O que não sabemos sobre o negócio imobiliário proposto pela UFRJ, de Sonia Rabello

Neste artigo, publicado originalmente no site “A Sociedade em Busca do seu Direito”, a professora e jurista Sonia Rabello questiona a alegação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre a “necessidade” de aproveitar o seu patrimônio imobiliário na Praia Vermelha para melhorar a sua infraestrutura.

“Quer viabilizar um adensamento mais verticalizado e livre em suas atividades de uso. Por que não usa a legislação urbanística em vigor e parcela, constrói, vende, cede, concede de acordo com a norma vigente? Por que quer uma lei urbanística especial, para chamar de sua?”

Vale a leitura !

Urbe CaRioca

O que não sabemos sobre o negócio imobiliário proposto pela UFRJ

Sonia Rabello

Na última quinta-feira, dia 21 de novembro, foi realizada uma reunião extraordinária do Conselho de Política Urbana – COMPUR – da Cidade do Rio, para apresentação de uma proposta de normatização de duas áreas da Universidade Federal a saber: a área do campus universitário do Fundão, e a área do campus universitário da Praia Vermelha, em Botafogo.

Neste blog vamos nos ater aos aspectos gerais da proposta e, em especial, à parte sobre às propostas relativas à área da Praia Vermelha, com 100 mil m², e, sem dúvida, a mais impactante para a cidade no momento.

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A reunião iniciou-se às 14h45 e terminou às 17h30. E por que isto é importante? Segundo a gerente do projeto na Prefeitura, o assunto vem sendo estudado há cerca de um ano por um grupo interno, em conjunto com um grupo dos interessados da UFRJ.

É evidente que, em menos de três horas, os integrantes do COMPUR viram os 36 slides compactamente apresentados, e houve uma enxurrada de dúvidas por parte de membros do COMPUR e de convidados presentes na reunião. Ressalte-se que no encontro não foi apresentado o projeto de lei, pois ele não se encontrava finalizado (agora, a minuta, não finalizada, encontra-se no site do Prefeitura/COMPUR)

Resumindo as várias colocações dos expositores e as dúvidas e ponderações dos membros do COMPUR:

O grupo da UFRJ apresentou duas justificativas para o projeto:

a) A exigência do Tribunal de Contas da União de dar um uso ao equipamento do ex-Canecão, que se encontra em estágio avançado de deterioração, desde que a universidade o retomou, após 40 anos de lide judicial;

b) Fazer uso do patrimônio “vazio” para contornar o teto de gastos financeiros previsto pelo Governo Federal para todas as universidades federais. (ver mais infos aqui)

Contudo, no que diz respeito à proposta relativa ao uso de parte do imóvel da Praia Vermelha, a universidade não quer simplesmente usar 50% da parte do terreno de 100 mil m², aplicando a legislação vigente para o bairro. A proposta da universidade é fazer uma lei só para si, excetuando a legislação geral do bairro, para permitir um adensamento mais verticalizado e mais livre em suas atividades de uso. Ou seja, não só uso residencial, mas qualquer uso que seja o mais rentável, especialmente comercial e de serviços.

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E quais seriam estes usos ?

Isso não se sabe neste momento, já que os usos seriam estipulados posteriormente, por decreto, a partir do interesse e da viabilidade econômica do empreendedor imobiliário que vier a ganhar a concorrência de exploração do terreno.

A proposta deste uso intensivo da metade do terreno da universidade pública para empreendimentos imobiliários encontra sua justificativa em um estudo de viabilidade econômica que foi contratado via BNDES junto ao “consórcio Fator/Galípolo/Pedrotaddei/VG&P [que] foi o vencedor do pregão. O grupo, liderado pelo Banco Fator S.A., apresentou o melhor lance, no valor de R$ 2,6 milhões. A contratação dos consultores prevê a realização de estudos de modelagem para o uso, por um tempo determinado, de imóveis na Praia Vermelha, Cidade Universitária e no Centro do Rio de Janeiro. (Edital e Anexos para contratação dos serviços)

Viabilização financeira – Esta modelagem do negócio imobiliário é que deve ter inspirado a proposta de modificação da legislação geral do bairro para viabilização financeira de melhor lucratividade no uso dos terrenos universitários. Mas, em nenhum momento foi dado aos membros do COMPUR qualquer acesso às informações e estudos desta modelagem. Foi alegado que, para a sua finalização, eles precisariam da definição dos novos parâmetros urbanísticos.

Ora, ficamos no paradoxo, no caso, de saber quem nasceu primeiro – o ovo ou a galinha. Isto porque se a modelagem é que estaria a indicar a proposta de lei de exceção ao bairro só para uma maior lucratividade econômica para a UFRJ (o ovo), ao mesmo tempo diz-se que esta modelagem justificadora dos novos parâmetros não é apresentada, pois sua conclusão dependeria da viabilização dos novos parâmetros urbanísticos apresentados (a galinha…).

A pergunta que não quer se calar …

Se a universidade acha que o seu terreno (público), com vasta arborização, no coração do já densificado bairro de Botafogo/Urca, está, ao seu ver, injustificadamente sem o aproveitamento imobiliário/econômico máximo, por que ela – universidade – simplesmente não usa a legislação urbanística em vigor e parcela, constrói, vende, cede, concede o que puder, de acordo com a norma vigente, fruto do planejamento geral da cidade? Por que ela quer mais uma “leizinha” urbanística, especial, para chamar de sua? E logo uma universidade! E que universidade…

Registre-se ainda que, evidentemente, nesta reunião não foram apresentados quaisquer indicadores, estudos, diagnósticos ou prognósticos urbanísticos que justificaram a proposta legislativa. Como se somente a alegada (e não demonstrada) situação de penúria financeira da universidade fosse suficiente para se propor alterações específicas na legislação de uso do solo da cidade. Não foram apresentados estudos demográficos de futura ocupação, nem de trânsito, drenagem, saneamento e escoamento de chuvas e impermeabilidade, nem de impactos de vizinhança, ambientais, nem relativos ao patrimônio cultural.

Quanto a este último – o patrimônio cultural – destaque-se que a proposta está na zona de amortecimento do Patrimônio Mundial, e o Comitê Gestor da área não foi ouvido!

Enfim, trata-se de um projeto específico sem qualquer programa urbanístico para área; uma mini operação urbana, travestida de operação interligada!

Passar o trator – Por que então, mesmo sem qualquer estudo, indicador, diagnóstico ou prognóstico urbanístico, falou-se em mandar a proposta para a Câmara Municipal? Só podemos pensar em uma resposta: passar o trator. Dar o assunto por tratado (falsamente) no COMPUR. Fingir que cumpriu a participação.

Ora, esta apresentação preliminar ao COMPUR não cumpre nem mesmo os termos da Moção de Procedimento aprovada na reunião de 23.07.2019 que, para melhorar a qualidade de sua participação no processo de planejamento decidiu:

“Todas as matérias, submetidas ao COMPUR, e que tratem de alteração na legislação urbanística, ou na forma ou conteúdo de implantação das políticas urbanas, especialmente quando as mesmas tiverem por objetivo se materializar em projetos de lei a serem encaminhados pelo Executivo, devem ser objeto de remessa aos seus membros com antecedência necessária para estudos e debates prévios, e acompanhado dos devidos estudos técnicos que justificam a proposta.

Quando as propostas do projeto forem objeto de apresentação em reunião do COMPUR, a matéria deverá então ser objeto de pauta para uma próxima reunião, para que a integridade da proposição, acompanhada dos estudos técnicos que a justificam, possa ser levada ao conhecimento prévio das organizações civis, para as consultas necessárias, e agendamento de debate no COMPUR com as informações estudadas por todos os seus membros.”

Aguarda-se que a proposta legislativa, antes de ser mandada para Câmara, seja objeto de apresentação de indicadores e estudos técnicos que a embasaram, não só ao COMPUR, mas também em audiências públicas, bem como apresentação da modelagem econômica que lhe deu causa.

Seria interessante também que todas estas informações tivessem o parecer prévio dos professores urbanistas da UFRJ, para ver se a mesma se adequa a tudo que ensinam aos seus alunos sobre de cidades mais igualitárias e sustentáveis.

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