O evento que será realizado no próximo ano no Rio de Janeiro – o Velo-City Global 2018 – é pano de fundo para o artigo do geógrafo Hugo Costa, que mostra mais uma face dos contrastes entre regiões e bairros cariocas, desta vez com análise sobre a malha cicloviária da cidade. A continuidade dos projetos e obras para a instalação de ciclovias é essencial, assim como sua distribuição equilibrada. Boa leitura.
Urbe CaRioca
O VELO-CITY 2018 VEM AÍ
Hugo Costa*
Um dos eventos mais famosos e importantes do mundo para mobilidade ativa acontecerá no Rio de Janeiro em 2018. Depois da bem sucedida recepção este ano em Amsterdam (Holanda) – que é conhecida pela sua grande malha cicloviária – o evento fará parte da política municipal carioca para a atração de eventos mundiais e ampliação do calendário turístico da cidade.
Nosso prefeito ‘caprichou’ na apresentação institucional para convidar os ciclistas presentes na edição de 2017, com lindas cenas de ciclovias à beira mar (incluindo trechos da ciclovia que caiu e matou duas pessoas), em parques, ou em ruas do Centro do Rio durante o final de semana. O que se mostrou ganhou elogios e pedidos em rede sociais até no próprio Rio: os cariocas querem morar naquele Rio de Janeiro exibido no vídeo, e não no que existe na vida real.
O contraste entre o Rio de Janeiro do vídeo e os lugares onde cariocas realmente pedalam explica-se pela política que predomina há décadas na cidade, onde no imaginário dos gestores públicos, a cidade tem apenas esta representação cartográfica para gerenciar…
… que apresenta uma forma alternativa neste outro mapa…
… e assim condiz, também, com os Mapas Cicloviários da cidade representados na propaganda oficial para o Velo-City, que inclui apenas as ciclovias configuradas no mapa turístico na elaboração do Rio de Janeiro, excluindo, portanto, a malha cicloviária da cidade real:
Curiosamente, as regiões mais densamente ocupadas são “partidas” quando a política trata de ciclovias, conforme abaixo:
A rede de ciclovias necessária no Rio de Janeiro vai contra o que é senso comum a muitos cariocas: bicicleta é meio de transporte e não apenas equipamento usado para o lazer. Imaginar que o ciclista é apenas aquele vestido com roupas e capacetes aerodinâmicos montado em uma bicicleta de milhares de reais, que separa seu final de semana para fazer exercícios, é um engano. O principal perfil de ciclista das cidades brasileiras se enquadra na faixa salarial de até 3 salários mínimos, e usa a bicicleta como opção ao tarifário de transporte público, característica econômica abundante na região da cidade desguarnecida de malha cicloviária, que compreende a Zona Norte e sua conexão com a Zona Oeste, distantes do litoral.
Alguns entusiastas do Rio ‘turístico’ afirmariam que o importante é continuar o tratamento dado seletivamente à parte da cidade que talvez ainda possa ser chamada “Maravilhosa”: mantém-se o incentivo ao turismo na bolha onde há ciclovias, e esconde-se o resto da cidade, fórmula reproduzida há décadas. Isto funciona adequadamente a quem chega ao Aeroporto internacional do Galeão e dirige-se de táxi ou ônibus de turismo pela Linha Vermelha em direção ao Túnel Rebouças, em direção a Zona Sul, sem conhecer a Zona Norte, onde fica o Aeroporto.
Mas como se faria esse deslocamento com um grupo de entusiastas de bicicletas? Como explicar a um grupo mundial de adeptos da mobilidade ativa que a única forma de sair do aeroporto da cidade que sediará um evento como o Velo-City para o local do encontro ou dos hotéis é através de carros ou de ônibus especiais?
Estamos em uma megalópole e o Aeroporto Internacional é ligado aos bairros através de vias expressas, poderia ser uma explicação. É certo, porém, que os motoristas das ruas da Zona Norte e da zona “noroeste” não são receptivos à partilha do espaço com ciclistas como mostram as estatísticas e fatos da cidade.
Acreditamos que um com custo menor e garantindo segurança maior que a oferecida pela fatídica ciclovia Tim Maia, é possível prover uma grande parcela das zonas Norte e Oeste que margeia os grandes eixos rodoviários da cidade com ciclovias, gerando assim um cenário mais condizente com o tipo de evento mundial que virá para a cidade em 2018. E, sobretudo, beneficiando a população carioca.
*Hugo Costa é Geógrafo