O artigo de Nelson Motta, publicado recentemente no Jornal O Globo, traça um panorama sobre a derrocada da Cidade do Rio de Janeiro – e do Estado de mesmo nome – devido a decisões políticas equivocadas. Permito-me recuar ainda mais no tempo. A transferência da capital federal para Brasília, em 1960, foi base para as transformações, inclusive para o esvaziamento do Centro da cidade, movimento nas ruas, atividades culturais em profusão após o expediente de trabalho.
É quando o Rio começa a perder importância. Em paralelo, os códigos de obras vigentes incentivaram o comércio mais forte e a construção de prédios altos com atividades diversas exercidas em escritórios, inclusive consultórios médicos, nas ruas denominadas “Centro de Bairro”, atividades naturalmente necessárias para dar suporte aos moradores locais, mas que, uma vez de maior porte, convidavam ao deslocamento para fora do coração da cidade. Na mesma época abre-se o novo e gigantesco espaço para expansão urbana, a antes rural Baixada de Jacarepaguá, demandando mais investimentos públicos em obras de urbanização, transportes e saneamento. Ficariam o Centro e a Zona Norte relegados ao esquecimento.
O abandono do Centro do Rio não pode ser creditado ao infeliz decreto que “proibiu” moradia na área central de comércio. O diploma legal não teria tal capacidade sozinho. Além de ter sido vedado em trecho pequeno do centro, as moradias existentes poderiam lá continuar. O que ocorreu foi simplesmente a substituição nos antigos apartamentos (por exemplo, na Avenida Beira-Mar) pelo uso comercial, mais lucrativo e sob medida para preencher os espaços deixados por quem buscava novos horizontes em direção à já bela e cobiçada Zona Sul.
Os esforços para revitalizar o Centro do Rio deveriam considerar a história da cidade, limpar os espaços públicos e dotá-los de iluminação adequada, promover eventos culturais, ampliar as ações de assistência social para os moradores de rua, entre outras medidas de ordem prática, sobretudo quanto à segurança pública. Atribuir o problema ao código de obras e tentar solucioná-lo através de leis urbanísticas que aumentam o número de andares permitido é recorrer no erro, repetir a política de incentivar a construção em novas áreas e deixar as antigas para trás.
Foi o que se fez no projeto Reviver Centro, resultando na explosão de construção novas em Ipanema, enquanto o trenzinho elétrico passeia vazio! É o que se pretende fazer agora para o bairro de São Cristóvão.
Urbe CaRioca
De volta ao futuro: 1975
Nelson Motta – O Globo
A fusão do antigo Estado do Rio com a Guanabara, durante o governo militar, foi provavelmente o momento em que tudo começou a desandar por aqui
Um dos grandes romances de Mario Vargas Llosa é “Conversa no Catedral”, um tradicional boteco de Lima, quando ele era um jovem estudante metido a revolucionário, onde bebia e mantinha longas conversas sobre política e a história do Peru com o veterano jornalista e romancista frustrado Ambrosio. Em uma cena crucial, o jovem comunista pergunta ao veterano idealista de muitas derrotas:
“Qual foi o exato momento em que o Peru se fodeu?”
Sim, porque a história é feita de momentos de virada que mudam seu rumo, e se pode identificar esses momentos-chave, que no caso do Peru teria sido o golpe militar do general Odría, no fim dos anos 1940, que impôs uma ditadura sangrenta que afundou o país na pobreza e na violência e durou boa parte dos anos 1950. Mas isso não interessa. É só para estabelecer uma base de raciocínio. A pergunta é:
“Qual foi o exato momento em que o Rio de Janeiro se fodeu?”
Provavelmente em 1975, quando o governo Geisel integrou à força, sem ninguém ser consultado, o Estado da Guanabara (a ex-capital, ex-Distrito Federal, o atual município do Rio) ao antigo Estado do Rio, formando o “Estado do Rio de Janeiro”.
O Rio de Janeiro era, por natureza e história, uma cidade-estado, com sua própria cultura, seu sotaque, sua economia, suas instituições públicas, suas tradições, seu passado cosmopolita e progressista, e foi usado, aparentemente, para impulsionar e melhorar o atrasado e semi-rural Estado do Rio, mas deu ruim, o resultado foi inverso. Foi a cidade que iniciou um processo de decadência, na mistura de poderes e interesses com políticos arcaicos e seus currais eleitorais, suas tradições de atraso e coronelismo.
Nada contra o bravo povo fluminense, a grande vítima do pior da política da ex-metrópole que se juntou à escória política e à bandidagem da ex-província. Não podia mesmo dar certo.
O Rio de Janeiro continuaria mais lindo ainda se fosse o que nunca deveria ter deixado de ser. Uma metrópole independente, com seu próprio orçamento e seus investimentos, desenvolvendo sua cultura e sua economia com seus próprios meios e dependendo menos do governo federal.
O Estado do Rio continuaria feliz com sua capital em Niterói, melhorando cada vez mais como cidade moderna e progressista, e seu interior agrícola e suas potencialidades, suas indústrias — fora os fabulosos royalties do petróleo, que nem eram imaginados em 1976 —, sem reparti-los com o Grande Rio.
Ah, mas os políticos …
Em dez anos, cinco governadores condenados e presos. Precisa mais? E o que é esse atual?