da Cidade quanto à função social da propriedade, e define no art. 71 que “Lei específica de iniciativa do Poder Executivo poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, fixando as condições e os prazos para implementação da referida obrigação, nos termos dos artigos 5º a 8º do Estatuto da Cidade”, a ser aplicado na Macrozona de Ocupação Incentivada*, referindo-se ao o IPTU Progressivo no Tempo, um dos instrumentos da Política Urbana, como visto.

A medida tem caráter punitivo: o proprietário que não atender aos critérios exigidos pagará o tributo cada vez maior ao longo de 5 anos, quando seu imóvel poderá ser desapropriado e pago com títulos da dívida pública. Ou seja, enquanto o governo anterior incentivava o mercado imobiliário aumentando o potencial construtivo na Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá, e concedia isenções de IPTU e outros impostos à construção civil e à indústria hoteleira, enviava à Câmara de Vereadores proposta para regulamentar o IPTU Progressivo no Tempo. O Projeto de Lei nº 1396/2012 recebeu o Substitutivo nº 1**, que aguarda parecer das Comissões.

Evidentemente o instrumento apenas piorará o estado atual que vive a Cidade do Rio de Janeiro. Possivelmente haverá recursos por parte dos proprietários afetados – e custos para o Município durante a longa tramitação de processos administrativos e judiciais. Mais além, não se vislumbra qualquer eficácia na medida. A população está endividada, inadimplente; o número de imóveis vazios para venda, aluguel, e abandonados, situados em regiões dotadas de infraestrutura, cresce a cada dia.  Na outra ponta dessa medida discriminatória, governos que afirmam não ter verba para cumprir suas funções perante a população (por isso a desapropriação paga com títulos públicos, até 10 anos após a primeira notificação), esquecem que os entes federados também são proprietários de imóveis vazios e abandonados!

Se por acaso houver algum mérito – qual? – para a cidade e para as pessoas, na adoção de tal figura ameaçadora, o momento não é o atual. O objetivo pode ser apenas aumentar a arrecadação. Curiosamente, a Macrozona de Ocupação Incentivada* inclui áreas sob influência dos equipamentos para as Olimpíadas, e algumas favelas, inclusive em Jacarepaguá. Mas o IPTU Progressivo no Tempo não poderá ser aplicado, por exemplo, no condomínio Ilha Pura, hoje sem utilização.

A boa cidade, com mais vitalidade e menos imóveis vazios ou abandonados, é a que tem pujança econômica, a presença do Estado garantindo segurança aos moradores, áreas públicas são conservadas, usos e atividades são incentivados criteriosa e equilibradamente, com medidas proativas e sem ameaças, ainda que previstas em lei como é o caso.

Melhor seria que os governos usassem os recursos gastos na construção de vários conjuntos Minha Casa Minha Vida, inadequados do ponto de vista urbanístico, para comprar os imóveis em questão inserindo-os em programas habitacionais após as necessárias reformas; que Executivo desse uso aos Próprios Municipais na Cidade do Rio de Janeiro.

Além dos prédios que pertencem ao município, resta saber o que será feito em relação aos terrenos vazios na Região Portuária.

Têm sorte os proprietários de condomínios vazios na Barra da Tijuca e Jacarepaguá que estão fora dos limites da Macrozona ‘Incentivada’. Tem sorte a Prefeitura que não precisará notificar mais de 1500 unidades no Condomínio Ilha Pura, e desapropriá-las.

Aliás, conforme afirmou o proprietário, lá não é lugar para pobres.

Urbe CaRioca

NOTAS:

  1. Projeto de Lei nº 1396/2012 vai além do que dispõe o PD 2011; o Substitutivo nº 1 inclui a Macrozona de Ocupação Controlada* na proposta.
  1. Em maio passado um vereador enviou à Prefeitura do Rio o Requerimento de Informações Nº 297/2017 solicitando dados “pertinentes acerca da relação dos bens imóveis municipais vazios e subutilizados por Região Administrativa – Superintendência de Patrimônio Imobiliário – SPA”. Ainda não houve resposta.

*Plano Diretor – Lei Complementar nº 111/2011

MACROZONA INCENTIVADA – Área Portuária: Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Caju; Bairros: Centro, Catumbi, Cidade Nova, Estácio, Rio Comprido, Praça da Bandeira, Maracanã, São Cristóvão, Mangueira, Benfica, Madureira, Cascadura, Deodoro, Vila Militar e Jacarepaguá; Áreas limítrofes às vias ferroviárias e metroviárias, áreas das estações e seus entornos; Áreas sob influência dos eixos viários Av. Brasil, Av. Dom Helder Câmara, Estrada do Galeão, Via Light, Corredor Viário T5, Ligação C do Anel Viário, Corredor Maracanã – Engenhão, Via Dutra, Av. das Missões, Linha Amarela e Linha Vermelha Áreas-objeto e sob influência da implantação de equipamentos para a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016; Favelas e loteamentos irregulares declarados Áreas de Especial Interesse Social; Áreas sujeitas à proteção ambiental.

MACROZONA CONTROLADA – Bairros: Santa Teresa, Alto da Boa Vista, Ilha de Paquetá e Centro; Áreas sob influência da implantação do metrô; Áreas-objeto e sob influência da implantação de equipamentos para a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016; Favelas declaradas Áreas de Especial Interesse Social; Áreas sujeitas à proteção ambiental.

**Projeto de Lei nº 1396/2012 – EMENTA: INSTITUI, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 5º A 8º DO ESTATUTO DA CIDADE, INSTRUMENTOS PARA O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS

Substitutivo nº 1 – Trecho

Art. 2º Ficam instituídos no Município do Rio de Janeiro os instrumentos para que os proprietários de imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados promovam o seu adequado aproveitamento, nos termos estabelecidos nos arts. 5º a 8º da Lei Federal nº 10.257, de 2001, e nos arts. 71 a 76 da Lei Complementar nº 111, de 2011.

  • 1º Para efeito do disposto neste artigo, entende-se por:

I – imóvel não edificado: o terreno ou gleba com Índice de Aproveitamento do Terreno – IAT utilizado igual a zero;

II – imóvel subutilizado: o terreno ou gleba que contenha uma ou mais edificações e se enquadre em qualquer das seguintes condições:

  1. a) apresente Índice de Aproveitamento do Terreno – IAT utilizado inferior a trinta por cento do IAT mais restritivo vigente;
  2. b) apresente potencial construtivo utilizado inferior a trinta por cento do máximo utilizável para o imóvel, considerando as restrições da legislação urbanística para o local;

III – imóvel não utilizado: a unidade imobiliária autônoma ou edificação que apresente desocupação por mais de vinte e quatro meses ininterruptos, incluindo ainda aquelas que:

  1. a) tenham mais de cinquenta por cento da sua área construída desocupada, excluídas as áreas de uso comum;
  2. b) tenham mais de cinquenta por cento das unidades imobiliárias autônomas desocupadas.
  • 2º Fica excluído da categoria de imóvel subutilizado aquele destinado a residência unifamiliar, desde que não se enquadre no disposto no art. 3º.
  • 3º Ficam excluídos das categorias de imóveis subutilizados e não utilizados os que abriguem residências, mesmo que informais, em quantidade compatível com o que está estabelecido do parágrafo primeiro deste artigo.
  • 4 º Ficam excluídos das categorias de imóveis subutilizados e não utilizados os que abriguem atividades econômicas regularmente inscritas no órgão municipal competente e que requeiram espaços livres para seu funcionamento, com exceção dos estacionamentos não exigidos em Lei.

Art. 3º Os imóveis tombados e preservados em situação de subutilização ou não utilização estarão sujeitos à utilização compulsória, nos termos do § 3º do art. 71 da Lei Complementar nº 111, de 2011, com o objetivo de assegurar sua recuperação, conservação e valorização como patrimônio cultural da Cidade.

  • 1º A utilização compulsória de imóveis tombados e preservados, de que trata o caput deste artigo, visa a garantir o cumprimento de sua função social e a atender ao disposto nos arts. 2º e 3º da Lei Complementar nº 111, de 2011, que tratam dos Princípios e Diretrizes da Política Urbana do Município.
  • 2º Para a aplicação do disposto no caput deste artigo, nos termos do § 3º do art. 71 da Lei Complementar nº 111, de 2011, poderão ser considerados como subutilizados os imóveis tombados e preservados em estado de abandono, sem justa causa, por mais de dois anos.
  • 3º Para efeito desta Lei, entende-se por imóvel tombado ou preservado em estado de abandono aquele que seja constituído de edificação que não esteja em condições mínimas de segurança, estabilidade, habitabilidade ou integridade como patrimônio cultural, conforme atestado pelos órgãos competentes.

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