Rio de Janeiro histórico: dez igrejas tombadas que guardam arte, fé e música

O Rio de Janeiro não guarda apenas as paisagens que lhe renderam fama mundial. Em meio ao Centro da cidade, a poucos passos de distância, estão algumas das mais belas igrejas do Brasil, verdadeiros testemunhos de quase quatro séculos de história. Entre talhas douradas, azulejos portugueses, pinturas ilusionistas e esculturas de mestres do período colonial, esses templos são mais do que espaços de fé: são guardiões da memória artística, cultural e política do país.

Visitar essas igrejas é percorrer um roteiro que vai do barroco exuberante ao refinamento do rococó e à sobriedade neoclássica, passando por episódios marcantes como coroações imperiais, milagres populares e manifestações religiosas que moldaram a identidade do Rio. Além da riqueza arquitetônica e das obras de arte, muitos desses espaços oferecem visitas guiadas e concertos, transformando cada parada em uma experiência única de contemplação e aprendizado.

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Igrejas históricas do Rio de Janeiro: um roteiro por dez templos tombados com tesouros artísticos, visitas guiadas e concerto

Dos azulejos do Outeiro da Glória a peças do Mestre Valentim e o Cristo Seráfico da Ordem Terceira da Penitência, saiba onde ver as obras sacras mais importantes da cidade

Por Carolina Torres — O Globo

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Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores é tesouro escondido em meio à Rua do Ouvidor — Foto: Custódio Coimbra/Agência O Globo

As igrejas católicas tiveram papel central na construção de cidades ocidentais, por isso, são peças fundamentais para contar suas histórias — não à toa, figuram no roteiro de quem vai a Minas Gerais ou à Europa, por exemplo. Mas não é preciso ir tão longe. No Rio, há 27 igrejas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), belíssimas, que valem a visita — independentemente da fé de cada um.

— Essas igrejas são parte da nossa História. Foram testemunhas das mudanças estilísticas, culturais, políticas e econômicas do Rio e do Brasil — resume Janaína Ayres, especialista em História da Arte Sacra.

Além de servir de cenário para eventos como as coroações de D. Pedro I e D. Pedro II, os templos também contam a História da arte colonial, com obras de nomes como Mestre Valentim, um dos principais entalhadores e escultores da época, e Manoel da Cunha e Silva, negro escravizado que comprou sua alforria através da arte.

Em meio às estéticas barroca, rococó e neoclássica — caracterizadas, respectivamente, pela exuberância e dramaticidade, pelo refinamento e as cores claras, e pela inspiração greco-romana — as igrejas históricas guardam tesouros e são um convite à contemplação. E a boa notícia é que boa parte delas está a uma curta caminhada de distância uma das outras.

Convento e igreja de Santo Antônio

No alto do Morro de Santo Antônio, no Largo da Carioca, o imponente conjunto arquitetônico abriga a igreja, construída em 1620, o convento e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. Em estilo barroco joanino, o altar-mor esbanja o douramento integral do estilo da época e guarda uma representação clássica do santo, com o Menino Jesus nos braços, uma das poucas peças sacras remanescentes do século XVII no Rio. Curiosidade: o lampião na fachada é o primeiro ponto de iluminação pública da cidade, de 1710. Além de celebrar missas, o espaço recebe eventos culturais, como o Música e Arte no Convento, série de concertos gratuitos mensais. O próximo é dia 20 de setembro, às 11h, com a Orquestra Maré do Amanhã (retirada de ingressos via Sympla; doações de 1kg de alimento são incentivadas). Largo da Carioca 5, Centro. Seg a sex, das 9h às 17h.

Igreja da Ordem Terceira de S. Francisco da Penitência/Museu Sacro Franciscano

Quem vê a fachada simples, branca, sem torres ou sineiras, não imagina a riqueza do interior do templo, um dos exemplos máximos do barroco brasileiro. Entalhada entre 1726 e 1740 pelos portugueses Manuel e Francisco Xavier de Brito — este último grande influência de Aleijadinho —, a nave dourada deslumbra o visitante. Entre os tesouros estão a imagem do Cristo Seráfico no retábulo central, e as pinturas em perspectiva ilusionista de Caetano da Costa Coelho, as primeiras do tipo no Brasil colonial, que dão sensação de profundidade ao forro. Transformada em Museu Sacro por sua singularidade, é a única igreja com entrada paga. Numa sala ao lado da nave, há ainda imagens da extinta Procissão das Cinzas, que marcaram a visita de Debret ao Rio no século XIX, e pinturas de grandes dimensões do Imperador Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina.

Toda segunda terça-feira do mês, há visitas guiadas (R$ 50). Na próxima quarta, o Museu comemora 92 anos com missa (15h), visitação e palestras. O espaço também abriga eventos culturais, como apresentação dos Canarinhos de Petrópolis (dia 25, às 13h30) e o concerto do português Pedro Albuquerque (10 de novembro, às 17h, R$ 128, via Sympla). Largo da Carioca 5, Centro. Seg a sex, das 9h às 17h. R$ 20.

Igreja da Ordem Terceira de S. Francisco de Paula

O estilo rococó da época de sua construção se mistura ao neoclássico do século XIX, quando uma reforma empreendida pelo entalhador Antônio de Pádua e Castro mudou muito seu interior. Dentre os elementos setecentistas preservados, o destaque é a capela do Noviciado, talhada por Mestre Valentim — a quem também se atribui o entalhamento original do altar-mor e da capela-mor, em madeira — e com pinturas de Manoel da Cunha e Silva. Vale a pena prestar atenção nas 13 peças de arte sacra exibidas no caminho até o Noviciado, que compõem “A paixão de Cristo”. Largo de São Francisco de Paula s/nº, Centro. Seg a sex, das 8h às 16h30.

Igreja de Nossa Senhora da Candelária

Fundada em 1630 pelo espanhol Antônio Martins da Palma e sua esposa, Leonor Gonçalves, como uma promessa por terem sobrevivido a uma tempestade em alto-mar, a Candelária como a conhecemos hoje foi inaugurada em 1898, após uma reconstrução total do templo iniciada em 1775 — há 250 anos. Antes da conclusão da obra, uma missa com a presença de D. João, em 1811, inaugurou parte da igreja. Com estilo pombalino, a fachada merece atenção. Nas portas entalhadas em bronze pelo português Antônio Teixeira Lopes, estão imagens de Virgem Maria com o Menino Jesus e do Divino Espírito Santo. No interior, com forte influência neoclássica, são destaque as pinturas de João Zeferino da Costa no teto da nave, da capela-mor e da cúpula. A igreja tem também um Museu de Arte Sacra e promove o Projeto Candelária, com concertos gratuitos. Em outubro, há recitais da Orquestra Sinfônica Jovem do RJ (dia 8, às 18h), e da Orquestra Petrobras Sinfônica (dia 29, às 18h). Praça Pio X. Diariamente, das 7h30 às 11h45, e das 13h30 às 16h.

Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro

Com a Baía de Guanabara como testemunha, a igreja se destaca por uma peculiaridade de sua arquitetura: é a única do Rio com planta poligonal, composta de dois octógonos alongados. Além disso, o interior não tem pinturas, apenas talhas, com douramento só no altar-mor, e azulejos cobrem a parte inferior das paredes. Sobre estes últimos, vale destacar: as peças compõem um dos maiores conjuntos da cidade e foram encomendadas sob medida ao português Valentim de Almeida. Após a chegada da Corte ao Rio, a igreja se tornou favorita da Família Real, que passou a ser devota de Nossa Senhora da Glória. Ladeira da Glória 135. Seg a sex, das 8h às 12h, e das 13h às 17h. Sáb e dom, das 8h às 13h.

Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores

Localizada em meio aos bares da Rua do Ouvidor, mescla o estilo barroco do século XVIII ao rococó dos anos 1860, quando foi ampliada — dualidade perceptível nas colunas do retábulo do altar-mor, que tem um par de torsas, que remetem à dramaticidade do barroco, e outro de retas, exemplo da sobriedade e elegância do rococó. A igreja também é conhecida pelo “milagre da Rua do Ouvidor”. Em 1893, uma bala de canhão disparada durante a Revolta da Armada atingiu o local, destruindo uma das torres e derrubando a imagem de Nossa Senhora da Fé, que perdeu apenas dois dedos.

A igreja abriga um pequeno museu e realiza missas com órgão e voz às quartas (às 12h15). Aos sábados e domingos, no mesmo horário, há missas solenes no estilo do século XIX, em latim com coral e orquestra. A dica é aproveitar o passeio durante o Evento Histórico do restaurante Sobrado da Cidade (todo segundo final de semana do mês, das 9h30 às 13h30; R$ 250 para moradores do Rio), que convida o público para um banquete colonial inspirado no século XIX e um tour guiado pelos arredores do Centro antes da missa. Rua do Ouvidor 35, Centro. Seg e qua a sex, das 9h às 18h; sáb, das 9h às 17h; ter e dom, das 9h às 16h.

Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé

Mesmo quem nunca visitou a Antiga Sé já deve ter visto um pouco da igreja nas aulas de História — foi lá que Debret registrou a coroação de D. Pedro I, e que Manuel José de Araújo Porto-Alegre pintou a de D. Pedro II. Ocupada por frades carmelitas em 1590, a construção ganhou novas características após virar Capela Real, em 1808. Uma das torres sineiras, por exemplo, foi erguida para a aclamação de D. João VI como Rei, em 1816. De estilo rococó, a talha foi assinada por Inácio Ferreira Pinto, contemporâneo de Mestre Valentim. No forro, a pintura de José de Oliveira Rosa é classificada pelo Iphan como uma das mais representativas deste estilo na cidade. Visite também os sítios arqueológicos, que mostram vestígios da arquitetura original do templo e da paliçada, estrutura que protegia a cidade no século XVI. No subsolo, estão ainda os restos mortais de Pedro Álvares Cabral. Rua Primeiro de Março s/nº. Visitação à nave: seg a sex, das 7h às 16h. Visitação a todo conjunto arquitetônico: sáb, das 9h às 13h (exceto se houver casamento).

Igreja de Nossa Sra. do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos

Inaugurada em 1725, foi criada pela primeira irmandade de homens pretos e pardos do país. O templo, que na ocasião era a catedral do Rio, foi o primeiro visitado por D. João e a Família Real após a chegada ao Brasil. A partir de 1821, ali funcionou a Câmara Municipal do Rio, de onde saíram as oito mil assinaturas pedindo que D. Pedro I ficasse no Brasil. Além disso, é lá que está enterrado o Mestre Valentim. Reaberta em 2021 após anos de interdição por más condições, abriga o Museu do Negro, fechado para reformas. Nas últimas quintas-feiras do mês, a igreja recebe concertos da Escola de Música da UFRJ. Rua Uruguaiana 77, Centro. Seg, qua e sex, das 8h às 17h. Qui, das 8h às 16h.

Mosteiro de São Bento

Assim como na maioria das igrejas do barroco luso-brasileiro, a sobriedade da fachada em estilo chão contrasta com o interior repleto de detalhes e entalhamento em ouro. Construído durante mais de cem anos, entre 1633 e 1798, o templo reúne características maneiristas, barrocas e do rococó, presentes, respectivamente: na pintura da abóbada da nave, que imita diferentes texturas de mármore; no entalhamento dourado e na pintura do forro, de autoria do frei Ricardo do Pilar; e no retábulo de colunas torsas da parede do fundo, com um monumento da padroeira da igreja, a Virgem de Montesserrate. Atenção aos lampadários de prata atribuídos ao Mestre Valentim. Em meio a este rico acervo de arte colonial, acontecem missas com canto gregoriano de segunda a sábado, às 7h15 e às 18h, e aos domingos, com maior solenidade, às 10h e às 17h30. Rua Dom Gerardo 68, Centro. Diariamente, das 6h30 às 18h30.

Santuário Arquidiocesano de Santa Rita

Primeiro santuário em homenagem à Santa Rita fora da Itália, a igreja foi uma das primeiras do estilo rococó no Brasil, talhada entre 1753 e 1759 seguindo a estética delicada e em tonalidades claras do movimento artístico. Sua decoração teve enorme influência em outros templos cariocas, como Outeiro da Glória e a Lapa dos Mercadores. Apesar de, como muitas outras igrejas cariocas, ter sofrido alterações significativas durante o século XIX, o espaço histórico ainda guarda tesouros originais, como o lavabo português da sacristia. Largo de Santa Rita s/nº, Centro. Seg a sex, das 6h30 às 18h30. Sáb e dom, das 7h às 12h. Visitas guiadas: qua, das 9h às 12h; sex, das 8h às 12h e das 13h às 17h.

Passeios mediados

Para quem quer saber mais detalhes sobre a história escondida nas igrejas, o ideal é fazer um passeio mediado. Uma outra opção é conferir, no site do Iphan, os três volumes do guia “Roteiros do Patrimônio – Barroco e Rococó nas igrejas do Rio de Janeiro” destrincham a história e a arquitetura das principais igrejas da cidade.

Visitas mediadas gratuitas. O projeto de extensão da Unirio Igrejas Históricas no RJ, coordenado pela professora Márcia Valéria T. Rosa, oferece visitas mediadas em várias igrejas do Centro, como Antiga Sé e Candelária, de segunda a sexta. Os passeios são guiados por alunos de graduação e acontecem em diversos horários, divulgados via Instagram (@igrejashistoricasriodejaneiro).

Tours pagos. Diversos guias oferecem passeios pelas igrejas coloniais do Centro. Na Agência Rioclássica de Cultura e Turismo (@rioclassica, no Instagram), a especialista em Rio antigo Fernanda Duarte promove passeios com roteiro variável, sempre por cinco igrejas, com direito a música lírica e sacra interpretada ao vivo. As próximas datas já estão marcadas (20 de setembro e 18 de outubro), com ingressos a partir de R$ 99. Outra opção são os passeios privativos de Luiz de Aquino (@aqui.no.rio), que oferece um tour personalizável para até seis pessoas, desde R$ 110 a hora. O guia e professor de história Marcão (@guiadeturismomarcaorj) faz passeios por a partir de R$ 450, com carro, para até 4 pessoas.

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