A saga do novo autódromo continua

Em continuidade aos vários posts publicados neste blog sobre a questão da possível construção de um autódromo na Floresta do Camboatá, na Zona Oeste do Rio, em uma importante área de Mata Atlântica, e questionada por vários segmentos da sociedade, temos a notícia publicada no Jornal “O Globo” desta segunda-feira, dia 28 de janeiro.

A matéria relata a previsão de licitação pela Prefeitura do Rio para a concessão da área e a construção do novo autódromo da cidade. Segundo a minuta de contrato publicada no Diário Oficial do dia 14 de dezembro do ano passado, a abertura dos envelopes será feita às 10h30 da próxima quinta-feira, dia 31, na Comissão de Licitação da Casa Civil.

Novamente, ratificamos a incoerência dos gestores públicos que, após demolirem, sob protestos, o Autódromo Nelson Piquet, em Jacarepaguá, e mesmo tendo outras áreas públicas sem uso na cidade, já correm “a passos acelerados” para a construção do novo autódromo em uma região onde ambientalistas defendem a construção do Parque Natural Municipal de Camboatá.

Urbe CaRioca

Prefeitura fará concessão de autódromo em Deodoro

O Globo – 28 de janeiro de 2019

Floresta do Camboatá (Crédito: Brenno Carvalho)

Lucas Altino

Há sete anos, Floresta do Camboatá vem sendo apontada como o destino para o novo local. Ambientalistas e moradores da região ligaram seus alertas

Uma área verde de 1,6 milhão de metros quadrados — três vezes o tamanho do Jardim Botânico — está no centro de uma disputa envolvendo poder público, representantes do automobilismo e ambientalistas. Desde 2010, a Floresta do Camboatá, em Deodoro, vem sendo apontada como destino do novo autódromo internacional da cidade. No ano passado, a Prefeitura retomou o projeto, quando abriu uma concorrência pública e incluiu a obra no programa de parcerias público-privadas (PPPs) para 2019. Apesar da pressão contra o empreendimento e em meio a uma grave crise financeira, o município prevê lançar a licitação esta semana.

A Prefeitura quer fazer uma concessão com investimentos exclusivamente privados. Para isso, a área, que pertencia ao Exército, foi repassada, em dezembro passado, ao então Ministério do Esporte, que ficou de fazer a transferência para o município. Pelo acordo, o ministério pagou R$ 69,5 milhões para a readequação dos quartéis que havia no terreno. A empresa que vencer a concorrência poderá explorar o espaço por 35 anos, e a previsão é que a obra (estimada em R$ 850 milhões no estudo inicial, mas orçada em R$ 697,4 milhões no último edital) seja concluída até 2020.


A realização da licitação foi definida após a empresa Crown Consulting entregar um projeto que prevê uma pista de 5.835 metros, uma arquibancada para 20.500 pessoas e a possibilidade de assentos temporários, que aumentariam a capacidade para 78 mil, atendendo aos parâmetros internacionais. Recentemente, o governador Wilson Witzel deu uma declaração afirmando que dará apoio para que o Rio volte a receber etapas de Fórmula 1. Procurada, porém, a Secretaria estadual de Esportes e Lazer não se manifestou.

Crítica de moradores

Um novo autódromo vem sendo cobrado por representantes do automobilismo desde que o antigo, em Jacarepaguá, foi desativado para dar lugar ao Parque Olímpico. Em 2008, União, Prefeitura, Comitê Olímpico Brasileiro e Confederação Brasileira de Automobilismo assinaram um convênio para que um circuito fosse feito na cidade. O olhar do poder público se voltou para a Floresta do Camboatá em 2010, quando a Lei Complementar 108 autorizou a obra em Deodoro. Paralelamente, ambientalistas e moradores da região ligaram seus alertas, e deu-se início a uma disputa judicial. O ex-prefeito Eduardo Paes chegou a encomendar um projeto, mas uma liminar suspendeu o licenciamento da obra. Na época, o Ministério Público requereu um relatório do Instituto Jardim Botânico, que atestou a relevância ambiental da área.

— A gente não é contra o autódromo, mas contra o equipamento em cima de floresta. O relatório mostrou que há tipos de solo específicos, que só existem ali, e espécies ameaçadas de extinção. Foi sugerida a região do Gericinó como alternativa, numa área maior já desmatada — explicou Luiz Cândido, morador da região e membro do movimento SOS Floresta do Camboatá.

O relatório do Jardim Botânico identificou resquícios de Mata Atlântica e espécies raras e ameaçadas, principalmente de plantas como o jacarandá-da-bahia. Entre os animais, estão cachorros do mato, tamanduás, macacos-prego e jacus. Na época, os pesquisadores concluíram que o ideal seria a transformação da floresta em parque, conciliando a conservação e o uso para lazer.

Em setembro do ano passado, a Justiça deu ganho à ação movida pelo Ministério Público e determinou que o projeto na floresta só pode ser feito após a realização do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), que custaria cerca de R$ 24 milhões. Na opinião do engenheiro Abílio Tozini, coordenador da Comissão de Meio Ambiente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) e membro do Conselho municipal do Meio Ambiente, a Justiça ficou convencida de que a área é um “tesouro” que merece ser conservado. Para ele, um EIA-Rima indicará a inviabilidade do projeto:

— O município está atropelando a decisão judicial. Quando você contrata uma PPP, traz expectativa de direito à empresa. Quem vai indenizar o privado, caso o EIA-Rima mostre que não é possível ter autódromo?

Do outro lado, há contestação sobre a relevância ambiental do espaço. O novo estudo entregue à Prefeitura, que embasa a licitação atual, afirma que não há mais vegetação original nativa no local, e que ações compensatórias possibilitariam a obra. A falta de infraestrutura, inclusive de segurança — a floresta é cercada por favelas dominadas por milícia e tráfico —, também não é vista como entrave para apoiadores do projeto. Para Djalma Neves, presidente da Federação de Automobilismo do Rio, a expectativa é que a área seja revitalizada:

— O local hoje não é bom, mas temos esperança de que vai se transformar. O que importa é que o Rio precisa de um autódromo, até porque é algo que movimenta muito dinheiro e ajuda no turismo.

Explosivos no terreno

Além das ações judiciais, projetos de parlamentares podem impedir a iniciativa. No momento, tramita na Assembleia Legislativa (Alerj) a proposta dos deputados Carlos Minc (PSB) e André Lazaroni (MDB e que não foi reeleito) que determina a anexação da Floresta do Camboatá ao Parque do Mendanha. Já na Câmara Municipal, um projeto de Renato Cinco (PSOL) quer transformar a região em Área de Proteção Ambiental.

Em 1958, paióis com explosivos excedentes da Segunda Guerra Mundial explodiram na região, causando a dispersão dos artefatos por toda a sua extensão. Entre 2013 e 2015, após um aluno da Escola de Sargentos morrer numa detonação, foi feito um trabalho de limpeza que retirou cerca de quatro mil artefatos. Segundo um militar da reserva, apenas 40% do material teriam sido recolhidos. Procurada, a Prefeitura afirma que não há mais explosivos. O Ministério da Cidadania, que hoje abriga o Esporte, deu a mesma versão. Já o Exército informou que já apresentou o resultado da limpeza, sem dar detalhes do trabalho.

“A sugestão de Deodoro foi da União e da Prefeitura. Nós, como órgão técnico, vamos apoiar tudo o que for em prol do automobilismo. O que temos de concreto hoje é esse projeto atual. Da parte ambiental, acreditamos que foi tudo resolvido. A retomada do automobilismo no Rio é fundamental para a cidade, traz muito poder de arrecadação. Se a etapa de Fórmula 1 virá ou não para o Rio, é uma consequência. Não podemos perder essa oportunidade Penso que uma obra assim pode transformar a comunidade do entorno. Vejo muito mais como forma positiva. E o problema de segurança é geral, não específico daquele local”.

‘A área precisa ser preservada’

Abílio Tozini – Engenheiro e membro do Conselho municipal do Meio Ambiente

“Acompanho a questão desde 2012. A Floresta do Camboatá é o único ponto remanescente de grande porte de Mata Atlântica em área plana na cidade. Lá, é possível ter algo ligado a ecoturismo, pesquisa, mas sem ser atividade de grande impacto. Que a volta do autódromo não seja à custa do assassinato da floresta. Acredito que nem os esportistas queiram isso. Estou convencido de que a área precisa ser preservada, vamos trabalhar junto ao MP para ingressar com uma nova ação civil pública pela preservação da unidade. Se houver um Estudo de Impacto Ambiental sério, vai constatar que o autódromo é inviável ali. Os pesquisadores do Jardim Botânico concluíram isso”.

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