Neste artigo publicado originalmente no jornal O Globo, Christian Lynch , cientista político, jurista e historiador, destaca que o Rio de Janeiro, outrora centro político e cultural do país, vê-se novamente diante de um processo de esvaziamento institucional que se arrasta há décadas.
A transferência da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para Brasília é mais um capítulo de uma longa história de perdas que fragilizaram a antiga capital e deslocaram para São Paulo e para o Distrito Federal não apenas órgãos estratégicos, mas também poder econômico e influência política.
O episódio reacende o debate sobre o papel do Rio no pacto federativo e sobre a necessidade de políticas que resgatem sua condição singular no imaginário e na vida nacional.
Urbe CaRioca
A antiga capital é cada vez mais esvaziada
Com projeto de transferência da Susep, de novo o Rio perde, São Paulo ganha, e Brasília soma um tijolo à hipertrofia administrativa
*Christian Lynch é cientista político, jurista e historiador

O anúncio do governo federal de que pretende transferir a sede da Superintendência de Seguros Privados (Susep) do Rio para Brasília desperta indignação e tédio. Indignação porque, quando a capital foi transferida, o plano de Juscelino Kubitschek era levar apenas a cúpula dos três Poderes, preservando na Guanabara — transformada em cidade-estado — a estrutura federal restante. A Guanabara seguiria como um segundo Distrito Federal.
Esvaziar o Rio foi obra da ditadura, que quis se isolar da sociedade civil no Planalto Central. Os generais aceleraram a saída de ministérios e embaixadas, transferiram bancos e órgãos da administração indireta e, por fim, impuseram a catastrófica fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, contrariando todas as Constituições desde 1891, que impunham a cidade-estado como contrapartida à mudança da capital. Criaram um estado Frankenstein, ingovernável e de joelhos para o governo federal.
Vera Magalhães: O que significa o aceno de rodapé de Trump a Lula?
A transferência de órgãos ligados ao Ministério da Fazenda ilustra a dinâmica do esvaziamento: quando Banco Central, Banco do Brasil e Caixa Econômica saíram, o setor bancário carioca foi enfraquecido em benefício de São Paulo. O fortalecimento paulista retroalimentou a centralização em Brasília. A médio prazo, o mercado financeiro do Rio colapsou, a Bolsa quebrou, e toda a atividade foi absorvida por São Paulo.
Era de esperar que a perseguição terminasse com a redemocratização. No entanto o buraco negro de Brasília continua a arrastar órgãos sediados no Rio. Nunca há interesse público envolvido: trata-se de atender aos dirigentes ansiosos por ficar perto do poder central, fazendo carreira e favorecendo lobbies.
Tédio porque o método é conhecido. Primeiro, abrem-se concursos apenas para Brasília; depois cria-se um braço do órgão na nova capital; por fim, alega-se “racionalização administrativa” para transferir a sede. Assim foi com Ipea, Iphan, Embratur.
Agora a história se repete com a Susep. Pelo que foi apurado, seu dirigente, paulista, aproveita a proximidade com o ministro da Fazenda para ampliar a influência de um grupo de advogados securitários, igualmente paulistas. Promove concursos apenas para São Paulo e Brasília, nenhuma vaga para o Rio. Em seguida, consegue um decreto mudando a sede. O efeito imediato é desarticular o ecossistema securitário carioca, fortalecer seguradoras e advogados paulistas e representar seus interesses no Distrito Federal.
Em suma: de novo o Rio perde, São Paulo ganha, e Brasília soma mais um tijolo à sua hipertrofia administrativa. Por isso é crucial apoiar o projeto de decreto legislativo do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que busca revogar a mudança da sede da Susep e pressionar o governo. Foi resistência assim que impediu Bolsonaro de levar a Ancine para Brasília.
Mas é igualmente necessário enfrentar a raiz do problema. Essa era a finalidade do pedido do prefeito Eduardo Paes para que Lula reconhecesse o Rio como capital honorária do Brasil: recordar a especificidade da cidade. Infelizmente, o governo não apenas recusa esse gesto simbólico, como ainda premia a cidade com mais esvaziamento.
Nesse aspecto, o governo Lula mostra, em relação ao Rio, infelizmente, a mesma postura oriunda da ditadura. Não basta vir ao Rio promover megaeventos e depois desaparecer. É preciso adotar uma política clara de revalorização da cidade como segunda capital, ou capital simbólica. E não se comportar como ex-marido que abandonou a mulher, não lhe paga pensão, usa a casa dela para dar festas a amigos estrangeiros e ainda volta periodicamente para levar embora um tapete, um quadro, um lustre.
É preciso dar um paradeiro nisso.