GUARATIBA: RURAL, LAMA, E URBANA – Parte 2

O post GUARATIBA: DE ZONA RURAL A LAMAÇAL – Parte 1 foi publicado neste blog em 02/08/2013 logo após o anúncio, pela Prefeitura, de que o local onde seria realizada a missa final da Jornada Mundial da Juventude – atingido durante alguns dias por chuvas implacáveis -, transformou-se em um enorme mar de lama, obrigando à transferência do evento para Copacabana.

Com foco no histórico das leis urbanísticas e na ocupação dos bairros, constam no texto dados sobre zoneamento, outras referências às leis de uso do solo e da proteção ambiental, e considerações gerais sobre a Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro, em especial Guaratiba, bairros vizinhos, e o terreno da vigília cancelada, o chamado Campus Fidei que fica no primeiro.

Nesta sequência, novos olhares e considerações.


O CAMPO DA FÉ, O LAMAÇAL, A ESCOLHA INEXPLICÁVEL E UM ATERRO MILIONÁRIO

G1, Julho 2013

A região de Guaratiba “faz parte da bacia de acumulação da Serra da Capoeira, e consta nos estudos Rio Próximos 100 anos, do Instituto Pereira Passos, como área baixa sujeita a inundação, o que por si indica a inadequação para receber habitação e, talvez, qualquer tipo de construção…”, conforme mencionado em DE ZONA RURAL A LAMAÇAL….
 As restrições impostas pelo zoneamento vigente – ZR-6 na maior parte da área de interesse – responsáveis pela existência de chácaras, sítios, atividades econômicas ligadas à floricultura, arboricultura e outros, em lotes de grandes dimensões, em tese salvaguardariam a região da ocupação urbana e do adensamento populacional. No entanto, o histórico de ocupações irregulares e a informalidade que se reproduzem país afora, transformaram esta parte da Zona Oeste em um enorme local de moradia sem infraestrutura adequada e sujeito a toda sorte de problemas, o que, infelizmente não é prerrogativa apenas do Rio de Janeiro.
Ciente dessas características a escolha do local para a Missa da Vigília seria incompreensível, a não ser que…

Façamos um exercício.
Contrariando todas as teorias urbanas recentes contrárias à expansão urbana desenfreada, muito além da ocupação informal, as ações oficiais indicam que, formalmente, A CIDADE CRESCE PARA GUARATIBA: a inauguração do túnel da Grota Funda e da linha de Bus Rapid Transit – BRT Transoeste em junho/2012 apontam para a região sucessora da Barra da Tijuca após os bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e Recreio dos Bandeirantes já terem sido abertos ao mercado imobiliário em 2009 com a sanção da lei complementar nº 104, o Projeto de Estruturação Urbana PEU Vargens.
É evidente que concluir o anel viário do município, e levar transporte público à população menos assistida, garantir a mobilidade urbana a quem vive distante das áreas centrais, e reduzir o tempo das viagens são decisões importantes e louváveis – desde que não se entre no mérito dos modais adotados. Essas ações poderiam ser feitas mantendo-se a integridade da região diante da fragilidade ambiental que a fez ser classificada como área de restrição à ocupação urbana. Muitos caminhos e estradas cortam regiões protegidas, exemplos não faltam.
A escolha do terreno para abrigar o Campo da Fé seria inexplicável, a não ser que… Em julho não costuma chover tanto em terras cariocas. Voltemos ao exercício.
Muito antes das chuvas já se anunciara a posterior construção de condomínios residenciais no local. Talvez por isso o aterro. Talvez não necessariamente para a realização missa, mas para as construções futuras. Talvez por isso tenham sido aterradas apenas as ruas que receberiam futuros loteamentos e condomínios. Talvez por isso os proprietários tenham cedido o terreno para o evento: teriam a área de volta livre, pronta para uso, com terraplenagem, drenagem, e o aterro milionário e pago pela Igreja, que investiu cerca de R$ 60 milhões na região, segundo o noticiário. Jeito de operação casada.
Nessa equação teórica falta um item: como a lei em vigor exige lotes com 10.000,00m² para residências unifamiliares, os anunciados empreendimentos são vedados. Não haverá surpresa, porém, se recordarmos o PEU Guaratiba anunciado pelo menos há quatro anos. É o “x” da questão.

PROJETO DE ESTRUTURAÇÃO URBANA DE GUARATIBA – PEU GUARATIBA: PERIGO À VISTA

LOTEAMENTO VILA MAR DE GUARATIBA, 1953 (parte)
Imagem: Prefeitura 

É verdade que o terreno do Campus Fidei fora objeto de loteamentos populares desenhados há 60 anos, conforme legislação da época permitia excepcionalmente. Não construídos, na nossa visão perderam a validade. Que o digam os juristas especialistas em Direito Urbanístico.
A imprensa chegou a divulgar alguns dados sobre a proposta para a região: lotes menores do que os 10.000m² hoje exigidos, uso multifamiliar e gabarito de quatro andares. Note-se que se não for especificado ‘quatro pisos de qualquer natureza’, garagens e outros complementos como “mais-valia” e “mais-valerá” pode-se atingir oito andares.
Ou seja, continuando o exercício, certamente os donos da área que virou lama – e de toda a região vizinha – aguardam a publicação do PEU para solicitar as licenças de obras ou para vendê-los ao mercado imobiliário. A não ser que sejam floricultores.
Em 2012, ano eleitoral e com Secretário de Urbanismo demissionário depois de notícias jornalísticas e imagens curiosas publicadas pela imprensa e nas redes sociais, o PEU Guaratiba ficou adormecido. Sem touca na cabeça, que de bobo nada tem.
UM CONCURSO DE PROJETO – CONVOCAR O IAB
www.cadguru.com.br

Aparentemente o destino do Campos Fidei estava selado. A Igreja, parceira inocente por certo, contribuiu com o aterro de muitos milhões de reais. O PEU adormecido acordaria tempos depois para dar as diretrizes de ocupação da área abençoada pelo carismático Pontífice – e de toda a vizinhança. “Venha morar onde o Papa celebrou a Missa da Vigília” diria o anúncio.
Mas, a chuva trouxe lama e a lama levou outros olhares para Guaratiba. Foi quando O “BRAINSTORM” DO ALCAIDE resultou no anúncio da desapropriação para a construção de um bairro popular pela boca de ninguém menos do que o arcebispo do Rio. Há que tirar o chapéu. Espetacular. Melhor só se fosse com a voz doce do dulcíssimo Papa Francisco.
Faltava ainda um aspecto: o respaldo de uma instituição prestigiosa de caráter não governamental. O Prefeito, então, convocou o Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB para organizar um concurso de projeto para algo do tipo “Minha Casa Minha Vida”. Fecho de ouro.
SEM CONCLUSÃO
Trata-se apenas de um exercício. Cada um concluirá como melhor entender. Aguardemos o PEU com fé e esperança, sem caridade – há de serem adotados critérios técnicos e respeitado o Plano Diretor. Aguardemos o pronunciamento do IAB – cabe lembrar que o pensamento do Instituto já foi alinhavado conforme consta na página da web e no trecho reproduzido abaixo.


Segundo o presidente do IAB, Sérgio Magalhães, é necessário evitar a expansão da cidade, pois seu crescimento é incompatível com a universalização da prestação dos serviços públicos. “A prioridade é suprir com infraestrutura e serviços os bairros populares já existentes em Guaratiba e aproveitar os terrenos ociosos dos bairros já infraestruturados”, explicou.

Nas próximas semanas, a entidade deve apresentar propostas para definição de estudos a fim de subsidiar a elaboração do Projeto de Estrutura Urbana (PEU). A iniciativa tem como principais objetivos estabelecer um novo modelo de ocupação, que considere a ampliação da infraestrutura das áreas já ocupadas e a proteção ambiental de Guaratiba.

Enquanto isso, nesta semana a Prefeitura publicou edital de licitação para obras de urbanização nas ruas de várias comunidades de Guaratiba.
A chuva passou e a lama secou. Ainda produzem efeitos.

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