‘É simples, mas muda vidas’, por Sérgio Magalhães

Neste artigo, publicado originalmente no jornal O Globo, o arquiteto Sérgio Magalhães descreve a transformação urbana de Medellín, e revela um paradoxo fundamental do nosso tempo: diante de desafios sociais e ambientais tão complexos, ainda é possível que soluções simples — quando enraizadas em políticas públicas consistentes e inclusivas — provoquem mudanças profundas.

O exemplo colombiano demonstra que urbanismo, quando voltado à integração social e à valorização dos territórios populares, pode reduzir violência, desigualdade e exclusão. No Brasil, onde 85% da população vive em cidades marcadas por contrastes gritantes, a lição é clara: o futuro da nação depende da capacidade de reinventar suas metrópoles.

Urbe CaRioca

‘É simples, mas muda vidas’

As cidades são nosso maior patrimônio material e também nosso principal desafio socioambiental e civilizatório

Por Sérgio Magalhães – O Globo

Link original

Centro do Rio — Foto: Lucas Tavares / Agência O Globo

O título acima é uma afirmação do antropólogo colombiano Santiago Uribe, a propósito da experiência de sua cidade, Medellín, em programas de urbanismo inclusivo, dita em recente entrevista a Bolívar Torres, no GLOBO. Em tempos com tantas complexidades, parece duvidoso que algo simples possa mudar vidas. Sabe-se, porém, que, na Colômbia, programas de urbanização de favelas e qualificação urbana alcançaram redução expressiva da pobreza e da violência. Mas será trabalho simples?

Abrigando 85% dos brasileiros, as cidades são nosso maior patrimônio material e também nosso principal desafio socioambiental e civilizatório. A violência, que ocorre em todo o país, vista injustamente como expressão carioca, tem nas cidades seu cerne.

Foi necessário que o crime organizado se evidenciasse nas finanças e na política nacionais para que o Estado parecesse despertar da letargia. Quanto tempo perdido! Quantas vidas! Estão sendo ensaiadas medidas para atacar os sintomas da crise, o que é necessário. Mas e para as causas do quadro?

Medidas setoriais, na Justiça e na polícia, se desarticuladas de políticas urbanísticas e sociais, não alcançarão bom resultado. São insuficientes. Vale o exemplo da economia. São essenciais as diversas escalas empresariais, da micro à macro, que dependem da boa cidade para prosperar e para que o desenvolvimento seja mais que o crescimento do PIB. Não há bala de prata, como alguns creem. Aliás, expressão pouco adequada, porque sugere a ideia de que as coisas se ajustam pelas armas.

As desigualdades intraurbanas que se manifestam na moradia precária, na escassez dos serviços e na dominação territorial bandida são fatores de exclusão social e barreiras ao desenvolvimento. Veja-se o caso da mobilidade. O tempo médio nos deslocamentos diários nas grandes cidades chega a duas horas, mas, nas regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo, para um quarto dos viajantes, a média beira quatro horas. É escandaloso!

O filósofo francês Edgar Morin, aos 104 anos, publica desabafo sobre a questão urbana planetária. Chama a atenção para causas, entre as quais inclui os dogmas do Estado mínimo, a competição exacerbada e o abandono da solidariedade. Propõe uma “política de civilização urbana” que contemple a governança da complexidade urbana.

Santiago Uribe, na entrevista ao GLOBO, defendeu o urbanismo inclusivo inspirado no carioca Favela-Bairro, afirmando:

— Vocês foram os primeiros que, nos anos 1990, olharam para a periferia com a intenção de fazer uma revolução urbana. O problema é que essas políticas não tiveram continuidade.

E acrescentou:

— Em Medellín, o melhor capital político é terminar o projeto deixado por outro prefeito, mesmo de oposição.

Lembre que, naquela década, com os programas urbanísticos dos governos Cesar Maia e Luiz Paulo Conde, o Rio obteve expressiva queda nos índices de violência e melhores índices econômicos.

A proposta de Morin nos sugere tratar a complexidade sem simplificação. O alerta de Uribe nos incita a debater por que as políticas públicas não são articuladas territorialmente e sofrem reiteradas descontinuidades, ainda que bem-sucedidas.

Reconheçamos que a tarefa de democratizar não é fácil. São muitas as barreiras quando estamos envoltos no individualismo e no isolamento. Mas é necessário insistir. Diria que não é tão simples assim. Mas muda vidas.

*Sérgio Magalhães é arquiteto e urbanista

Leia também:

Apagão deve acender alerta em Brasília

Autoridades precisam sentir na pele o caos no transporte

Compartilhar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *