Aterro do Flamengo x Bairro Santos Dumont: duas visões de cidade em disputa

O Aterro do Flamengo nasceu de um momento em que o Rio de Janeiro ainda se entendia como centro político e cultural do país, capaz de pensar soluções urbanas que dialogassem com seu território e sua memória. Ao transformá-lo não apenas em um parque, mas em um museu a céu aberto integrado à paisagem, o projeto afirmou que a cidade poderia ser bela, funcional e, acima de tudo, pública. Ali se consolidou um espaço democrático, onde a circulação, a arte, a história e o lazer se encontraram sem hierarquias, refletindo uma visão de cidade construída para ser compartilhada.

É justamente à luz desse exemplo que o debate sobre a retirada do Aeroporto Santos Dumont ganha outra dimensão. A proposta, resultante de um estudo não-governamental, e que prevê a construção de um novo bairro no local, surge em um contexto muito diferente: de forte pressão imobiliária, valorização de áreas nobres e disputa feroz por frentes marítimas.

Mesmo não tratando-se de uma iniciativa pública, é preocupante, ainda que em um contexto de “ideias”, pois remete à uma realidade inconcebível e que não deveria ser cogitada. Enquanto o Aterro ampliou o acesso à cidade, há o risco de que a desativação do Santos Dumont produza o efeito contrário — restringindo a orla à lógica da exclusividade, elevando preços e reduzindo sua função pública.

O Santos Dumont não é apenas um aeroporto; é um marco de mobilidade, de chegada e de pertencimento. Seu entorno é passagem, cotidiano, circulação de pessoas de diferentes realidades. Substituí-lo por um bairro planejado, sem clareza sobre garantias de acesso democrático, significa redefinir quem é convidado a viver o Rio e quem será progressivamente empurrado para fora dele. A paisagem, que no Aterro foi tratada como patrimônio da coletividade, pode se tornar mercadoria.

Ao observarmos os dois projetos lado a lado, o contraste é evidente: o Aterro materializa uma visão de cidade que se abre — a proposta sobre o Santos Dumont pode representar uma cidade que se fecha. Não se trata de rejeitar transformações urbanas por princípio, mas de perguntar qual ideia de Rio está sendo construída: a cidade-paisagem para todos que a Unesco reconheceu ou a cidade-cenário de alto padrão voltada a poucos.

O Rio de Janeiro já provou que sabe produzir soluções urbanas grandiosas quando o interesse público é o norte. A questão agora é se teremos coragem de repetir essa escolha.

O Parque do Flamengo que se cuide …

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