O Praião de Santa Luzia, por André Luis Mansur

Você sabia que o Centro do Rio de Janeiro já abrigou uma praia? E não era uma praia qualquer, era  o “praião” de Santa Luzia, conforme descreve o jornalista e escritor André Luís Mansur no trecho reproduzido abaixo, retirado do livro “Fragmentos do Rio Antigo”, de sua autoria juntamente com Ronaldo Morais.

“A praia de Santa Luzia acabou se tornando a predileta dos clubes de regata e das casas do banho de mar, como a Charneca da Lua e a Sociedade Alemã de Ginástica. O mais curioso é que as pessoas tomavam banho de mar amarradas a cordas presas em trapiches”, destacam os autores.

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O Praião de Santa Luzia

Numa época em que o carioca sequer pensava em tomar banho de mar, o Centro do Rio de Janeiro abrigava um verdadeiro praião. Hoje só existe aterro por lá e o mar apenas pode ser visto dos prédios, coisa que também não existia na época. À frente da praia, a Igreja de Santa Luzia, que lhe dava o nome, construída em 1592 em terreno doado por João Pereira Lemos e sua esposa, ainda estava em sua localização original, a pouca distância da atual, que é do final do século XIX e já havia recebido duas torres e uma ampla e bem trabalhada porta.

Para se ter uma ideia de como praia era algo totalmente alheio ao estilo de vida carioca, basta dizer que a de Santa Luzia também era conhecida como Praia da Forca, devido à existência de uma forca nela, e também abrigava um cemitério de indigentes ao redor. Até meados do século XIX, também era o endereço do matadouro da cidade. Menos convidativo, impossível.

Na liturgia católica, Santa Luzia é a santa que protege os olhos. O príncipe-regente D. João, chegado aqui em 1808 com toda a sua Corte fugida de Napoleão, era católico da cabeça aos pés e com certeza agradeceu muito a Deus por ter chegado são e salvo à sua mais rica colônia. Foi por toda essa fé que, alguns anos depois, em 1817, o príncipe disse ao Intendente Geral Paulo Fernandes Viana que queria ir à igreja de Santa Luzia para cumprir a promessa de cura de um problema que seu neto, D. Sebastião, tivera nos olhos.

Bem, de simples o pedido de D. João não tinha nada. Qualquer movimentação sua pela cidade exigia uma grande infraestrutura logística. Carruagens, cocheiros de fardas, cadetes na frente, lacaios atrás (com jarro d´água e goiabada), escolta, padre, jumento com criado e pinicos feitos de pura louça pintada, além de outras parafernálias. Tudo tinha de ser devidamente preparado. Ou seja, mesmo que quisesse sair apenas para comprar um galetinho na esquina, D. João daria muito trabalho a muita gente.

Mas isso constituía a rotina do príncipe e precisava ser feita sempre. O pior era que o trajeto até a igreja, também chamado de Caminho da Forca, era muito estreito e não permitia a passagem da comitiva. Para piorar, a região ficava constantemente alagada.

Foi preciso então fazer uma espécie de “choque de ordem”, para usar uma expressão atual. O estreito caminho para se chegar à igreja e à praia foi alargado, embora para isso fosse preciso derrubar o muro da chácara de d. Ana Francisca de Jesus, que recebeu uma indenização de 800 mil réis no ano seguinte. Provavelmente estava bem aquém do valor do terreno, mas não adiantava reclamar. Não havia Procon nem colunas de defesa do consumidor na época, haja vista a absurda lei que obrigava os donos das melhores casas da Corte a cederem suas residências por um determinado tempo aos nobres ociosos.

Depois que perdeu estas companhias indesejáveis, ainda no século XIX, a praia de Santa Luzia acabou se tornando a predileta dos clubes de regata e das casas do banho de mar, como a Charneca da Lua e a Sociedade Alemã de Ginástica. O mais curioso é que as pessoas tomavam banho de mar amarradas a cordas presas em trapiches. Como se vê, pegar uma praia na época era um programa dos mais exóticos para um povo que usava trajes europeus em pleno calor tropical.

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