Neste artigo, publicado originalmente no Diário do Rio, o urbanista William Bittar defende que as propostas feitas pela Prefeitura do Rio para os estádios do Flamengo e do Vasco precisam de diversos estudos detalhados (e divulgados) para assegurar não apenas sua viabilidade arquitetônica, mas principalmente sua inserção na malha de uma cidade com complexos problemas.
Urbe CaRioca
Flamengo e Vasco – Dois estádios, poucos estudos, muita pressa
Por William Bittar
O Clube de Regatas do Flamengo merece um estádio digno de sua grandeza e tradição? Incontestavelmente sim, independente das paixões de outros torcedores. Certamente existe um atraso demasiado nessa iniciativa para implantar uma casa própria para um clube com tal importância que não coube mais no modesto estádio da Gávea, também palco de muitas conquistas e episódios pitorescos.
No entanto, como já registramos em coluna deste jornal publicada em 31 de maio de 2024, trata-se de mais uma proposta eleitoreira, que precisa de diversos estudos detalhados (e divulgados) para assegurar não apenas sua viabilidade arquitetônica, mas principalmente sua inserção na malha de uma cidade com complexos problemas de mobilidade que só se agravam sem soluções viáveis apresentadas pelas secretarias responsáveis.
Basta observar a frustrada iniciativa da Transbrasil, que transformou uma das vias mais importantes da capital fluminense em um grande estacionamento nas horas de pico. A solução apresentada é risível, permitindo a utilização das pistas exclusivas nos horários de pouco movimento, deixando dúvidas sobre a capacidade de seus idealizadores.
Um estádio para 80 mil espectadores, conforme anunciado, implantado num dos mais críticos pontos nodais do trânsito, sem transporte de massa nas imediações (estações mais próximas de trem ou metrô estão a cerca de 2km), pode ser considerado como atitude irresponsável ou incompetente, talvez apenas para angariar votos da grande torcida rubro-negra diante da proximidade das eleições municipais.
Como compensação, para agradar a torcida vascaína, a prefeitura aprova a “modernização” do estádio de São Januário, acenando com grandes intervenções na área circunvizinha. A tradicional capela de Nossa Senhora das Vitórias será esquecida ou escondida nessa avidez pela novidade, preservando apenas a fachada neocolonial principal do conjunto, uma concessão cosmética com pouca fundamentação conceitual sequer apresentada pelos autores de ambos os projetos. Talvez utilizem as justificativas que mutilaram o Maracanã, estádio tombado pela municipalidade e pelo IPHAN.
Em troca, nos deparamos com uma novidade no uso do solo da cidade que pode ser considerada um “estelionato urbanístico” denominado “potencial construtivo”. Tal medida desconsidera parâmetros aprovados permitindo a verticalização de diversas áreas que se destacavam pela horizontalidade, como nossos subúrbios. Os vereadores aprovaram tais medidas, alegando ampla discussão e audiências públicas.
Conservadorismo? Certamente será a crítica imediata dos especuladores imobiliários interessados em construir e construir a qualquer preço em terrenos mais baratos gerando lucros fáceis e imediatos, sem fundamentação teórica sequer em rudimentos do urbanismo.
É clichê afirmar que uma cidade é um organismo vivo. No entanto, mesmo com tanta repetição, este princípio é abandonado quando se aproximam vantagens financeiras.
Cada lote, cada rua, cada bairro apresenta uma dinâmica própria. Precisam de serviços indispensáveis para sua vida diária: água potável, esgoto, energia elétrica, telefonia, gás. Infraestrutura que implica em investimentos altos e muitas obras absolutamente indispensáveis para proporcionar qualidade de vida para seus usuários.
Simplificando o óbvio, que nem sempre é considerado pelos grandes interesses do capital: uma rua com uma dúzia de casas é muito diferente com a implantação de meia dúzia de edifícios multifamiliares, com 14 pavimentos, dez apartamentos por andar, utilizando a mesma rede de água, esgoto, energia elétrica, além da mesma caixa de rua secular que passará a atender centenas de automóveis.
Lembremos que, segundo algumas novas propostas da mesma prefeitura, aprovadas pelos vereadores, nem todos os apartamentos precisarão de vaga na garagem, pois a mobilidade urbana é atendida (?) pela rede de transportes coletivos.
Voltando ao local previsto para o novo estádio do Flamengo, a própria Caixa Econômica Federal contesta, a priori, o valor oferecido pela desapropriação.
Será que a prefeitura agirá como ocorreu para a implantação do Parque Piedade, certamente a ser inaugurado antes das eleições?
Neste caso, também houve a desapropriação com valores contestados pelos proprietários, mesmo assim as obras continuam, com prejuízo diário dos credores da extinta Gama Filho, responsável pelo terreno, numa iniciativa incompreensível.
Para implantação de um equipamento desse porte na região do antigo gasômetro é indispensável a realização de complexos estudos imparciais sobre todos os impactos possíveis no local, incluindo os acessos durante épocas de muita demanda ao terminal rodoviário Novo Rio, que apresenta insolúveis congestionamentos prejudicando até mesmo a circulação de seus ônibus em chegadas e partidas. Como ficará em dias de realização de partidas do Flamengo, que tradicionalmente atraem grande público? A Prefeitura fechará as ruas no entorno, como faz no Maracanã ou Engenhão? E os passageiros da Rodoviária? Como chegarão ou partirão neste intervalo?
E o conjunto tombado do Hospital Frei Antônio, nas imediações, cuja visibilidade será definitivamente comprometida?
Diante do açodamento em apresentar seguidas propostas quando as eleições municipais se aproximam, é recomendável que todos fiquem atentos para suas reais possibilidades de realização. Ou teremos novas transbrasis esperando décadas para suas inaugurações, já comprometidas, por falta de projeções avaliadas diante da real complexidade dos problemas.