Artigo – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECOMENDA A SUSPENSÃO DAS OBRAS DO CAMPO DE GOLFE: EXONERAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE, de Sonia Peixoto

Neste artigo a bióloga Sonia Peixoto* traz importantes reflexões sobre a participação da sociedade – ou a ausência dessa – durante os processos decisórios governamentais, com foco, em especial, na desconsideração de pareceres técnicos no âmbito das políticas para conservação da natureza na Cidade do Rio de Janeiro.

Como exemplo, cita o caso do Campo de Golfe que está em construção na Área de Proteção Ambiental de Marapendi, parcialmente sobre áreas públicas e terras destinadas à implantação do Parque Municipal Ecológico de Marapendi há mais de meio século.

Da mesma autora publicamos neste Urbe CaRioca a postagem Artigo: POR UMA GESTÃO DE EXCELÊNCIA DAS ÁREAS VERDES COMPREENDIDAS POR UNIDADES DE CONSERVAÇÃO.

Boa leitura.

Urbe CaRioca


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECOMENDA A SUSPENSÃO DAS OBRAS DO CAMPO DE GOLFE: EXONERAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

“O Meu Casaco de Coronel”
Sônia Peixoto
Um dia desses estive em uma livraria. Pois bem, observei as prateleiras e o livro que me chamou atenção foi “Meu Casaco de General: quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro”, do antropólogo Luiz Eduardo Soares. Minha atenção foi despertada, justamente, por um livro que já havia lido e tenho em casa. Ao retornar da livraria fui direto ao encontro do livro, e o que verifiquei? Que um pouco antes da exoneração do Luiz Eduardo Soares já havia muita tensão entre as posturas do governo e da sua equipe, constituída de especialistas de excelência. No dia anterior à exoneração, antropólogo e equipe se reuniram. Alguns achavam que a equipe só estava legitimando uma política com a qual não mais concordavam. Outros defendiam a permanência enquanto fosse possível, pois acreditavam que havia chance do governador romper com suas alianças problemáticas e levar adiante as políticas que foram construídas pela equipe (SOARES, 2000). Ainda segundo o autor, o trabalho havia sido imenso, as esperanças eram grandes e o investimento de todos era de tal magnitude, que eles viam a saída como derrota. Apesar disso, eles estavam unidos na convicção de que só deveriam ficar em condições dignas.

Conforme explicitado no livro, Luiz Eduardo Soares soube da sua exoneração pela televisão, e no dia seguinte toda a equipe pediu exoneração. Eles solicitaram a saída porque houve uma construção coletiva de novos paradigmas para a política de segurança pública estadual. Na época da exoneração, eles não concordavam com a forma que estava sendo conduzida tal política.

Com efeito, traçando um paralelo entre a saída do grupo do Luiz Eduardo Soares e a minha exoneração da Gerência de Gestão de Unidades de Conservação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC), recordo que jamais fui convocada para elaborar Parecer Técnico sobre controverso campo de golfe olímpico. Entretanto, participei institucionalmente das discussões da Câmara Setorial Permanente de Unidades de Conservação da SMAC, e constatei que havia um questionamento quanto à instalação do campo de golfe, em especial por conta da vegetação do local ter o amparo da Lei da Mata Atlântica. Também pude observar que a Câmara estava exercendo seu papel como protagonista da sociedade no que se refere aos seus interesses, fazendo a gestão mediante diferentes pactos, através de um grupo constituído para determinada finalidade, como diria o jurista Milaré (2004).

A Câmara Setorial entendia que a decisão política deveria ser qualificada através de conteúdos técnicos interdisciplinares e com uma efetiva e contundente participação social, ou seja, ela apenas tentava cumprir com seu papel institucional. Em outras palavras, os membros da Câmara queriam fazer valer os contratos, e as regras do jogo das suas competências, ou seja,  fazer valer sua “capacidade de mensurar o que está sendo transacionado e garantir o cumprimento dos termos contratuais, ao longo do tempo e do espaço” Bonfim (2007: 21). Logo, a Câmara elaborava Pareceres Técnicos, não de forma intempestiva e/ou com viés político, mas considerando as variáveis técnicas, legais e sociais pertinentes, dialogando com o governo, e propondo alternativas para minimizar impactos ambientais e, assim sendo, visando auxiliar na tomada de decisão.

Nesse contexto, vale destacar que alguns pesquisadores se dedicam aos estudos sobre participação social. Irving (2010), por exemplo, menciona que o êxito das políticas de proteção da natureza dependerá do engajamento das populações do entorno das unidades de conservação, bem como dos diferentes atores sociais, no processo de gestão e decisão política, partindo da internalização da natureza como um bem coletivo. Segundo a autora se deve pensar a participação social como espaços de governança democrática e, para tanto, é fundamental a quebra de clichês, cronicamente delineados e internalizados, a partir da perspectiva tecnocrática, frequentemente associada ao discurso de políticas públicas.

Em outra publicação, Irving et al. (2007) ressaltam a importância de que seja incorporado, nos processos de gestão das áreas protegidas, o reconhecimento de diferentes sistemas e níveis de conhecimento, uma postura de transparência e responsabilização no processo de tomada de decisões, o exercício de uma liderança includente, a mobilização para o apoio aos grupos locais, a descentralização, e a opção pela gestão participativa.

A Câmara Setorial Permanente de Unidades de Conservação, instância legítima de participação da sociedade na política para conservação da natureza da cidade do Rio de Janeiro, é vinculada ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (CONSEMAC). Contudo, os pareceres emanados pela referida Câmera são submetidos ao CONSEMAC, de natureza deliberativa. Ora, o CONSEMAC é constituído por representações da sociedade e da própria Prefeitura do Rio de Janeiro, a partir das várias secretarias municipais (Meio Ambiente, Urbanismo, Habitação, Obras, Transporte, Educação, Ordem Pública, Limpeza Urbana e Procuradoria Geral do Município) e Câmara Municipal do Rio de Janeiro, mas não envolvendo as demais representações governamentais nos âmbitos federal e estadual, instituições de pesquisa acadêmica etc., com direto de voto, conforme, por exemplo, ocorre com o Conselho do Mosaico Carioca de Áreas Protegidas que foi instituído através de metodologia participativa. Isto implica em dizer que os votos do CONSEMAC podem ocorrer em bloco, ou seja, os representantes governamentais, da Prefeitura, podem votar em uníssono e, eventualmente, a sociedade pode não ter voz. Portanto, seria muito interessante rever a composição dos atores sociais, governamentais e não governamentais, por meio de uma nova metodologia como foi aplicada para o Mosaico Carioca, ainda como um exemplo.



Internet
Bem, o que tudo que foi colocado tem a ver com “Meu Casaco de General”, exoneração, Câmara Técnica e campo e golfe? Tudo! O livro retrata, de forma clara, os posicionamentos firmes de técnicos qualificados na construção, execução e avaliação de políticas públicas e na defesa de princípios, e o caso do campo de golfe está inscrito em várias políticas federais para a conservação da natureza. O papel dos técnicos governamentais é fazer valer as políticas públicas para a conservação da natureza, manter a publicização dos seus atos e pareceres, bem como assegurar a plena expressão dos membros da sociedade em Câmaras Técnicas.  Os especialistas devem qualificar os processos que envolvem a construção, execução e avaliação das políticas públicas e, caso necessário, também devem tomar posições como as efetivadas pela equipe técnica do IBGE em relação às regras do jogo – posicionamentos norteadores para todos que têm a função de zelar pela coisa pública, por interesses coletivos.


Enquanto cidadãos nosso papel não é fazer proselitismo e nem atuar como “assistencialistas” para legitimar quaisquer projetos. Enquanto representantes da sociedade temos que nos mobilizar para sermos ouvidos, o que significa também avaliar os quadros que têm a competência de executar as políticas públicas. No caso das unidades de conservação, monitorar se tais quadros correspondem, efetivamente, aos desafios para a reconstrução e a gestão de um efetivo sistema de unidades de conservação da natureza na cidade do Rio de Janeiro. Com as sobreposições entre várias categorias de manejo, quadro técnico ainda incipiente e necessitando de programas continuados de capacitação, entendo que o cenário é difuso.

Ora, quando o Ministério Público se posiciona temos uma situação extrema e que poderia muito bem ter sido evitada ouvindo e acatando os pareceres da sociedade, incluindo os membros da Câmara Setorial Permanente de Unidades de Conservação, como também acolhendo as orientações e posicionamentos legítimos de técnicos qualificados institucionais, e de outras instituições, das várias áreas do conhecimento científico, e de forma interdisciplinar, visando analisar as variáveis ambientais, sociais e econômicas de projetos.  Nestes termos, claramente haveria maior racionalidade e maior garantia de qualificação na tomada da decisão política.

Finalmente, destaco que meu casaco era de tenente, mas acabou se tornando um casaco de coronel pela tensão provocada em razão de trazer à luz, em suas estrelas, os objetivos norteadores mundiais para a qualificação da gestão dos sistemas de áreas protegidas urbanas, destacando-se: i) assegurar a implantação dos princípios da governança democrática na gestão das áreas protegidas urbanas; ii) garantir a participação da sociedade nos processos de criação, planejamento e gestão dessas áreas; iii) promover a capacitação de gestores, desconsiderando indicações meramente políticas; iv) articular, com demais instituições, novas formas de fortalecimento para a gestão do sistema; v) fazer questão de publicizar procedimentos e, com isso, promover accountability.

*Sônia Peixoto é Mestre em Psicossociologia e Ecologia Social pela UFRJ


Revista Veja


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Referências Bibliográficas:

BONFIM, FERNANDO CORREIA RISERIO DO. Governança Ambiental e Unidades de Conservação: uma abordagem institucionalista. Dissertação de Mestrado – Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 2007. 200p.

IRVING, MARTA DE AZEVEDO. Áreas Protegidas e Inclusão Social: uma equação possível em políticas públicas de proteção da natureza no Brasil? Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v. 4, n012, p. 122-147, 2010. 

IRVING, MARTA DE AZEVEDO  et al. Governança e Políticas Públicas: desafios para a gestão de parques nacionais no Brasil. In: Fontain G.; van Vilet G.; Pasquit, R.; (Coord.) Políticas Ambientales y gobernabilidad en America Latina. 

FLACSO/IDDRI/CIRAD, Quito -Ecuador, 2007.

MILARÉ, ÉDIS. Direito do Ambiente: doutrina, prárica, jurisprudência – glossário. 2ª Ed. Ver. Atual. Amp. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001. 783p.


SOARES, LUIZ EDUARDO. Meu Casaco de General: quinhentos dias no front da Segurança Pública do Rio de Janeiro. Companhia das Letras, Rio de Janeiro, 2000, 475p.

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