O que viu vovó ? Vovó viu o quê?

Andréa Albuquerque G. Redondo

Etimologia, eu quero uma pra escrever!

Parodiando IDEOLOGIA, de Cazuza

Jabuticaba nasce na jabuticabeira. Pera, na pereira. Maçã, na macieira. Goiabeira dá goiaba, bananeira dá banana em cacho.

“A uva nasce na uveira, vovó”. Eu antevia a afirmação a interromper a aula de português, na voz da menina dourada que comia uvas da cor dos seus olhos. Uvas verdes, porém, doces e maduras. Os olhos curiosos brilhavam enquanto ela pensava, entretida com os frutos ovoides – por que não ‘uvoides’? – cuidadosamente divididos ao meio e ao longo, longus, no sentido longitudinal para evitar engasgos.

Enquanto a pergunta não vinha eu me indagava por que a uva nasce na videira. Ah, a língua! Não a que sente o sabor da uva, mas, a que falamos e ouvimos em terras lusófonas. Se respondo que a uva é fruto da videira planto dois problemas. Dirá que errei, “é fruta e não fruto”, para, em seguida, perguntar se é’ videira’ porque dá vida à uva, menina esperta.

Se digo que muitas videiras fazem um vinhedo ou uma vinha, mal concluo e já ouço “Quem vinha e não vem mais, vovó?”. O uveiro, meu amor, o moço que vinha vender as uvas não vem, põe os cachos no caminhão… “Não posso mais comer uvinhas?”, ouço-a perguntar em silêncio. Os olhos cheios d’água passam medo: imagina as uvas e seus cachos dourados em fuga escondidos dentro de uma caçamba. Percebo. Explico à pequena: o uveiro colhe os cachos de uvas na videira, põe no caminhão, o motorista entrega a outro moço no mercado, amanhã compro mais para você, querida. O brilho volta aos olhos inocentes, cachos louros sedosos a salvo, novas uvas a caminho.

“Uveira é mais bonito. Como é a videira, vovó?”. Dou um nó na língua, digo, no cérebro. Eu antevia a nova cartilha: Vovó viu a videira. A uveira não dá uva. A uveira é vizinha da videira. A videira virou a vinha. O uveiro viu a vinha, a videira e a uva. A uva é verde. O uveiro vende uva para vovó. Vovó viu a uva. Vovô viu o vinho.

Intrigante. Com tantos “v” uva começar com “u”. Socorro-me nos dicionários. Descubro que ‘uva’ é latim, foi uva,ae, uuas, huuas… E a vinha? Vinha também veio do latim, sempre ele. Vinea,ae. Foi uineas, vineas, uinias, uinha, vias, vinnas… Parece claro que “v” e “u” são parceiros. No latim vinaceus é ‘de vinho’, ‘de uvas’. Todos da mesma família, in vino veritas.

De volta ao vinho, volto à vida exterior. Os olhos verdes e a boquinha cor-de-rosa continuam a se deliciar com as uvas, sem perguntas, um alívio. “Vovó, a mamãe disse que a uva vira o vinho que o padre bebe na missa, deve ser gostoso, posso tomar?”. “Minha princesa, tenho uma bebida quase igual. Suco de uva geladinho. Você vai adorar! In aqua sanitas, penso.

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