Era uma paixão. O Pai CaRioca e seu carro. Dirigia devagar, satisfeito, garboso. Às vezes o cotovelo para fora, braço apoiado na janela. Hoje não pode. Nem pôr o braço para fora nem andar de janela aberta.
Penso que a autoconfiança que as mulheres sentem quando vestem uma roupa bonita e um belo sapato de salto alto, os homens sentem quando vestem um carro. Sim, é a roupa predileta, aço, motor e rodas, mais que qualquer terno de grife. Há quem duvide se preferem os automóveis às mulheres!
Para uns o som do motor é música, melhor do que uma bela sinfonia ou a bossa nova. Assim era o pai com o Ford, só elogios!
O espaço interno era generoso. Pequenos, no caminho para Petrópolis, meu irmão e eu dormíamos no banco de trás e a irmã menor, a ‘Cara de Tangerina’, ficava no colo da mãe no banco da frente. Hoje é perigoso e proibido.
Foram milhares de passeios no Ford bicolor, a começar pelo meu primeiro, da maternidade para casa.
Crescidinha, todos os dias o pai me levava ao colégio, com o Ford 50, é claro! Quem diria, então era possível sair do Centro, me pegar no Flamengo, ir a Botafogo, voltar para almoçar em casa e ir de volta para a Rua México, lá onde tinha o Bolinho MiXto. O trânsito não era a loucura de hoje que quadruplica os tempos para distâncias que são as mesmas.
Na esquina da ‘Praia’ esperava o paizinho que chegava com os pneus de banda branca.
O trajeto era curto, alegre e instrutivo. Nos sinais de trânsito aprendi a ver as horas no relógio redondo do painel, ele ensinando os ponteiros da hora e do minuto, a divisão do círculo nos minutos, a hora do almoço, a hora de entrar no colégio com o sino batendo. “Quero ver se aprendeu, Andréa. Põe 8h15min”. Tinha um parafuso que precisava rodar. “Ótimo! Agora 4h30min. Muito bem!”. “Agora mais difícil, 11h35min”. Mudava a marcha com movimentos elegantes. Era uma alavanca horizontal ao lado do volante, diferente das que hoje saem do chão.
E as subidas para a Serra? Ai! Como enjoava nas curvas, que tortura!
Um problema súbito e aprendi o que era direção com shimmy, que medo! O volante mole, mole, tremendo, o carro quase sem comando, será que dava para chegar ao Taquara? O pai passou tranquilidade, ‘vamos bem devagarinho’, e chegamos… na oficina!
Na adolescência o Ford 50 ficava cheio de jovens em passeios que o Pai CaRioca e a Mãe CaRioca promoviam levando a turma da Rua Almirante Tamandaré, só gente boa! Paquetá – até a Praça XV para pegar a barca, é claro, porque o carro não era anfíbio – Pampo Clube na distante Barra da Tijuca, Clube Floresta no Itanhangá, Petrópolis, e muitos a Copacabana para jogar boliche. O pai dirigia aguentando a algazarra juvenil estoicamente.
Ele envelheceu, e o carro também.
A placa tinha seis números que nunca esqueci: 11-67-30. Um dia tiraram dois números e puseram letras no lugar, delas não sei. E em outro dia o pai carioca se foi e o carro ficou. Meu irmão cuidou dele durante vários anos e acabou vendendo. Cogitei comprá-lo e desisti porque a reforma seria caríssima… e me arrependi!
Andei me perguntando por onde andaria o “Mustang”, apelido que recebeu da turma da rua.
Antiga Estrada da Grota Funda. O primeiro trecho, desativado, é a Serrinha em “Ziguezague”.Na imagem a subida está à esquerda da Avenida das Américas em frente ao entroncamento desta com a Estrada dos Bandeirantes. Provavelmente era a continuação da Estrada dos Bandeirantes.
Procurando imagens para ilustrar o post sobre a Serrinha em Ziguezague, quem encontrei? Surpresa! Eis que surgiu um Ford de duas cores em uma foto, estacionado no Catete, logo reconheci a rua.
O Ford 50 onde eu vim da maternidade. Imagem: Internet
O Ford 50 de muitos passeios. Imagem: Internet
Só podia ser ele e…Bingo! Lá estava a placa com os números da minha memória!
O Ford 50 e a mesma placa, fora as letras. Imagem: Internet
Continuei na magia da Internet e encontrei o Blog dos Carros Antigos, de outro apaixonado pelos possantes, e fiz mais um passeio, desta vez virtual. O Ford Crestliner 1950, o carrão tão querido do meu pai tão querido estava lá, inteirinho, no post The Old Shoebox Rides Again! Banda branca, o relógio da minha infância, o rádio cheio de números estranhos, o velocímetro que marcava milhas, o emblema simpático, o enfeite do cofre do motor, e a capota de vinil que ele achava o máximo. A pintura estava feia, mas vá lá, é um senhor de idade que já andava precisando de uma plástica.
O FORD 1950 Foto: Blog dos Carros Antigos
O relógio onde eu aprendi a ver as horas. Foto: Blog dos Carros Antigos
Não entendia aquela história de milhas e quilômetros. Foto: Blog dos Carros Antigos
Se as energias positivas acompanham os objetos, o novo dono pode ter certeza de que o Ford levou com ele muitas boas lembranças ‘albuquerquianas’. Até agora só descobri que, vendido de novo, possivelmente o carro está em São Paulo. Tomara que ele deixe o bonitão brilhante e tinindo de novo igualzinho ao dia em que, há mais de meio século, o farol piscou para o Pai CaRioca e o conquistou para sempre!
Andréa, que sorte encontrar imagens do antigo carro da família. Deve ter sido uma emoção! Os pais da nossa geração tinham mesmo uma paixão por seus veículos, um bem muito desejado, um sinal de status. O meu também era louco por carros e por dirigir, uma característica dele que guardo com carinho. Outra coincidência entre a sua história e a minha experiência pessoal é a rua Almirante Tamandaré. Morei lá no início dos anos sessenta, e depois retornei nos anos setenta. Devo ter encontrado o Ford estacionado nas imediações… Quem sabe?!
Cara Ana Beatriz,
Foi sim, uma grande emoção. Inesperada e que me fez feliz! Por certo nos encontramos na Almirante Tamandaré. Desde o Beco, passando pelo 21 e pelo 57, morei lá do nascimento ao casamento, quando fui para Laranjeiras, sempre indo à Tamandaré pelo menos quatro vezes por semana, e aos domingos. O Ford estava sempre por lá. Figura conhecida na rua. Um pouco da minha história com a rua está na crônica O Beco da Tamandaré. Parabéns por “O caso do Zé Armênio”, ótima leitura. Ab.
Que bom quando conseguimos ativar lembranças maravilhosas, Guina. É um privilégio. Outro amigo também voltou no tempo e falou de um Desoto 52 onde aprendeu a dirigir. Emocionante o depoimento de D. Nylza Espero um novo texto seu, então, para curtir muitas outras coisas boas. Um abraço. Andréa
Maravilha, estas lembranças do pai e do carro do pai, coisa de filha agradecida, parabéns! Lembrou de imediato o Plymouth 1949 do meu velho, em que vivi aventuras de infância do mesmo teor das suas. Vai ser difícil é reencontrar o carro, muita sorte a sua! Merece um post também, que um dia faço, mas fiz pequena citação a ele e a meu pai… ao falar de minha mãe! Veja em vidalida.wordpress.com/2012/10/22/d-nylza-pertinho-do-ceu/ Abs, Guina Ramos
Beleza de crônica. Essa história não podia deixar de ser escrita. Ainda mais com essa poesia de cronista.
Andréa, que sorte encontrar imagens do antigo carro da família. Deve ter sido uma emoção! Os pais da nossa geração tinham mesmo uma paixão por seus veículos, um bem muito desejado, um sinal de status. O meu também era louco por carros e por dirigir, uma característica dele que guardo com carinho. Outra coincidência entre a sua história e a minha experiência pessoal é a rua Almirante Tamandaré. Morei lá no início dos anos sessenta, e depois retornei nos anos setenta. Devo ter encontrado o Ford estacionado nas imediações… Quem sabe?!
Cara Ana Beatriz,
Foi sim, uma grande emoção. Inesperada e que me fez feliz! Por certo nos encontramos na Almirante Tamandaré. Desde o Beco, passando pelo 21 e pelo 57, morei lá do nascimento ao casamento, quando fui para Laranjeiras, sempre indo à Tamandaré pelo menos quatro vezes por semana, e aos domingos. O Ford estava sempre por lá. Figura conhecida na rua. Um pouco da minha história com a rua está na crônica O Beco da Tamandaré. Parabéns por “O caso do Zé Armênio”, ótima leitura. Ab.
Que bom quando conseguimos ativar lembranças maravilhosas, Guina. É um privilégio.
Outro amigo também voltou no tempo e falou de um Desoto 52 onde aprendeu a dirigir.
Emocionante o depoimento de D. Nylza
Espero um novo texto seu, então, para curtir muitas outras coisas boas.
Um abraço.
Andréa
Maravilha, estas lembranças do pai e do carro do pai, coisa de filha agradecida, parabéns!
Lembrou de imediato o Plymouth 1949 do meu velho, em que vivi aventuras de infância do mesmo teor das suas. Vai ser difícil é reencontrar o carro, muita sorte a sua!
Merece um post também, que um dia faço, mas fiz pequena citação a ele e a meu pai… ao falar de minha mãe!
Veja em vidalida.wordpress.com/2012/10/22/d-nylza-pertinho-do-ceu/
Abs,
Guina Ramos