ILHA PURA: NEM É ILHA NEM É PURA


Vila dos Atletas, mais um imenso condomínio de edifícios altos, em Jacarepaguá.
Vila dos Atletas. Imagem: Arcoweb
De nada adiantaram os esforços de arquitetos e urbanistas, entre outros profissionais e interessados pelas questões urbanas do Rio de Janeiro, para que a obrigação de fornecer acomodações aos atletas olímpicos – a chamada Vila dos Atletas – fosse transformada em oportunidade para criar novas unidades habitacionais destinadas às classes menos abastadas da população, e reduzir o déficit habitacional permanente que colabora para o aumento de construções irregulares em toda a cidade, inclusive em áreas de risco.
 
Do mesmo modo, de nada adiantaram os esforços para que construir equipamentos olímpicos, a referida Vila dos Atletas e a Vila de Árbitros e Mídia, colaborasse para a reurbanização de áreas degradadas, servindo como polo de atração para novos investimentos.

Ao contrário, as vilas e a maioria dos equipamentos foram erguidos em Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, região do Rio de Janeiro que cresce vertiginosamente desde os anos 1970, quando começou a ser implantado o Plano Piloto para a Baixada de Jacarepaguá, um modelo urbano então dito progressista, composto por traçado rodoviarista, predominância de edifícios altos afastados uns dos outros: grandes condomínios residenciais intercalados por conjuntos de casas e prédios comerciais baixos.

Mas, a Vila dos Atletas, ou, Ilha Pura, compreende apenas mais um dos condomínios na Baixada de Jacarepaguá que seguiu normas urbanísticas criadas pela Lei Complementar nº 104/2009, o polêmico Projeto de Estruturação Urbana – PEU Vargens. Esta lei aumentou significativamente o potencial construtivo da região, agraciando, mais uma vez, o mercado imobiliário, inclusive para o vizinho terreno do Parque Olímpico, erguido o lugar do Autódromo do Rio, desativado e demolido em nome dos Jogos.

Situado na Avenida Salvador Allende (antiga Avenida Arenápolis) em parte da área delimitada por esta, pela Avenida Olof Palm, pela Estrada dos Bandeirantes e pela Via de Ligação, o terreno não é uma ilha.

O nome remete a uma ilha de tranquilidade, um local isolado (v. etimologia), tema retratado nos artigos ‘Ilha Pura: Exclusividade, Isolamento e Elitismo na “Sustentável” Futura Vila Olímpica’, publicado pela Rio on Watch, e ‘Ilha Pura: oito quilômetros quadrados sob controle total’, de Julia Michels. Curiosamente, a escolha do nome não se deu pelo marketing, como pode parecer, mas, era denominação antiga do local onde, segundo reportagem da ESPN em 07/07/2015,

 
…“o espaço dos atletas está sendo construído em uma área do terreno de 206 mil metros quadrados, onde estão sendo erguidos 31 prédios residenciais, divididos em sete condomínios, com 3.604 apartamentos, de dois, três e quatro quartos (…) conta com parques, academias, salas de cinema, piscinas, saunas, quadras esportivas, lagos artificiais (…) tem capacidade para abrigar 17.950 atletas e paratletas, treinadores e fisioterapeutas (…)”.



O terreno hoje é classificado pelo PEU Vargens como Setor I, antes chamado Subzona A-34 B pela terminologia do Decreto nº 3046/81.

REGIÃO DAS VARGENS: VARGEM GRANDE, VARGEM PEQUENA, CAMORIM, e parte da BARRA DA TIJUCA, RECREIO DOS BANDEIRANTES E JACAREPAGUÁ
PEU VARGENS –  A LEI Nº 104/99 MODIFICOU OS ÍNDICES URBANÍSTICOS E DE CONSTRUÇÃO VIGENTES DESDE 1981, QUANDO A BAIXADA DE JACAREPAGUÁ FOI DIVIDIDA EM SUBZONAS, CADA UMA COM REGRAS PARA CONSTRUIR ESPECÍFICAS BASEADAS NO PLANO PILOTO DE LÚCIO COSTA. A Lei nº 104/99 ampliou os limites da antiga Subzona A-45 e também criou o Setor E, ambos sobre trecho que não integrava o Plano Piloto. A lei foi promulgada e teve arguida sua inconstitucionalidade, pelo prefeito da época. O novo prefeito não deu continuidade ao processo e a lei passou a viger. V. PEU VARGENS: DE LÚCIO COSTA A 2009 – TABELA COMPARATIVA.

A lista abaixo mostra a modificação dos índices urbanísticos principais vigentes para o terreno ocorridas nas últimas décadas:
 
Até meados do Século XX – Zona Agrícola

Decreto nº 324/1976 – Baseado no Plano Piloto para a Baixada de Jacarepaguá:
Subzona A-34 do Decreto nº 324/76
Conceituação – Refere-se à área subdividida em duas porções. A primeira, denominada Ilha Pura, tem seu aproveitamento definido pelo Projeto Especial de autoria do Arquiteto Lucio Costa, que deverá constituir estudo básico para o desenvolvimento da área;
_densidade demográfica: 420 habitantes por hectare;
_IAA: 1,05
A segunda porção corresponde à área declarada de utilidade pública para fins de desapropriação destinada ao Centro de Feiras e Exposições, Programa Especial da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
Decreto nº 3046/1981 – Modificação do Decreto nº 324/1976
Subzona A-34 setor B do Decreto nº 3046/81
CRITÉRIOS PARA EDIFICAÇÃO
N° de pavimentos – 12 andares
I A T máximo 1,5
Taxa de ocupação 20%
Lei Complementar nº 140/2009 – Projeto de Estruturação Urbana­ – PEU Vargens:
SETOR I da Lei nº 104/2009 – PEU Vargens (Local da Vila dos Atletas, ou, Condomínio Ilha Pura)
CRITÉRIOS PARA EDIFICAÇÃO
N° de pavimentos – Altura 13 pisos; 40m (padrão); 18 pisos; 65m (com contrapartida)
I A T máximo 1,5 (padrão); 3,0 (com contrapartida)
Taxa de ocupação 50%
Taxa de permeabilidade 20%                     
Afastamento mínimo: frontal 5 m; das divisas: Obrigatório
                                                        

Assim, o gabarito de altura dos edifícios, já generoso, entre 1981 e 2009 aumentou de 12 para 18 andares, e a área máxima de construção permitida triplicou, desde 1976. A considerar os dados divulgados – área do terreno e capacidade de alojamento – a densidade demográfica prevista é mais que o dobro daquela desejada por Lúcio Costa.


Nossos gestores públicos insistem na mudança de índices construtivos – sempre a maior, é claro – como panaceia para resolver problemas de caráter amplo, quando o que se alcança são soluções imediatistas à custa de manchas indeléveis na paisagem urbana carioca.

São exemplos a “salvação” do Clube Botafogo que gerou um enorme volume no Mourisco, onde a altura máxima era de 10,00m protegendo as visadas nas Avenidas Pasteur e Nestor Moreira, e na saída da Rua Voluntários da Pátria, antes premiada com a visão do Pão de Açúcar; o aumento de gabaritos de hotéis justificado pela necessidade de criar mais quartos para os Jogos (o que já se comprovou desnecessário); as torres gigantescas previstas para a Zona Portuária que garantiriam o retorno dos investimentos em obras de urbanização; a manobra imobiliária para justificar a construção do Campo de Golfe dito Olímpico, cuja necessidade jamais ficou clara; a Vila dos Atletas dos Jogos Pan-Americanos 2007, na Subzona A-39 onde uso era unifamiliar (casas) com gabarito de apenas 1 (um) andar, área de solo inadequado, o que até hoje causa problemas às estruturas dos prédios de 11(onze) pisos; a construção de um complexo comercial nas Paineiras – Parque Nacionalda Tijuca – com altura equivalente a 5 (cinco) pisos onde o máximo permitido são 2(dois); ou a vontade do Clube Flamengo de erguer um estádio na Gávea, com marca de hambúrguer, cuja altura também será maior do que a prevista para o local, entre outras propostas e ações questionáveis.


Foi o que ocorreu para justificar a construção do Condomínio Ilha Pura, dessa vez sobre o mote de que tudo é Pra Olimpíada: o aumento de potencial construtivo – mais um, desde que a região deixou de ser Zona Agrícola – incentivou o surgimento de mais um conjunto que poderia ser incluído no que Paulo Mendes da Rocha classificou como ‘Ovo da Serpente’: “abandona-se a cidade…”.
 
Sem que o local fosse “cercado de água por todos os lados”, Ilha Pura pode ter sido um nome adequado há muitas décadas, ‘ilha’ como uma metáfora – por ser então distante do Centro e isolado – e ‘puro’ possivelmente pela exuberância de sua Natureza, ainda sem a interferência homem urbano.

Mas, devido aos novos índices criados pelo questionável PEU Vargens é de se reafirmar que a “Ilha Pura” do Século XXI, na Cidade do Rio de Janeiro que receberá as Olimpíadas de 2016, nem é Ilha, nem é Pura.


Que venham os Jogos!


Urbe CaRioca
 
Parque Olímpico (terreno triangular onde funcionou o antigo Autódromo do Rio) e Condomínio Ilha Pura (Vila dos Atletas durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, à esquerda e abaixo na imagem capturada do Google Earth em junho/2016)


NOTA – Um artigo sobre o Plano Piloto:

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