AMBIÊNCIA & ABANDONO DO CENTRO HISTÓRICO DO RIO, de Claudio Prado de Mello

Hotel Bragança, Rio de Janeiro. Fachada recuperada

Uma caminhada do arqueólogo Claudio Prado de Mello pelo Centro do Rio de Janeiro levou a uma reflexão e uma sugestão para o novo Prefeito do Rio.

A bela imagem que abre este post, infelizmente, ainda é um resultado pequeno diante do estado em que se encontra o importante Patrimônio Cultural carioca.

Que no futuro breve muitas outras construções possam também ser recuperadas. Boa leitura.

Urbe CaRioca




AMBIÊNCIA & ABANDONO DO CENTRO HISTÓRICO DO RIO

Claudio Prado de Mello
Percorrer as ruas do Rio de Janeiro a pé pode ser um passeio traumático e decepcionante.

No último dia 05, como Conselheiro do Conselho Municipal de Cultura do RJ, na cadeira Territorialidade, assisti à posse da nova Secretaria de Cultura na Praça Tiradentes e, após a cerimônia, segui andando até o setor de protocolo do IPHAN, passando pela Rua Teófilo Otoni. Depois de andar pela Avenida Rio Branco, passei pela Candelária – para conferir os danos causados pelas obras recentes -, segui pelo Beco das Cancelas até chegar ao Edifício-Garagem Menezes Cortes, protocolei documentos no Ministério Público Federal, e segui pela Rua México até o Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia.

O que vi foi uma cidade TRISTE, vazia, com lojas que acompanhei e frequentei por décadas, fechadas. Além do comércio fechado, notei muitos prédios abandonados. Na Rua Teófilo Otoni, restaurantes não existiam mais. No Largo de São Francisco, a tradicional loja Lutz Ferrando tinha tapumes entorno; a Igreja e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS estão gradeados. Em volta deles, moradores de rua dormiam a plena luz do dia. Acima de tudo, vi FACES TRISTES.

Alguns restaurantes na Rua da Conceição, em plena hora de almoço, não tinham NENHUM CLIENTE. As mesas estavam vazias e havia um olhar de derrota nas faces dos garçons, um sorriso sem jeito como a pedir que as pessoas entrassem e consumissem.

Na Rua do Teatro o casario se arruína progressivamente. Locais que eram lojas de animais e restaurantes estão dando lugar a estacionamentos. A área, vizinha ao CORREDOR CULTURAL, está em estado deprimente: as fachadas dos edifícios remanescentes oferecem perigo total aos transeuntes, há gradis prestes a desabar e fragmentos das fachadas centenárias vão abaixo dia a dia.

A Cidade do Rio de Janeiro está perdendo o viço, sua aura de alegria e de progressividade. Foi desolador ver o Rio assim!

Isso nos remete a outra reflexão!






Em uma promoção a empresa Holandesa KLM escolheu os 50 mais bonitos lugares do Mundo para ofertar aos clientes participantes. O Brasil participa graças ao belíssimo REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA. 
(https://www.ifly2017.com/EN_BR/18). Por acaso, passamos pelo local quando a caminho do Teatro Carlos Gomes, e pudemos observar o que é hoje a AMBIÊNCIA do Real Gabinete, como segue:





1) Prédios em ruínas, na rua Ramalho Ortigão,
2) O pátio interno da Igreja de São Francisco Xavier usado como estacionamento, causa danos à igreja. A graciosa fonte de pedra está mais destruída a cada dia e não há quem o note!
3) O prédio do IFCS tem as paredes completamente pichadas, sem perspectiva de mudar.
4) Os prédios da Rua do Teatro, em ruínas, são transformados em estacionamento e suas fachadas que causam perigo, como citado.
5) Lojas fechadas no entorno do Real Gabinete e no largo de São Francisco, com imensa concentração de moradores de rua, criam ambiente inseguro e tornam o cheiro da região repugnante.
6) No Monumento dedicado a José Bonifácio, cujo gradil está cada vez mais dilapidado, as peças de ferro fundido desaparecem pouco a pouco; há receio de que se repita o que sucedeu na Praça XV (Monumento a General Osório).

Para atrair a atenção dos turistas uma cidade tem não apenas que oferecer Segurança, mas também proporcionar um contexto minimamente agradável. Passar por praças totalmente destruídas, monumentos abandonados, prédios arruinados e acima de tudo, com um ar DECADENTE, torna a visita algo deprimente.



Um parêntese: em fevereiro/2014 quando visitei NICÓSIA – capital de Chipre, invadida pelos Turcos – comovi-me ao notar o ar de derrota dos Cipriotas. Saí abatido depois de ver um ambiente tão triste e depressivo naquela cidade partida ao meio pelo inimigo. O que partiu o Rio de Janeiro?

Antes que a cidade que foi descrita como “Maravilhosa” seja um caso perdido, fica aqui a sugestão para o novo Prefeito Marcelo Crivella: criar uma Secretaria urgentemente, a SECRETARIA MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL para que nosso Patrimônio Edificado, praças e monumentos recebam um olhar mais atento, antes que se percam inexoravelmente.

A cidade é um somatório de vivências e de experiências de vida, mais do que um quadro sobre os homens e suas sociedades, mais do que um espaço físico. A cidade é um território de arranjos e de somas das relações que foram desenvolvidas entre pessoas, estruturas e objetos que, ao longo do tempo, moldaram o traçado de ruas, delimitaram muros, e determinaram a necessidade de haver espaços públicos e privados. Destruir ou deixar fenecer os registros das formas de uma cidade é cortar as raízes de identidade de um povo com o seu Passado.

Em um planeta que caminha para a globalização – ou planificação de seus termos culturais -, somente o Passado será lembrado como a verdadeira matriz cultural e identidade dos povos. Há que preservá-lo e valorizá-lo.

Claudio Prado de Mello, 06 de janeiro de 2017
Arqueólogo e Historiador
Conselheiro Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (Territorialidade)


  1. Vivi isso tudo e hoje com meus quase 56 anis fiquei muito triste, mais triste até que a pandemia, me senti como se sentem aquelas arvores velhas esquecidas e maltratadas do centro do Rio, o que adianta fazer Museus dos Amanhãs se não se cuidam dos Museus de Ontens? Escrevi errado mesmo pra que vejam o que penso…. A lembrança de uma pessoa que hoje deve estar com quase 100 anos, um vendedor honesto de uma antiga loja da década de 70 que vendia meus uniformes escolares por pelo menos a década de 70 inteira, chamado Dário, e a Loja era “A Colegial” ficava no Largo de São Francisco próximo a Praça Tiradentes….. Enquanto estivermos num país que não se respeitam os seus velhos, o seu passado, as Leis, o caráter, a lembrança, a humildade, a honestidade, seremos sempre, esse lixo internacional que somos e que ninguem respeita… e entramos nessa Merda, me desculpem, quando um escroque e traidor derrubou o Império Brasileiro depondo S.A.I.R. Dom Pedro II (1889) e implantou essa Bosta de republica que não irá nos levar a lugar nenhum, a não ser essas maravilhas que vemos hoje.

  2. Obrigado péla contribuiçao Dr Washington Fajardo ! A matéria surgiu de uma postagem e ele foi genuinamente reflexo de uma observaçao do Centro do Rio .Nao só da paisagem cultural, mas tambem do impacto catastrofico que a economia causou no comercio e no setor de serviços . Ainda ontem ( quarta, 11 Jan) tive uma reuniao no ICCV e percorri outras ruas do centro e novamente na hora de almoço e a constataçao de outros restaurantes vazios foi verificada. Fora os que ja fecharam de vez . Nada que responsabilize a Administraçao Municipal anterior, mas que o aspecto é decadente em muitas areas , isso nao se pode negar !!! Quanto ao Edital Pro-APAC, esse realmente merece as congratulaçoes de todos . Esperemos que o novo Prefeito tenha um olhar mais voltado para o Patrimonio Historico e que tenhamos mossas velhas e boas praças e monumentos restaurados e conservados e que se houver um movimento de renovaçao de uma area especifica da cidade ( como foi o caso do Porto Maravilha ) que o Patrimonio Historico nao seja preterido . E com isso nao existe critica propriamente ao Porto, que tambem era area que necessitava de sua renovaçao, tal como ocorreu . Por isso, ha anos venho falando da necessidade de um Forum de Politica Patrimonial para traçar metas, definir projetos e elucidar pontos nebulosos que as vezes surgem na questao do Patrimonio ( material). Acredito que o fortalecimento do IRPH seria efetivo de verdade se transformado em Secretaria Municipal de Patrimonio , em virtude da importancia que ele tem para a Sociedade e dessa forma teríamos a maior tranquilidade de que o "silencio da degradaçao de nosso imoveis " poderia ser "ouvido" por um Secretario que tivesse um orçamento e uma VISIBILIDADE maior . Oxalá , possamos ter avanços nesse sentido !

  3. Sempre há muito a fazer, e concordo com a autonomia do órgão de patrimônio cultural, mas não posso concordar com essa visão pessimista e que não corresponde aos fatos: nunca tivemos tanta recuperação e reabilitação de imóveis pelo simples fato do Centro e Porto converterem-se cada vez mais em áreas do desejo da sociedade. Essa percepção, lastreada na paisagem emocional, essa lamúria, não ajuda em nada a vencer os desafios. Enumero alguns: 1 Regulamentar IPTU progressivo para combater imóveis ociosos 2 Continuar e aumentar o Edital Pro-APAC de subsídio a restauração de imóveis privados, com ênfase maior para uso residencial (já previsto no edital) 3 Vender, alugar, conceder imóveis públicos ociosos com prioridade para uso residencial 4 Governança especial e dedicada às peculiaridades do CH. Posso listar mais ações mas paro aqui. Curiosamente, a postagem mostra o Hotel Bragança, reabilitado, e o Real Gabinete, em obras de restauração. Respeito o autor mas o que o Centro do Rio precisa são de continuidade de políticas, implantação de instrumentos urbanos, estímulos, subsídios e ordenamento. Não precisa de lamúrias de flaneur deprimido.

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