Parker

Rio de Janeiro, 05 de julho de 2023.

A Papelaria tem um Café ou o Café tem uma Papelaria, tanto faz. Estão juntos, um sempre me leva ao outro.

Sento-me à mesa ao lado da vitrine. Atrás da transparência, a profusão de cores lembra fogos de artifício sem fogo e barulho. A explosão silenciosa espalha o arco-íris feito de canetas, lápis, papéis e enfeites. No meio do mosaico que vejo em movimento como se através de um caleidoscópio, algo quase sem cor rouba meus olhos. Os reflexos no vidro me confundem. Sim, é ela! Ainda existe! Está quieta, repousa no veludo vestida de preto e dourado à espera de um dono. Sem se mexer me empurra para mais de meio século atrás.

No Curso Primário havia um ano em que passávamos da escrita com lápis para o uso da caneta, uma epifania, quase alforria para a adolescência. À noite meu pai chegou, embrulho na mão, presente com laço de fita: “Para você”. Desfiz o laço e abri com cuidado, sem ver os olhos dele e de minha mãe pregados em mim à espera da reação. Estojo lindo, conjunto completo, um trio. A gordinha era tinteiro; a elegante do meio, esferográfica; a terceira – mais fina -, uma lapiseira. Todas verde-escuro, detalhes cor-de-prata. Todas com meu nome gravado. Perdi a respiração.

Levei o estojo para o colégio depois de ouvir muitas recomendações. Havia orgulho misturado com o medo de perder a preciosidade. Pus a primeira em ação. Que decepção! O que escrevia eu própria borrava de imediato. Claro, canhota que sou, a mão esquerda passava por cima das letras e arrastava o azul-royal lavável para a direita, pintura em vez de escrita.

Depois do choque, a solução. Desentortei a mão, adaptação darwiniana para manter meu presente em uso e sobreviver às piadas dos amiguinhos. Ainda tenho a gorducha e a lapiseira. A esferográfica bateu as asas pela mão de alguém que também por ela se apaixonou. Foi surrupiada.

Ainda ouço – “Curioso, você é canhota e não escreve com a mão torta”. O motivo foi o meu amor pela Parker 61, nascido nos idos de 1962.

Andréa Albuquerque G. Redondo

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