Edifício do Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro – Capital Mundial da Arquitetura, de Ivete Farah

Neste excelente artigo, a doutora em Urbanismo, professora e pesquisadora Ivete Farah destaca a importância do Congresso Mundial de Arquitetura, este ano, no Rio de Janeiro, e a oportunidade de discutirmos o estado de paralisação da obra do Museu da Imagem e do Som na Cidade, buscando soluções para alteração deste quadro.

A cidade receberá um equipamento com potencial de se transformar em mais um símbolo arquitetônico e um espaço para a manutenção e divulgação da cultura do país”, afirma.

Vale a leitura !

Urbe CaRioca

Edifício do Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro – Capital  Mundial da Arquitetura

Ivete Farah

Em 2020, o Rio de Janeiro sediará o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, congregando profissionais para a reflexão sobre a cidade do presente e do futuro, a partir de temas relacionados a arquitetura, paisagismo e urbanismo. São esperados mais de 15.000 arquitetos de diversos países.

Em convergência com a definição como sede deste evento, o Rio de Janeiro recebeu o título de primeira Capital Mundial da Arquitetura, designado pela UNESCO e pela UIA – International Union of Architects, instituição organizadora do Congresso. As justificativas para o merecimento do título são sintetizadas na declaração de Sergio Magalhães que destaca a inserção da arquitetura do Rio de Janeiro em paisagem de extrema riqueza de modo pleno, conferindo a esta interação característica bastante peculiar.

Além disto, o arquiteto salienta o fato de que a cidade passou por cinco séculos de produção arquitetônica de excepcional qualidade, reunindo exemplares de importância internacional  (1) .

Neste quadro em que o valor de sua arquitetura é reconhecido e o Rio de Janeiro se torna foco da comunidade arquitetônica, surpreende a deterioração de uma importante edificação antes mesmo de finalizada. A nova sede do MIS – Museu da Imagem e do Som -, localizada na Avenida Atlântica, se concluída, poderia ser mais um exemplo a contribuir para a excelência da paisagem arquitetônica carioca.

Projeto para o MIS. Fonte: concursosdeprojeto.org

Entretanto, desde 2014, a construção paralisada faz com que o investimento até hoje aplicado na obra seja desperdiçado, com riscos de danos aos materiais e à estrutura.

Obra interrompida do MIS. Foto: Ivete Farah, 2016.

Em março de 2019, o edital para retomada das obras foi publicado, anunciando o caminho para sua conclusão. No entanto, segundo informação da Folha de São Paulo (2) , o processo foi interrompido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, alguns dias depois.

O Projeto Arquitetônico

O projeto para o MIS é assinado pelo escritório nova-iorquino DILLER & SCOFIDIO + RENFRO (3)que ganhou o concurso internacional de arquitetura, realizado em 2009, com a intenção de criar um ícone arquitetônico na cidade.

Concorrendo com ótimas propostas de escritórios renomados (4) , o projeto escolhido, quando finalizado, certamente terá grande destaque no contexto urbano, garantindo entrosamento entre arquitetura e paisagem. Os autores vencedores compreenderam a importância da calçada de Copacabana que “captura o elemento-chave da orla – um espaço para o movimento do público, a pé, de bicicleta ou em automóvel” e assim conceberam a obra arquitetônica como uma extensão do boulevard (5) .

inspiração no projeto da Avenida Atlântica, de Roberto Burle Marx – que ali deixou traços de
sua genialidade -, traz para o museu o DNA do renomado paisagista (6) . Mas, acima de tudo, nutre a edificação com ares cariocas, investindo na continuidade da movimentação urbana à beira-mar para o prédio do MIS.

O conceito de “boulevard vertical”, materializado com uma rampa que sobe em zigue-zague pela fachada, desconstrói a ideia dos planos tradicionais da arquitetura, ao romper com os limites entre solo e parede.

Detalhe da rampa e fachada do projeto para o MIS. Fonte: concursosdeprojeto.org

Este detalhe, reforçado pela quebra dos planos da fachada, impõe ao projeto caráter desconstrutivista. A fragmentação estrutural imposta ao edifício, aliada a assimetrias, descontinuidades e negações de regras (7) endossam o seu enquadramento neste movimento.

Inicialmente um método crítico, o Desconstrutivismo coloca em questão o sentido de crise permanente e exposição de contradições (8) , passando a servir como base filosófica para projetos arquitetônicos e paisagísticos. Do edifício, concebido como um instrumento para observar a cidade de uma nova forma, descortina-se uma vista panorâmica da paisagem, normalmente restrita aos residentes e turistas dos hotéis da orla.

Vista da beira-mar a partir de uma edificação da orla de Copacabana. Foto: Ivete Farah.

Atuando como uma espécie de pele arquitetônica, a rampa proporciona um percurso com “enquadramentos estratégicos” que preparam criteriosamente a observação dos visitantes (9) . Assim, a paisagem participa do acervo do museu e a ele se integra como parte fundamental da cultura da cidade, tendo seu valor reconhecido, tratada como obra de arte.

Espaço livre x Espaço construído

A interação entre edifício e espaço livre que o projeto propõe é um de seus maiores trunfos. Situado em frente a um dos mais famosos passeios do mundo, a intenção é que o edifício se engrandeça com a paisagem, alimentando-se com a vitalidade urbana ali presente e ofereça em troca uma infraestrutura icônica, nodal e agregadora.

O modo com que uma arquitetura se relaciona com a paisagem define o espaço urbano e sua qualidade. As fachadas são elementos fundamentais dessa relação. Segundo Bentley et al (10) , um dos pontos que podem auxiliar na qualidade do ambiente urbano, contribuindo para o que chamam de robustez da paisagem, é a troca ativa entre ambientes externos e internos.

Os autores definem como áreas ativas as situadas em edificações que possibilitam estender suas atividades para a área externa ou que estabelecem contato visual com ela, criando interesse para serem observadas.

Neste sentido, vale a pena estabelecer um paralelo entre o MIS e o Centre Georges Pompidou, em Paris, projetado em 1971 pelos arquitetos Richard Rogers e Renzo Piano, também ganhadores de um concurso. Projetado como uma arquitetura única – área livre e construída -, ele é um exemplo bem sucedido desta interação. A alimentação mútua entre o que ocorre na praça, que se estende como uma esplanada à frente da edificação, e o espaço interno é fruto de um projeto arquitetônico integrador, a partir da articulação de planos, volumes e detalhes de fachada.

A praça é concebida como espaço público em sua essência, em continuidade ao hall do museu, atuando como um foyer externo. A integração é reforçada pelo tratamento da fachada, que estabelece um convite à interatividade entre os espaços com a disposição da escada rolante aparente e a varanda generosa da biblioteca.

Centre Georges Pompidou, Paris. Projeto arquitetônico integrado de edifício e praça. Foto: Ivete Farah.

Richard Rogers (11) defende a intenção deste projeto ressaltando a importância dos espaços públicos para a cidadania e a diversidade da vida da cidade e que a arquitetura considerada a partir da interação com estes espaços pode ser transformadora do ambiente urbano.

A similaridade conceitual entre o Centro Georges Pompidou e o MIS aponta para uma interessante relação entre edifícios representantes de momentos arquitetônicos diversos em duas cidades de paisagens únicas – Paris e Rio de Janeiro. São obras exemplares que primaram pela concepção da arquitetura não como um elemento isolado e autista, mas como parte componente e atuante da paisagem da cidade, relacionada a um contexto urbano e a uma dinâmica de espaços livres, compondo um sistema ativo, complexo e integrador.

A realização do Congresso Mundial de Arquitetura no Rio de Janeiro se apresenta como uma oportunidade de discutir o estado de paralisação da obra do MIS na cidade, buscando soluções para alteração deste quadro.

Seria importante a realização de estudos considerando uma revisão de orçamento para a conclusão em condições mínimas de funcionamento, como já ocorreu com outras obras públicas, sem comprometimento do projeto original.

A cidade receberá um equipamento com potencial de se transformar em mais um símbolo arquitetônico e um espaço para a manutenção e divulgação da cultura do país.

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1 MIRANDA, Andre; PONTES, Fernanda (produção). Rio de Janeiro: Capital Mundial da Arquitetura. Rio de Janeiro: Jornal O Globo. (vídeo) Link

2 ANGIOLILLO, Francesca. “Às Vésperas de retomada, obras do MIS carioca empacam de novo”. Folha de São Paulo Online, 22/04/2019. Link

3 Titulares do escritório: Elizabeth Diller, Ricardo Scoficio e Charles Renfro. Algumas de suas obras de destaque são: Blur Bluilding – Expo Internacional 2002 em Yverdon-les-Bains, na Suiça, Institute of Contemporary Art em Boston nos EUA, em associação com Perry Dean Rogers, Alice Tully Hall em Nova York, nos EUA, High Line Park, em associação com James Corner Field Operations, e The Shed, ambos também em Nova York, nos EUA.

4 Outros escritórios que tiveram seus projetos como finalistas do concurso: Bernades + Jacobsen, Daniel Libeskind, Brasil Arquitetura, Isay Weinfeld, Shigeru Ban e Tacoa Arquitetos. Para mais informações, ver Concursosdeprojetos.org. Link 

5 Diller Scofidio + Renfro Index. Museum of Image and Sound. Link

6 Ibid.

7 STOUHI, Dima. O que é Desconstrutivismo. Archdaily. Link

8 SHEEHAN, Jeremiah. “Deconstruction: Crystallising an Attitude”. Architectural Design, 1988. v.58, n o 7- 8. p.21-23.

9 Diller Scofidio + Renfro Index. Link

10 BENTLEY, Ian; ALCOCK, Alan; MURRAIN, Paul; MCGLYNN, Sue; SMITH, Graham. Responsive Environments: a manual for designers. Elsevier/Architectural Press: Oxford, 1985.

11 ROGERS, Richard. Cities For a Small Planet. Faber and Faber: London, 1997.

Comentários:

  1. Ótimo e oportuno artigo Ivete, e devemos aproveitar a proximidade do UIA2020 para destacar o descaso com alguns de nossos “tesouros arquitetônicos” e buscar apoio para sua conclusão ou preservação.

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