Seis perguntas para Celso Rayol: arquiteto descobre novo talento na quarentena

Nesta entrevista, Celso Rayol, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura do Rio de Janeiro (AsBEA-RJ), detalha o seu processo de inspiração ao criar o “Diário de uma Quarentena”, com charges sobre o novo tempo de isolamento social, retratando com humor o “novo” cotidiano da sociedade, além de sua percepção sobre a Arquitetura pós-pandemia.

Os desenhos de Celso Rayol são divulgados semanalmente, neste site, sempre aos domingos

Urbe CaRioca

Seis perguntas para Celso Rayol: arquiteto descobre novo talento na quarentena

Entrevista publicada originalmente no site lulacerda.ig.com.br

O arquiteto e urbanista carioca Celso Rayol, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), no Rio, e sócio da Cité Arquitetura, encontrou, em charges bem-humoradas, uma forma de passar pela pandemia. Desde meados de março, ele cria desenhos inspirados no cotidiano do isolamento social, tanto seu quanto dos amigos;  afinal, atualmente todos têm em comum o confinamento. O arquiteto mora na Lagoa, com Luiz Eduardo, de 22 anos, e Mariana, de 16, filhos que teve com a arquiteta Cláudia Miranda, que morreu há seis anos, com câncer de mama. “A divisão é muito bem-feita — cada um com suas tarefas, mas sempre nos encontramos na cozinha, porque nós três gostamos de cozinhar, e eu namoro uma chef natural (Carolyna Vaz), que sempre diz que temos que descascar mais e abrir menos (latas, pacotes etc.). O ponto de encontro é sempre a cozinha. A dinâmica é a colaboração”, diz.

Os desenhos são coloridos, alto-astral, segundo ele, para “descomprimir” a quarentena. A vocação vem desde a infância, reproduzindo cidades e elementos relacionados ao universo da casa, entre objetos e pessoas que habitariam esses espaços — é notório que nem todo arquiteto sabe desenhar à mão livre, apenas usar programas de computador moderníssimos e específicos para a área. Rayol chegou a fazer aula com José Bechara, no Parque Lage, e trabalhar no ateliê de Daniel Senise.

1 – Como surgiu a ideia dos desenhos?  
Estou me divertindo. Isso é o mais bacana porque preciso colocar a mente para funcionar, e as pessoas estão precisando de bom humor neste momento de pandemia. Sou arquiteto, mas sempre tive paixão por arte. Desde pequeno, eu desenho, e é o momento da válvula de escape. E isso acabou me levando ao Parque Lage; cheguei a vender em galeria, mas nunca foi meu ponto forte. Desenhar me abriu caminhos e me levou a ser professor da PUC (Arquitetura e Design de Produto), onde dou aula de desenho. Sempre tive esse temperamento de buscar a arte e o desenho como inspiração, porque sempre me acalmava muito. Quando me vi nesse trabalho em quarentena, isso me veio imediato. E o bom humor e a positividade sempre me acompanharam. Então, comecei a entender as dinâmicas da casa e, rindo com meus filhos, imaginava a dificuldade de a gente lavar as louças, tirar a poeira da casa etc. Conversando com os amigos, percebia que o aprendizado era igual. Comecei a postar nas redes sociais, as pessoas adoraram e fiquei motivado. Com isso, lá se foram 64 dias.

2 – O processo toma muito o seu tempo?  
É um processo fácil porque esses traços já acompanham o meu trabalho. Mas tinha uma particularidade: eu queria que o desenho fosse leve, com cores suaves, que passasse uma mensagem de pausa, para rir um pouco, com humor, para manter a gente em equilíbrio, porque de pesado basta o que estamos passando. Também peguei nomes antigos, como Adalgisa, Adamastor, de quando trabalhei no Nordeste. Achei que esses nomes, fortes e misturados,  seriam interessantes. Minha mãe, que é professora de Português, me ajuda com os textos.

3 – Tem muito da arquitetura ali nos desenhos. É proposital?  
Um ponto crucial é a interpretação de espaços. Acho que nunca falamos tanto de arquitetura. Estamos vivenciando as escolhas erradas que fizemos, tanto pessoal como coletivamente, no caso de espaços públicos do Rio. Por exemplo, aquelas pessoas que fecharam as varandas de seus apartamentos e agora queriam usar aquele espaço para tomar sol, ficar no ventinho; e teve gente que construiu 90% de uma cobertura, sem deixar espaços abertos; ou quem pintou a casa em tom muito escuro e se sente mais confinada ainda; ou uma rua mal planejada. Ou seja, a ideia foi misturar um pouco do bom humor, tornar a pausa da descompressão e fazer pensar. São várias coisas entre arquitetura e o cotidiano.

4 – Que tal o retorno?  
O retorno ainda não sei, mas vários amigos dizem que tenho que fazer um livro. A proposta é mesmo a diversão, minha e dos outros — um ato generoso para ajudar neste momento.

5 – Acredita que arquitetura vai mudar pós-pandemia?
Acredito que o mercado imobiliário sofreu um pouco menos, mas pode ser cedo para falar, porque a conta pode vir mais tarde. Claro que projetos de lojas, principalmente de interiores, deram uma parada porque as pessoas não podem receber em casa, e os estabelecimentos também estão parados. O escritório tem funcionado de uma forma bem bacana,  através do online e é uma maneira de estar até mais presente do que viver tanto em reunião e deslocamentos — agora estamos pontuais, o que o carioca nunca tinha experimentado antes, porque sempre se atrasava para uma reunião por causa do trânsito. Os alunos da PUC também estão adorando as aulas virtuais, que ocupam a cabeça. Acho que devemos manter algumas reuniões quando vier o “novo normal” e, principalmente, os trabalhos fora do Rio. A gente viu que dá certo e desmistificou muita coisa.

6 – E o comportamento das pessoas quanto à arquitetura?  
Acho que estamos criando críticos; isso é bacana. Muitas vezes, reclamamos da qualidade da arquitetura, da cidade, mas não acompanhamos a construção. Com a vivência dentro de casa, a pessoa vai poder escolher um prédio, por exemplo, conforme a posição do nascer do sol, se voltado para o norte ou sul, ou seja, as pessoas vão ficar mais críticas e exigentes e  valorizar os espaços públicos. Está todo mundo querendo voltar às praias, e acredito que elas vão fazer isso de forma mais disciplinada. Tem um grande aprendizado nisso tudo. Estou conversando com nossos associados, e temos grandes fontes de inspiração dessas reflexões sobre a casa e arquitetura que vão ser muito boas para o futuro. Estamos vendo movimentos solidários bem bacanas; a solução de público e privado funciona, não se pode esperar uma coisa só de um lado. Tenho tentado passar por isso mais tranquilamente e, também, ajudar as pessoas no que eu posso.

Confira algumas das peças criadas :

 

Confira ainda:

Diário da Quarentena :

Junho /2020 semana III

Junho /2020 semana II

Junho /2020 semana I

Maio /2020 semana IV

Maio /2020 semana III

Maio /2020 semana II

 

 

    1. Agradecemos pela entrevista, Dani ! O espaço está disponível para futuras publicações.

      Andrea Redondo e Marcelo Copelli

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