Piada popular diz que quando se pensa ter chegado ao fundo do poço, há um alçapão e o buraco á ainda mais fundo. Depois da aprovação de duas leis urbanísticas perniciosas para o Rio de Janeiro, volta a famigerada “mais-valerá”, a irmã mais nova da igualmente má “mais-valia”, que há quase oito décadas assola a paisagem e a moral do Planejamento Urbano-Carioca.
Os vereadores, em mais um episódio de “Vale tudo por Dinheiro”, no palco televisivo da Câmara comandado à distância pelo prefeito Eduardo Silvio Santos Paes, em novas canetadas, trouxeram a dita-cuja e outras insanidades para a lista de violações aos índices urbanísticos máximos aprovados pelo Plano Diretor em janeiro último. Infelizmente parece não haver nada a fazer além de enterrar o defunto Planejamento Urbano, que continua a apanhar depois de morto.
Urbe CaRioca
Vereadores aprovam em discussão final lei que regulariza puxadinhos que ainda nem existem; entenda
Segundo o texto, proprietários poderão pagar taxa à prefeitura para construir um andar acima daquele que a legislação permite
Por Luiz Ernesto Magalhães – O Globo
Por 35 votos a sete, a Câmara de Vereadores do Rio aprovou na noite desta quinta-feira, em discussão final, uma nova lei da mais valia. Apelidada de ”mais valerá’, ela autoriza que proprietários de imóveis residenciais e comerciais licenciem empreendimentos com um andar a mais do que o permitido pela legislação municipal em toda a cidade, mediante o pagamento de uma taxa à prefeitura, proporcional à valorização imobiliária. No caso dos bairros da Glória e do Catete, uma emenda deixou em aberto a possibilidade de legalizar mais que um pavimento extra. A versão final, no entanto, estabeleceu que o mecanismo será por tempo determinado.
No texto original, a regularização era por tempo indeterminado. Por iniciativa da vereadora Thainá de Paula (PT), ex-secretária municipal de Meio Ambiente, foi aprovada uma emenda ao ”mais valerá’ que fixa prazo até 1º de dezembro para a apresentação de pedidos de licenciamento. No caso do mecanismo da Mais Valia — que regulariza acréscimos já existentes— , esse prazo será de três anos a partir do momento em que a lei entrar em vigor.
— A proposta é razoável. Oferecemos uma janela para que a cidade volte a preservar e cuidar de suas regras. Em seis meses, o sujeito que é correto, que já estava com projetos em análise na prefeitura, (antes da entrada em vigor do atual Plano Diretor) teria prazo para regularizar seus acréscimos, sem sofrer prejuízos — Thainá.
Na Glória e no Catete, os puxadinhos poderão ter mais que um andar adicional por conta de um artigo da nova lei. Um artigo estabelece que em prédios colados às divisas, que geralmente têm gabaritos mais baixos, serão permitidos acréscimos até a altura do prédio mais alto do existente na quadra. O vereador Pedro Duarte (Novo) acabou derrotado em uma proposta intermediária. Ele defendia que o gabarito fosse limitado à altura média dos prédios vizinhos.
Templos Isentos
Outra emenda aprovada isenta templos religiosos de pagamento de contrapartidas. Um dos autores foi Inaldo Silva (Republicanos), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus , e a colega de partido, Tania Bastos. O argumento usado é que os templos são contemplados com isenção tributária .
Com a proposta, a prefeitura estima arrecadar pelo menos R$ 600 milhões até o fim do ano. Apoiada pelo governo, o projeto, no entanto, é alvo de críticas de especialistas em urbanismo, que entendem que isso vai contra o planejamento urbano e descaracteriza a cidade.
Regras para hotéis
Vários temas do projeto não discutiam Mais Valia. Um deles trata de autorização, mediante o pagamento de contrapartidas, para a conversão de hotéis em prédios residenciais. Mas há exceções. Não será concedida licença se o hotel tiver frente para a orla marítima. No caso da Barra e do Recreio, a restrição se estende aos hotéis localizados em toda a quadra da orla.
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A ex-secretária municipal de Urbanismo, Andrea Redondo, criticou a proposta, aprovada em um projeto que se propõe a regulamentar instrumentos urbanísticos previstos no Plano Diretor . Ela avalia que cabe questionamentos na Justiça.
— Mais uma vez ficou provado que lei urbanística não é aprovada para ser respeitada no Rio. As propostas das equipes de urbanismo são aprovadas e logo depois surgem outras que deturpam o conceito original — disse Andrea.
Governo defende
Ainda durante os debates no primeiro turno, o subsecretário de Desenvolvimento Econômico e Urbanismo, Thiago Dias, defendeu a iniciativa:
— Essa é uma oportunidade para o morador executar seus projetos dentro da lei. Fala-se muito de que a lei vai favorecer moradores das coberturas da cidade. Mas essa proposta não se restringe a essa espécie de acréscimo. A gente tem que levar em conta a realidade da cidade. .O objetivo é dar oportunidades iguais a todos, trazendo para a legalidade o maior número possível de moradores — argumentou.
A sessão durou quase três horas. Um dos motivos foi que o texto recebeu 84 propostas de emendas, que sequer foram publicadas no Diário Oficial da Câmara, o que é permitido pelo regimento da casa. Os vereadores receberam os textos com sugestões de alteração por aplicativo de troca de mensagens por volta das 18 horas. Algumas emendas também reviram parâmetros ou suprimiram artigos e parágrafos inteiros do Plano Diretor.
— O Novo estuda entrar na Justiça contra a tramitação do projeto na sessão. Além das emendas terem sido apresentadas depois que a sessão estava prorrogada, tratou de assuntos que não foram tema do projeto original. Eram assuntos que sequer foram tratados em audiência pública — disse Duarte.
Leis Semelhantes
O Rio já teve outras regras em vigor para o mais valerá. Dispositivo semelhante foi aprovado durante o governo do ex-prefeito Marcelo Crivella (2017-2020) mas os dispositivos foram julgados inconstitucionais pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça. No ano passado, outra lei com o mesmo teor foi aprovada, mas vigorou por apenas por cerca de dez meses, até a entrada em vigor do novo Plano Diretor.
Na prática, o texto deixa em aberto a possibilidade de uma segunda regularização no futuro, com base nas regras da mais valia. Quem construir a mais pelo ”mais valerá”, poderia regularizar puxadinhos que ocupem 100% da fachada original. Na regra geral prevê que aqueles que optarem por pagar a taxa à vista do mais valerá terão 50% de desconto do valor. A cobrança também poderá ser dividida em até 60 vezes.
Na Zona Norte , na Zona Oeste (na região que inclui Guaratiba, Campo Grande e Bangu), Jacarepaguá, Cidade de Deus e Rio das Pedras, há um desconto de 35% no parcelamento em 60 vezes.
O líder do governo, Átila Alexandre Nunes (PSD), disse que o projeto passou por uma ampla discussão tanto nessa proposta quanto em outras propostas urbanísticas:
— Temas urbanísticos demoram para apresentar maturação. No passado, muitos criticaram o Projeto Reviver Centro, que tem sido um sucesso. Outro exemplo é o Porto Maravilha, onde já ocorreram vários lançamentos residenciais
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