ARTIGOS: CRESCER PARA DENTRO, por Sérgio F. Magalhães e RIO EM ÉPOCA DE ELEIÇÕES, por Luiz Fernando Janot




Em 25/9/2012, foi publicado neste espaço o texto A CIDADE CRESCE PARA… GUARATIBA, relato sobre a expansão urbana do Rio de Janeiro a partir da década de 1970 em direção à Zona Oeste, pela Barra da Tijuca. A análise fez analogia com as prováveis consequências de leis urbanísticas incentivadoras da ocupação do solo – via aumento do potencial construtivo dos terrenos -, somadas à facilidade de acesso à região com a abertura do Túnel da Grota Funda, que estão a caminho. 

Na sequência, hoje o Urbe CaRioca reproduz artigos dos importantes arquitetos, urbanistas e professores Sérgio Ferraz Magalhães e Luiz Fernando Janot, publicados originalmente no jornal O Globo de 08/09/2012 e em 15/9/2012, respectivamente.


Entre outros ensinamentos, o primeiro, também divulgado no Blog Cidade Inteira – cidadeinteira.blogspot.com.br – nos diz que “É ilusório achar que se constrói o futuro quando simultaneamente se permite a perda de densidade demográfica nas cidades.

Na visão acurada do autor, o segundo artigo nos demonstra a importância de inúmeros aspectos da vida cotidiana da cidade que precisam ser corrigidos e cuidados coordenada e permanentemente, para que a urbanidade seja alcançada, e o Rio se torne humano e acolhedor.

Boa leitura!
CRESCER PARA DENTRO
Sérgio Ferraz Magalhães
A formação clássica da família,‘casal com filhos’, deixou de ser maioria no Brasil, segundo o IBGE. Hoje, outros tipos de família formam a maioria. São famílias pequenas: casais sem filhos, um genitor e filhos, ou unipessoais.
Qual a influência dessa nova constituição familiar em nossas cidades?
blog espaçoeducar-liza


Na década de 1930, Frank Lloyd Wright, notável arquiteto americano (autor do projeto do Museu Guggenheim, em Nova York), que considerava a vida gregária como escravizadora, concebeu um modelo de cidade onde cada família teria um grande lote, quase meio hectare, para “a formação de uma nação de homens livres e independentes”. Tal “urbanismo naturalista” estimulou o subúrbio norte-americano, de baixa densidade, homogêneo e monofuncional, moldado pelo automóvel – de fato, a anti-cidade. O modelo teve larga repercussão, e também é matriz do hoje conhecido condomínio fechado.

Mas, neste século 21, as cidades se consolidam como lugar do desenvolvimento, do conhecimento e da inovação. A mudança na constituição familiar reflete os avanços sociais, sanitários, culturais, políticos e econômicos que têm a cidade como fonte. Para a nova família, a conexão com os equipamentos e serviços urbanos precisa estar à disposição com maior presteza e intensidade do que se fazia necessário quando a família era extensa. A casa será menor, mas mais equipada, mais bem inserida no contexto urbano. Moradia e cidade formam um só corpo.

Em simultâneo, embora os sistemas eletrônicos absorvam grande parte da comunicação interpessoal, paradoxalmente, o deslocamento físico sofreu grande impulso. A mobilidade tem aumentado no tempo e em proporção ao tamanho das cidades. São mais oportunidades de convívio, mais interesses dispersos, que produzem uma interação mais rica –e que exigem mais deslocamentos. Não apenas casa-trabalho, mas em múltiplas direções; não em linha, mas em rede –tal como nas comunicações eletrônicas. Isto é, um tecido urbano mais complexo.

sapo.pt

Com a família menor, a cidade com diversidade urbanística e arquitetônica é ainda mais desejável. A família pequena precisa do apoio das disponibilidades coletivas, para ela torna-se essencial uma cidade bem mantida, bem conservada. Uma cidade mais densa, um espaço público com vitalidade.

A cidade extensa, com território infinito, não se sustenta nesse novo panorama. É ilusório achar que se constrói o futuro quando simultaneamente se permite a perda de densidade demográfica nas cidades. Não se conseguirá dotar esse futuro com os requisitos da sua contemporaneidade. Novos bairros, grandes conjuntos, grandes condomínios, homogêneos socialmente e monofuncionais como os subúrbios de Wright, mesmo que verticalizados, se isolados da cidade, já nascem obsoletos.
Como afirma Renzo Piano, grande arquiteto italiano (co-autor do projeto do Centro Pompidou, em Paris): “Uma cidade não acontece construindo mais e mais na periferia. Se você tiver de crescer, cresça dentro.”
A família contemporânea, pequena, deseja ainda mais cidade.

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RIO EM ÉPOCA DE ELEIÇÕES

Luiz Fernando Janot


Durante a primeira metade do século XX o Rio viveu um dos períodos mais significativos da sua história. A condição de capital federal atraía para a cidade um expressivo contingente de pessoas em busca de ascensão econômica e social. Pelas ruas movimentadas do Centro circulavam, lado a lado, figuras eminentes da sociedade, profissionais liberais, políticos, funcionários públicos, comerciantes e prestadores de serviços.


Museu da República, Antigo Palácio do Catete
flickr.com

O Rio vivia, naquela época, o seu grande apogeu político. Com a transferência da capital para Brasília e, mais tarde, a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a cidade, aos poucos, foi perdendo o seu prestígio. As tentativas isoladas para reverter essa situação geralmente esbarravam na falta de recursos financeiros. Instalou-se, dessa forma, um longo período de decadência que se refletiu implacavelmente no contexto urbano da cidade.
Felizmente, após um longo período de letargia e apreensão, a onda de pessimismo foi se esmaecendo diante do interesse manifestado por grupos empresariais envolvidos na economia globalizada.

Museu da República – detalhe
Ciência Hoje
O principal catalisador para elevar a autoestima da população carioca teve origem na escolha do Rio como sede de grandes eventos esportivos internacionais. 


Simultaneamente, a área central da cidade passou a receber diversas empresas relacionadas com a exploração de petróleo no litoral fluminense.
Ao se estabelecerem nessa localidade promoveram a recuperação do ambiente urbano e a valorização do extraordinário patrimônio histórico ali existente. Para elevar ainda mais a autoestima dos cariocas, o Rio recebeu da Unesco o título de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural Urbana. Esse conjunto de conquistas vislumbra para a cidade um próspero caminho em direção à construção de uma nova realidade social e urbana.
Todavia, essa possibilidade de sucesso não pode ser comemorada prematuramente. Há que se evitar o imediatismo dos interesses particulares nas decisões políticas e no planejamento das obras que serão realizadas. Nunca é tarde para enfatizar a importância da urbanidade na vida cotidiana de uma cidade.

Portal Rio de Janeiro

Para que esse aspecto sutil não passe despercebido pela população e pelos governantes, várias ações coordenadas deverão ser empreendidas para impedir o retorno da violência nas favelas e nos espaços públicos, a extorsão praticada por flanelinhas, a ocupação das calçadas por camelôs, a venda e o consumo escancarado de drogas nos espaços públicos, a ação predatória dos pichadores, a desordem urbana e a balbúrdia nas ruas até altas horas.


Da mesma forma, não se pode ser condescendente com o crescimento descontrolado das favelas, com o comprometimento ambiental das praias e lagoas, com as enchentes periódicas das ruas, com calçadas em péssimo estado de conservação, com o traçado fajuto das ciclovias, com a agressividade dos motoristas de vans, com a irresponsabilidade dos motociclistas, com os ciclistas circulando na contramão, com a poda indiscriminada de árvores, com a presença de navios cargueiros fundeados no mar de Copacabana, com as iluminações cenográficas coloridas que desvirtuam e comprometem a qualidade estética dos monumentos históricos da cidade.

Enfim, em época de eleições, isso é o mínimo que se pode esperar dos candidatos para que a cidade se torne, de fato, mais humana e acolhedora.

Blog Zun

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