De Reclamilda para São Sebastião, em 2022

Estátua de São Sebastião em Sant’Agnese in Agone /Foto: Wikimedia

CrôniCaRioca

Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2022

Querido São Sebastião,

Quem escreve é Reclamilda, sua velha e devota amiga que há tempos não aparece. Explico.

Reclamilda Reclusa até já me apelidaram, pois há quase dois anos a pandemia de coronavírus me prende em casa. Ouvi falar que eternos só Deus e a mais-valia, que sacrilégio! Acho que vou pecar: Deus, a mais-valia e a interminável pandemia! Sobrevivendo graças a Ele, à reclusão, às vacinas,  ao senhor, padroeiro da minha Mui Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, é claro, e a São Judas Tadeu, o santo das Causas Impossíveis que deve ser lembrado sempre. Estou presa, mas feliz por ainda poder respirar e pensar. Nem todos tiveram a mesma sorte e espero que os ventos cariocas continuem soprando a meu favor!

Quanto à nossa cidade, São Sebastião, quem dera poder dizer o mesmo. Está tão maltratada, suja, esburacada… Viva e largada. E olha que esse Prefeito esteve aqui antes um monte de vezes, falta de experiência não é, nem de conhecimento, é esperto, sabe tudo. Verdade que o anterior foi péssimo, abaixo da crítica, pavimentou o caminho para esse voltar, ele que não é nenhum Jedi, mas retornou, em vez de espada iluminada, uma caneta nervosa na mão que insiste em mais benesses urbanísticas… e ainda aumentou o IPTU, não bastando os aumentos astronômicos feitos pelo anterior, que é o lado negro da Força personificado!

Pois é, São Tião, perdoe a intimidade, mas a turma só pensa em dinheiro, vende gabarito, terrenos, o que tiver, o etéreo a transformar em concreto. Tudo para arrecadar. Se ao menos a cidade estivesse boa, segura, limpa, bonita, ajardinada…

O quê?

Juro, meu Santo, não é reclamação, nem pessimismo, nem visão negativa, é só a realidade, palavra!

Sei que no seu tempo as coisas eram difíceis, ninguém podia reclamar, discordar, era logo jogado aos leões, ou cravavam muitas flechas no pobre coitado, o senhor que o diga. Pois saiba que quase dois mil anos depois ainda há muito sofrimento mundo afora, os homens adoram se matar, só pode ser. Flechas não temos por aqui, mas balas perdidas e achadas, bombas, mísseis…

Por que estou reclusa?

Ah! Sim, perdoe-me pelo devaneio, pelo jeito a tal Covid não chegou aí no Céu ou o senhor anda distraído, não tem olhado muito aqui para baixo…

Hã?

Perdão, de novo, malcriação e desrespeito de jeito nenhum, São Sebá, escapuliu… É que estou cansada. Na sua infinita santidade, há de me compreender. Explico.

Quando parecia que as coisas iam melhorar, veio o Ano Novo, fogos liberados na praia (aquela caneta, sabe?), muitos beijos e abraços para saudar 2022, e a tal da Ômicron que grassava por aí estava só esperando as festas, e fez a festa! A coisa “tá feia”. Não digo que “tá preta” – como se dizia antigamente sem ninguém reclamar (e depois eu que sou a Reclamilda!)  para não ser crucificada de cabeça para baixo igual a São Pedro, não se pode dizer mais nada, meu santo, brincar, fazer piada, nada…

Por falar em São Pedro, como vai ele? Por favor agradeça em meu nome pelos lindos dias de sol e céu azul. Não parava de chover desde outubro, se São Pedro está chateado com os brasileiros deve ter motivo. Está bem, as plantas agradecem, os açudes, as represas, mas precisava mandar tanta água para alagar a Bahia e Minas Gerais? Quem sabe dividir pelo Brasil seria mais justo, tudo tão seco lá no Sul… Não estou questionando as ordens divinas e a Natureza, quem sou eu, é que ver aquelas pessoas perdendo tudo nas enxurradas dói, sabe? Muito triste.

O quê?

A culpa não é de São Pedro? Mudanças climáticas? Também constroem em morros e terrenos alagadiços, beira de rio. Hummm… entendi. Bem, às vezes o povo não tem saída, e controlar tudo, só Deus mesmo.

Como?

Ah! Voei de novo, o senhor quer saber mais sobre coronavírus, claro. Temos vacina, a doença vem mais branda, dizem. Como expliquei antes, parecia que tudo melhorava e o bichinho está pegando todo mundo, piscou, pegou.

Vai passar? Obrigada, que alívio! Como!? Para acabar mais depressa tem que caprichar na vacina, usar máscara daquela mais cara, não juntar muita gente, deixar beijos e abraços para mais adiante… Essa é a parte mais difícil, brasileiro adora abraçar e beijar (Opa, desculpe, adorar só a Deus), quero dizer, gosta muito dessas demonstrações de carinho. Está bem, dá para esperar mais.

E a Cidade?

Puxa… O senhor não pode fazer nada? Compreendo. Nós mesmos temos que resolver. O mundo fez vacinas em tempo recorde, temos inteligência e capacidade quase divinos. Não usar é desperdício. Saberemos fazer o Rio melhorar e ser um lugar maravilhoso…

Concordo, meu Santo Padroeiro, mas, perdoe-me o abuso, nesse balaio de humanos estão os governantes, nem todos fazem o certo – ou o senhor não teria sido todo flechado – há os incompetentes, os ladrões, os falsos, os mentirosos, os que não estão nem aí para a população. Sim, no seu tempo não se podia escolher, agora se pode, e veja a nossa situação. Escolher melhor? Alguma sugestão?

Ok. Livre Arbítrio. Vou pensar.

Já que é impossível dar sua opinião, por favor, olhe por nós e pelo Rio de Janeiro. Afinal, o senhor é o mártir da fé e protetor contra as pestes, a fome e as guerras. Temos as três nestas terras cariocas. Mais do que nunca, o Rio precisa do seu santo padroeiro.

Respeitosamente.

Reclamilda

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  1. Excelente artigo, que relata de maneira divertida os problemas que o Rio de Janeiro, nossa tão famosa Cidade Maravilhosa , está vivendo e o descaso total das autoridades, que só se preocupam em arrecadar mais dinheiro, para aplicar não se sabe aonde

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