CAMPO DE GOLFE: UM DECRETO DISCRETO


VEJA RIO


Enquanto os olhares se dirigem à Marina da Glória e cresce a polêmica sobre a construção de um Centro de Convenções em uma das extremidades do Parque do Flamengo – área pública non-aedificandi -, um discreto decreto do prefeito da Cidade do Rio de Janeiro publicado ontem, não deixa mais dúvidas: caso não haja a intervenção da Justiça ou do Ministério Público Estadual, o Campo de Golfe que elimina parte de Área de Proteção Ambiental do Parque Municipal Ecológico de Marapendi será construído, não obstante os muitos aspectos questionáveis e perniciosos para a urbe carioca, e as diversas manifestações contrárias da sociedade.






Matéria jornalística na Folha de São Paulo afirma que o texto apresenta contradições quanto à forma de uso do futuro campo, e aponta questões jurídicas que envolvem a disputa pela propriedade da terra. Por outro lado, informa-nos que, o cerne da questão, outra vez e como todos já sabem, é a construção de um conjunto de edifícios com 22 andares. Faltou mencionar a transferência de potencial construtivo, isto é, em tese, o que seria construído no trecho destinado ao campo passará para a parte que restou destinada às torres. Em tese, veremos porquê.


As mudanças nas leis urbanísticas são o subterfúgio usado indiscriminadamente nos últimos quatro anos que transforma o solo carioca em moeda de troca para beneficiar o mercado imobiliário à custa da paisagem, das áreas preservadas, do seu entorno, e até da qualidade urbana de bairros consolidados, caso do PEU Vargens em Jacarepaguá e na Barra da Tijuca.


Este é mais um caso.


Como foi comentado no texto PACOTE OLÍMPICO 2 – O CAMPO DE GOLFE E A APA MARAPENDI, “Para aumentar o tamanho do Campo de Golfe e levar a área particular até à margem da Lagoa de Marapendi a atual gestão propõe eliminar a Zona de Conservação da Vida Silvestre – ZCVS, que pertence a uma região protegida pelo menos desde 1959. A benesse vai além do imaginável: a área de 58 mim m² a ser agora acrescentada ao campo e transformada em pradaria particular foi DOADA ao antigo Estado da Guanabara em 1973! Há que investigar se é área pública”.
AS EMENDAS AO PACOTE = ‘O BODE NA SALA’
Imagem: Blog Luis Torres




Foi o que fez a lei aprovada logo após a virada do ano , parte do PACOTE 2, também tratada em O PACOTE E O BODE.



Mudar a lei com o apoio dos vereadores foi pouco. O DECRETO DISCRETO parece ir mais longe, pois desvirtua os conceitos de proteção contidos nos artigos 103, 104 e 105 do novo Plano Diretor: o chamado Plano Frankenstein do qual só se pode elogiar justamente a Política de Meio Ambiente, pois o restante foi feito para o Mercado Imobiliário!


Aqueles dispositivos visam exatamente permitir a transferência do potencial construtivo em situações excepcionais, por exemplo, para garantir a permanência e condições ambientais de uma Zona de Vida Silvestre – ZVS, tudo sob a análise e concordância dos órgãos responsáveis, neste caso, os setores de tutela do Meio Ambiente. Não se sabe se houve a autorização, mas deve-se lembrar que a negativa nem sempre resolve. Vide o caso do antigo Museu do Índio – considerado de interesse pelo Conselho de Patrimônio e cuja demolição foi autorizada pelo alcaide.


Ora, por óbvio, um Campo de Golfe, por não permitir a regeneração natural da vegetação, jamais será um local de vida silvestre, mesmo que espécies da flora e da fauna se candidatassem a disputar partidas do jogo das tacadas! Portanto, as afirmações que constam dos ‘Considerando’ do Decreto nº 36795/2013 são apenas o sofisma que, por definição, induz à inverdade, ao engano, à ilusão: embora verde na cor, o campo nada mais será do que um espaço construído, artificial, que não contribuirá para o desejável processo de permanente revitalização ecológica da região, o objetivo da criação das Unidades de Conservação.


Há outro aspecto interessante – para os empreendedores, esclareça-se -, que lembra aquele caso da senhora que ‘fez promessa para não comer doces’. Os empreendedores – nada contra a categoria, que fique bem claro – são agraciados triplamente: com a atividade comercial do campo em si, com a transferência do potencial construtivo para fazer mais prédios ainda mais altos, e com linda vista para… O CAMPO! Graças à manobra (admitida pelo Plano Diretor apenas para garantir a proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico-cultural) usada esperta, indevida e mentirosamente.


Tudo em nome de um Campo de Golfe novo e possivelmente desnecessário, uma vez que não houve clareza sobre a impossibilidade de que os campos existentes na cidade abriguem as disputas durante a realização dos Jogos Olímpicos que durarão apenas duas semanas!


Blog Sonia Rabello


Fica uma pergunta para os juristas: se, porque o decreto 36795/2013 contém norma sobre o uso do solo, matéria de lei, portanto, esta pode ser fixadas apenas pelo Poder Executivo e, em caso contrário, se o decreto é nulo.



Fica uma dica para o redator do DECRETO DISCRETO: quanto mais ‘Considerando’ tem a norma, menos crível ela é.


NOTA: Abaixo, os artigos do Plano Diretor que foram citados.
Art. 103. Entende-se por readequação de potencial construtivo de lote parcialmente atingido por projeto ou ação de interesse público, a possibilidade de utilização integral da área do lote original para o cálculo da Área Total Edificável a ser aplicada em sua porção remanescente, nas seguintes situações:
I. tombamento e preservação de imóveis de interesse histórico;
II. preservação de área de interesse ambiental ou paisagístico;
III. implantação de Projetos de Alinhamento vinculados a projetos urbanos em execução;
IV. incentivo à renovação de áreas e imóveis degradados.
Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo não serão computados, para efeito de cálculo da Área Total Edificável, a área construída dos prédios tombados ou preservados.
Art.104. Para viabilizar a utilização integral da Área Total Edificável do lote original em sua porção remanescente, poderão ser alterados gabarito ou taxa de ocupação em vigor para o mesmo lote, desde que não ultrapassem os limites máximos definidos por legislação local ou específica.

Art.105. Para os casos mencionados no art. 104, a licença dependerá de parecer favorável dos órgãos de tutela de patrimônio cultural e de meio ambiente, nos casos dos incisos I e II respectivamente.

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