Sempre o Gabarito ! E, quase sempre, na Barra da Tijuca…

Mais uma vez, a Prefeitura do Rio protagoniza cenas inaceitáveis e repetidas no âmbito de uma verdadeira Política de Urbanismo que pode ser considerada Política de Escambo. Agora, através do Projeto de Lei Complementar nº 72/2022, de autoria do Poder Executivo, aprovado em 1ª discussão pela Câmara de Vereadores, institui Operação Urbana Consorciada (OUC) do Parque Municipal de Inhoaíba, em uma área de aproximadamente 1.700.000 m2 na Zona Oeste da cidade,  e prevê em troca, pasmem, a permissão para construir acima dos padrões urbanísticos em nove áreas da cidade, quase todas na Baixada de Jacarepaguá.

(Áreas: *Entre a Lagoa da Tijuca e Avenida das Américas, lado direito no sentido Recreio, desde as imediações do Downtown até o Centro Empresarial Mário Henrique Simonsen, exceto áreas de uso unifamiliar; *Entre o Canal do Anil e a Avenida Ayrton Senna, tendo ao Sul a Lagoa do Camorim; * Lados direito e esquerdo da Avenida Comandante Guaranys (ao Norte do Centro Metropolitano da Barra); * Itanhangá, Muzema, Rio das Pedras; *Estrada Engenho D´Água com Estrada de Jacarepaguá (região onde se encontram e Cervejaria Ambev e o Park Shopping Jacarepaguá); *Norte da Estrada do Guerenguê, na Taquara; *Área da Colônia Juliana Moreira, limitada ao Norte pela Rua Comunidade e ao Sul pela Rua André Rocha;*Quadras lindeiras ao Corredor Transcarioca (Avenidas Nelson Mandela, Cândido benício, Ministro Edgard Romero, Vicente de Carvalho e Brás de Pina)

Num trecho nobre da Barra da Tijuca,  por exemplo, a permuta contemplará a construção de até mais quatro andares, além dos dois pavimentos e cobertura previstos pela legislação.

O proprietário da área situada em Inhoíaba, com isso, se livrará de partes do terreno ocupadas irregularmente, que passarão a trazer novos ônus para a Prefeitura, destaque-se, e ainda receberá como “bônus” potenciais construtivos, não necessariamente realizáveis, ou seja, construções hipotéticas a serem transferidas, o que causará, consequentemente, prejuízos a outros bairros do ponto de vista da paisagem, densidade urbana, harmonia entre os conjuntos edificados, entre outros.

Vale lembrar que a proposta remete à ação semelhante do prefeito, em mandato anterior, relacionada ao aumento de gabaritos também na Barra da Tijuca em nome de um Parque Municipal na orla que não chegou a ser implantado. Tudo ocorre em plena discussão do novo Plano Diretor para a Cidade, cantada em prosa e vídeos, diariamente nas redes sociais. É um “revival” da soberba e do desrespeito governamentais para com o Rio de Janeiro e a sua população.

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Gabaritos na Barra da Tijuca, por Sonia Rabello – Câmara de Vereadores

Confiram todos os detalhes da nova proposta do Poder Executivo na matéria abaixo.

Urbe CaRioca

MP analisa constitucionalidade de operação que troca parque em Inhoaíba por aumento de gabarito na Barra

Órgão pede esclarecimentos à Câmara de Vereadores e à Procuradoria-Geral do Município. Proposta já foi aprovada em primeira discussão

Por Selma Schmidt — O Globo – 11.07.2022

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Trecho do lado direito da Avenida das Américas, na Barra: operação muda padrões urbanísticos da área – Foto: Hermes de Paula

O polêmico projeto de lei complementar que institui a Operação Urbana Consorciada para implantar o Parque de Inhoaíba, num terreno de 1,7 milhão de metros quadrados, em troca de permissão para construir acima dos padrões urbanísticos em nove áreas da cidade, quase todas na Baixada de Jacarepaguá, ultrapassou os muros da Câmara de Vereadores e da prefeitura. Num trecho nobre da Barra — entre a Avenida das Américas e a Lagoa da Tijuca, das imediações do Downtown até o Centro Empresarial Mario Henrique Simonsen —, por exemplo, a permuta contempla a construção de até mais quatro andares, além dos dois pavimentos e cobertura previstos pela legislação. O vereador Pedro Duarte (Novo) encaminhou requerimento ao Ministério Público estadual (MPRJ), que instaurou procedimento para analisar a constitucionalidade da proposta do Executivo, aprovada em primeira votação. O órgão expediu ofícios à Câmara de Vereadores e à Procuradoria-Geral do Município pedindo esclarecimentos.

Duarte argumenta que o projeto não atende às normas do Estatuto da Cidade (lei federal nº 10.257/2001), que regula a operação e prevê a realização de audiências públicas e de estudo de impacto de vizinhança nos lugares receptores de área, antes de o instrumento ser formalizado. Alega ainda que a proposição fere tanto o Plano Diretor em vigor (de 2011), como o em discussão pelo Legislativo, que definem as regiões norte e central como prioritárias para o adensamento.

— Sou a favor da flexibilização de padrões urbanísticos. Mas o assunto tem que ser discutido no lugar correto, que é na revisão do Plano Diretor ou do Plano Lúcio Costa (plano de urbanização da Baixada de Jacarepaguá). Agora, dar potencial construtivo a quem tem um terreno em Inhoaíba, boa parte dele invadido, é uma distorção — reclama o vereador.

Vista geral do parque projetado pelo município em Inhoaíba — Foto: Divulgação

Terreno: valores muito divergentes

O terreno destinado ao parque pertence à Associação da Igreja Metodista, que assinou uma escritura de promessa de compra e venda, por R$ 5,6 milhões, para a Dala Participações S/A. Ocorre que a memória de cálculo do projeto, apresentada pela prefeitura aos vereadores, durante reunião, atesta que o valor nominal do terreno é de R$ 459 milhões. O secretário municipal de Coordenação Governamental, Jorge Arraes, porém, afirma que não é correto comparar os dois valores:

— O que se fez foi um estudo econômico com uma precificação desse terreno para estabelecer qual a área que poderia ser transferida. Não se trabalha com avaliação patrimonial do terreno e, sim, com o valor econômico, como se ali tivesse sendo desenvolvido um empreendimento imobiliário hipotético — justifica Arraes, acrescentando que não pode se manifestar sobre o acerto feito entre a igreja a Dalas por se tratar de uma negociação entre entes privados.

A mesma memória de cálculo estabelece que, do total do terreno, 783,6 mil metros quadrados têm potencial construtivo. O restante é de preservação, está ocupado ou invadido. E o metro quadrado médio de edificação no local foi avaliado pelo município em R$ 4.650.

— Esse valor está superestimado. Conforme o site da prefeitura, na média das transações pelo ITBI o metro quadrado em Inhoaíba é de R$ 2.200 — contesta Duarte.

Como se tratam de regiões distintas, nos lugares receptores o projeto prevê um acréscimo 148,8 mil metros quadrados em área, seja por gabarito, total de construção ou parcela de ocupação do terreno. É permitido comprar do detentor do benefício até metade dos 148,8 mil metros quadrados para usar em um único trecho. Além da Barra — exclui pontos onde só podem ser erguidas residências unifamiliares —, o projeto inclui fatias de Jacarepaguá, Itanhangá, Recreio e lindeiras ao BRT Transcarioca.

Presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara, Tainá de Paula (PT) lembra que, em 2013, chegou a ser aprovada uma operação semelhante, que permitiu implantar o Parque Parque Natural Municipal da Barra da Tijuca Nelson Mandela. Em três lotes do mesmo trecho incluído no novo projeto, foi autorizado aumentar o gabarito em dois pavimentos (agora, são quatro), sendo que parte do benefício ainda não foi utilizado. Tainá esclarece, porém, que as duas operações (a em vigor e a em discussão) não podem se somar. Ou seja, um eventual comprador teria que escolher entre construir mais dois ou mais quatro andares, além dos dois fixados pelo gabarito.

– Entendo que, como existe essa lei anterior, o novo projeto está calcado na legislação. Mas considero não ser de bom tom, quase antiético, ter uma operação urbana no meio de uma discussão de um outro Plano Diretor — ressalta Tainá.

A vereadora também cita fragilidades do projeto, como a situação fundiária do terreno do parque, além da falta de estudo de impacto de vizinhança e de justificativas técnicas para a escolha dos locais que vão agregar potencial construtivo. Ela apresentou emendas para retirar alguns trechos, como o do Itanhangá e o do Parque dos Atletas, de solo frágil. Está propondo ainda que sejam regularizadas cerca de duas mil habitações que se encontram no terreno de Inhoaíba e que haja intervenções urbanísticas no entorno do parque.

Local do parque projetado para Inhoaíba — Foto: Divulgação
Projeção de como ficaria a entrada do Parque de Inhoaíba — Foto: Divulgação

‘Quase o dobro do Parque Madureira’

Já o líder do governo, Átila Nunes (PSD), partiu em defesa da operação. E garante que ela não foge aos parâmetros legais:

— Estamos falando de um parque urbano, com projeção de ser quase o dobro do Parque Madureira, numa região carente de área de lazer. Também será preservado um parque natural. Como está hoje, existe um risco grande de haver aumento das invasões. A prefeitura deseja fazer o parque de Inhoaíba e todos os investimentos no entorno, sem necessidade de desapropriação.

O Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU/RJ) também entrou na briga. Divulgou manifesto destacando que o projeto passa ao largo do processo de revisão do Plano Diretor e fere a legislação urbanística em vigor. Coordenadora da Comissão de Política Urbana do CAU/RJ, Rose Campans fala em negligência com o planejamento e a participação social.

— A sociedade está totalmente sem acesso ao estudo. O CAU faz parte do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), e o projeto não passou por nós. Ele não passou sequer pela Secretaria de Planejamento Urbano — reclama.

O parque urbano não ocupará os 1,7 milhão de metros quadrados. A área de visitação prevista é de 240 mil metros quadrados, beirando a Avenida Cesário de Melo, ciclovia e estações de BRT e trem de Inhoaíba. Segundo a prefeitura, beneficiará 430 mil pessoas. Terá palco, nave do conhecimento, chuveiro cascata, quadras esportivas, escola e creche municipais, escada de águas e monumento às vítimas da Covid-19.

Procuradas, a Associação da Igreja Metodista e a Dala Participações S/A não se manifestaram.

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