No último dia 14, o artigo do arquiteto Sérgio Magalhães publicado no jornal O Globo passeia pelos problemas da (des) mobilidade urbana que assola as cidades brasileiras. Traz-nos o exemplo de um projeto a ser implementado na Bahia e nos transporta de volta à Cidade do Rio de Janeiro junto com o sofrimento diário da população na cidade e na Região Metropolitana em BRTs, Metrô e nos trens da Supervia.
Enquanto se anunciam novas Linhas de VLT – “um bom modal” nas palavras do articulista – hoje praticamente um trenzinho de brinquedo que enfeita a cidade e não pode ser classificado como transporte de massa – não menciona os ônibus barulhentos, carcaças sobre chassis de caminhão, talvez por ser tema conhecido.
Em contrapartida, o Prefeito do Rio, apoiador e coadjuvante da falsa Linha 4 do Metrô que já condenou o BRT – também uma de suas crias que cogitou transformar em VLT -, promete a desejada integração da metrópole, conforme vídeo divulgado nas redes sociais: ao mesmo tempo campanha eleitoral e prosseguimento do rodoviarismo criticado pelo arquiteto.
Boa leitura.
BRT METROPOLITANO: VEM AÍ A CONEXÃO RIO x BAIXADA FLUMINENSE ATRAVÉS DO BRT NO FUTURO TERMINAL MARGARIDAS!
Integração direta e redução do tempo de viagem pela metade, tudo com o conforto e segurança do BRT. E o melhor: garantindo ao cidadão a liberdade de ir para qualquer canto… pic.twitter.com/wxKeRNM5Rv
— Eduardo Paes (@eduardopaes) August 6, 2025
Urbe CaRioca
Rodoviarismo é um erro
Cidades brasileiras estão submetidas projetos desconexos, autônomos, à mercê dos ânimos dos governantes da ocasião
Sérgio Magalhães é arquiteto – O Globo

Os governos federal e baiano promovem a construção de uma ponte rodoviária entre a cidade de Salvador e a Ilha de Itaparica. Entendem que será um estímulo para a expansão da cidade. E erram.
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Erram porque estimulam o rodoviarismo, ambiental e urbanisticamente ultrapassado, além de inconveniente; erram porque incentivam a expansão da cidade. Sendo a população estável, a expansão acarretará a perda de moradores nos bairros consolidados e a decorrente perda de vitalidade.
Esse caso baiano é único?
As cidades brasileiras, sobretudo as grandes, estão submetidas a projetos desconexos, autônomos, à mercê dos ânimos dos governantes da ocasião. O planejamento foi abolido em quase todas elas pela ideia de que atrapalha os negócios. Nos três níveis de governo, há tempos, é assim que a banda toca.
No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com 12 milhões de habitantes, cidade global, símbolo do país no mundo, a desconexão e a improvisação nos sistemas de mobilidade é tragédia cotidiana para quem precisa de transporte público e para quem não precisa. O órgão de planejamento metropolitano, autarquia criada para definir políticas integradas, como a mobilidade, reuniu o pleno de seu conselho deliberativo uma única vez, há seis anos, para aprovar a venda da Cedae.
Desconexas, as propostas tendem a ser oportunistas, como ocorre com o metrô. Concebido em seis linhas, o MetrôRio virou uma só linha com três nomes. Falta dinheiro? Não, a Linha 4 custou R$ 10 bilhões em 2014. Dividindo esse valor pelo número de viagens em dia útil, equivale a R$ 100 mil por viagem/dia.
O governo insiste: anunciou o prolongamento da dita Linha 4 do Jardim Oceânico até o Recreio, justamente onde foi construído o BRT. Mantido o preço por quilômetro de 2014, poderá significar R$ 130 mil por viagem/dia. Por que não implantar a Linha 3, para Niterói e São Gonçalo? E o BRT? Segundo fontes oficiais, o sistema tem custado R$ 10,5 bilhões, o que representa R$ 23 mil por viagem/dia.
O sistema de trens da Supervia, a maior rede brasileira, com mais de 220 quilômetros, atende hoje apenas 300 mil viagens/dia, tendo alcançado, nos anos 1970, a marca de 1,2 milhão viagens/dia. Se transformado em metrô de superfície, tem potencial para quintuplicar as viagens atuais, a custo próximo a R$ 2 mil por viagem/dia, visto que o leito já existe, não precisa de túneis. (Compare-se com os custos dos outros sistemas.)
O trem-metrô é essencial para recuperar os subúrbios do Rio e da Baixada Fluminense, seu comércio, suas indústrias, seus serviços, suas moradias — sua segurança.
A propósito, acaba de ser anunciado estudo do BNDES com o Ministério das Cidades para linha de VLT na Zona Sul. O VLT é um bom modal, até orientei mestrado em urbanismo para linha em Botafogo e bairros vizinhos. No entanto, ao custo de R$ 1,7 bilhão, daria, de sobra, para transformar o trem em metrô no trecho Central-Deodoro, com superior custo-benefício e qualificação da Zona Norte — que precisa.
O sofrimento diário da população não é decorrente de o Rio ser uma cidade grande. A desconexão entre as ações dos governos e o investimento no improviso e no rodoviarismo são desconsideração com o sofrimento da população, a economia, a saúde, o bem-estar coletivo e a interação social. É um atentado ao planeta.
Os governantes fazem o que lhes parece conveniente. Faltam, porém, a régua e o compasso que o planejamento com participação da sociedade pode oferecer.