No labirinto do Teatro Poeira- e da poeira do teatro, de Marilia Martins

Está em cartaz no Teatro Poeira uma exposição de Bia Lessa. O belo texto da jornalista e professora Marília Martins descreve com singular sensibilidade a exposição “Antes e depois dos espetáculos”, uma “declaração de amor” das idealizadoras do espaço, as atrizes Marieta Severo e Andréa Beltrão, à arte e aos mais de 160 espetáculos e 300 mil espectadores que passaram por lá, com curadoria da multiartista Bia Lessa.

Urbe CaRioca

No labirinto do Teatro Poeira

(e da poeira do teatro)

Marilia Martins 

O percurso da exposição do Teatro Poeira, de Beatriz Lessa , é uma conversa entre a narradora-encenadora e passantes por ali (espectadores transformados em transeuntes curiosos). O percurso é uma coleção de instalações, com diferentes provocações que alteram o olhar de quem passa (ora no alto, ora no chão, ora na parede, ora na estante, ora grande, ora minúsculo) e demandam gestos como abrir a gaveta, olhar por um buraco, ler para além de um véu… Os textos são legendas das imagens, como numa história em quadrinhos… Ou melhor, como numa via crucis medieval, em que se viam as cenas em carroças enfileiradas, num labirinto teatral.

E que história se conta neste percurso? A de uma sucessão de montagens do Teatro Poeira, todas condensadas em imagens? Sim, certamente. Ali está o percurso dos artistas, sobretudo nos diálogos em vídeos, e nas frases dos autores transformadas em chistes. Mas há bem mais do que isto, quando há performances no meio do caminho, e quando a plateia sai da sua tradicional passividade burguesa. Há nesta trilha uma releitura do percurso de Bia Lessa, da conquista de sua voz como narradora-encenadora, que se faz em meio ao dispor de imagens condensadas, e ao vaivém do percurso labiríntico.

Um exemplo? O primeiro amor,  de Samuel Becket, é condensado numa frase do texto, e disposto  dentro de um relicário, o que obriga transeunte a olhar por entre a fresta, interrompe o seu  perambular e pede atenção. É neste momento que o primeiro amor de Beckett se transforma e ganha uma segunda autoria, a de Bia Lessa, e a de quem observa pela fresta, e se defronta com este pensamento por imagens. E então percebe  que, entre as muitas acepções da palavra poeira, está a passagem do tempo e o trabalho da memória.

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