Artigo: PATRIMÔNIO DO RIO: PROTEÇÃO E RETROCESSO*, Andréa Redondo

O artigo a seguir foi publicado no Jornal Folha de São Paulo em 21/03/2013. Apresenta um breve relato sobre as mudanças nas políticas de patrimônio cultural e de meio ambiente na cidade do Rio de Janeiro a partir dos anos 1980, e comenta três casos recentes e polêmicos que estão em foco: o prédio do antigo Museu do Índio – cuja demolição foi suspensa -, o Campo de Golfe que retira parte da Área e Proteção Ambiental Marapendi (Parque Ecológico), e o projeto para construir Centro de Convenções e Shopping no Parque do Flamengo.

Devido aos importantes esclarecimentos prestados pelo jornalista Elio Gaspari em matéria do jornal O Globo no último domingo, sobre nova análise do IPHAN que ocorrerá em breve, é oportuno divulgar as considerações relatadas há um mês, hoje ainda mais atuais. Outras análises sobre o caso da Marina neste blog têm os marcadores ‘Parque do Flamengo’ e ‘Marina da Glória’. O campeão de acessos foi MAIS MARINA: A PROPAGANDA QUE ENGANA.
Boa leitura!
Blog Urbe CaRioca




“O IAB-RJ comemora a escolha do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural da Humanidade na categoria Paisagem Cultural.

 A distinção, oficializada no último dia 1º de julho pela UNESCO, é inédita para uma cidade.

 O reconhecimento levou em conta a presença e protagonismo de dois projetos notáveis: o Aterro do Flamengo e o Calçadão de Copacabana” (Fonte: site do IAB-RJ).

Andréa Albuquerque G. Redondo

O processo contínuo de transformação das cidades, parte da dinâmica urbana, está cada vez mais rápido. Hoje o caso do Rio de Janeiro é excepcional: os eventos internacionais a caminho, que trouxeram recursos financeiros e desenvolvimento econômico, têm sido invocados para justificar leis urbanísticas de estímulo à expansão e renovação urbanas, algumas equivocadas.

Por sua vez, os critérios de preservação do patrimônio histórico e cultural mudaram ao longo do século 20. Foram aperfeiçoados, pode-se dizer. Aos conceitos mundiais sobre o tombamento de bens culturais de valor individual somou-se a proteção de conjuntos urbanos. Identidade do lugar, ambiência urbana e paisagística, proteção do meio ambiente, referências e valores afetivos –esses quesitos foram alçados a um novo patamar de importância.

No Rio, esse processo começou em 1984, com a lei que preservou um casario do centro. Foi seguida em 1988 pela primeira Área de Proteção do Patrimônio Cultural (Apac), que garantiu a permanência de lugares tradicionais nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, joias escondidas no centro e na zona portuária, hoje redescobertas pelos cariocas.

Inseridos no Plano Diretor de 1992, os preceitos geraram mais de 30 Apacs. Preservou-se construções e paisagens urbanas que constituem patrimônio cultural carioca, referências vivas da memória da cidade e de seus moradores. Leis indiscriminadas para incentivo ao mercado imobiliário passaram a ser substituídas por normas que visavam o equilíbrio entre a cidade consolidada e o novo.

Identificar lugares a ser salvaguardados e liberar outros para a renovação urbana são os dois lados da cidade desejável, boa para moradores e atraente para investidores. É tarefa árdua e constante. Tem sido incentivada e respeitada por várias administrações.

Infelizmente, exemplos recentes em terras cariocas opostos àquela política são lamentáveis.


Imagem: CMI / site do CREA-RJ

O antigo Museu do Índio, ao lado do Maracanã, foi considerado bem de valor cultural pelo órgão municipal de tutela do patrimônio. Mas o prefeito autorizou a demolição do prédio, a pedido do governador. Este recuou da decisão após manifestações contrárias de diversos segmentos da sociedade. 


Por enquanto.


Blog lupparelli-acritica

Parte significativa da área de proteção ambiental do Parque Natural Municipal de Marapendi foi eliminada para dar lugara um campo de golfe dito “olímpico”, manobra complexa que ainda garantiu aumento do gabarito em área vizinha. Os protestos não adiantaram e a lei foi sancionada.





A polêmica do momento é a proposta absurda para construção de shopping e centro de convenções na área da marina pública do Rio. A Marina da Glória é um equipamento urbano municipal. Pertence ao parque do Flamengo, bem tombado federal e municipal, cobiçado pela iniciativa privada.

O concessionário atual –grupo EBX, encarregado de geri-lo e prestar serviços– pretende erguer um empreendimento comercial de grande porte. Tem o apoio do prefeito e do Iphan nacional, órgão responsável pela tutela que deveria atuar como guardião dos critérios do tombamento, ora desprezados.



PARQUE DO FLAMENGO, RIO DE JANEIRO
Mas a prefeitura carece de amparo legal para aprovar o pleito, mesmo com a inexplicável concordância do Iphan, não mandatória. No parque do Flamengo, área pública “non-aedificandi” e bem de uso comum do povo, são permitidos apenas os prédios que constam no plano original dos anos 1960 e os usos respectivos, todos de natureza pública.

O projeto é ilegal. Não existe discricionariedade fora da lei.
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ANDRÉA REDONDO, 60, arquiteta, foi subsecretária municipal de urbanismo do Rio (1993-1996) e presidente do Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural da cidade (2001-2007)
*Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo em 21/03/2013

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