Artigo: DIVISÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS DE UMA CIDADE – INCOERÊNCIAS E INCONSISTÊNCIAS, de Gisela Santana

Publicado originalmente no PORTAL VITRUVIUS, este é mais um importante artigo onde a arquiteta, autora do livro Marketing da ‘Sustentabilidade’ Habitacional, e coordenadora do ‘Movimento Comunitário Nosso Bairro Nosso Mundo’ em defesa da qualidade de vida de Jacarepaguá, questiona a delimitação da Área de Especial Interesse Ambiental criada em maio/2013 para o bairro da Freguesia, Região Administrativa de Jacarepaguá. Dois outros estudos de Gisela já foram divulgados neste blog. Foram eles:


Boa leitura!
Urbe CaRioca




Gisela Santana



Penedo da Igreja Nossa Senhora da Pena
Foto Cartão Postal


No dia 17 de maio de 2013 foi publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro o decreto nº 37158 de 16 de maio de 2013 que cria a Área Especial de Interesse Ambiental da Freguesia em Jacarepaguá – AEIA da Freguesia (1).


Esta publicação é um alento para os moradores da Freguesia de Jacarepaguá. Há alguns anos vêm pleiteando a revisão do Projeto de Estruturação Urbana da Taquara, PEU Taquara, que incentivou enormemente os empreendimentos imobiliários na região; a ponto de comprometer a qualidade de vida e o sistema infraestrutural local. Em artigo publicado em agosto de 2012 (2), apresentei as razões dos moradores e havia sugerido o congelamento das licenças e a revisão do PEU que, além da Freguesia e da Taquara também inclui os bairros do Pechincha e do Tanque (3).


O decreto que cria a AEIA da Freguesia não altera o PEU – Taquara, apesar de congelar por 60 dias (a contar da data de publicação) as novas licenças para demolição, construção, acréscimo ou modificação, reforma, transformação de uso, parcelamento do solo ou abertura de logradouro. Aponta para o fato de que não haverá alteração dos índices construtivos do PEU, sugere apenas que alterações de índices na Freguesia serão estudadas, o que não necessariamente resolve a questão.


O que está proposto pelo decreto é que durante esses 60 dias serão aprofundados estudos para o possível estabelecimento de novos índices urbanísticos apenas para a Freguesia, dentro da área delimitada pelo polígono definido pelo decreto.


Desenho esquemático do limite estabelecido pelo decreto n. 37158, 16 maio 2013, da AEIA da Freguesia
Adaptado do Google Earth por Gisela Santana


Entretanto, as justificativas apresentadas para proposição do decreto demonstram algumas incoerências e inconsistências para a delimitação do polígono que define a AEIA, que poderia abranger uma área bem maior. A seguir, comento as considerações que motivaram a promulgação do decreto:


1. “A localização do bairro da Freguesia junto aos contrafortes do Maciço da Tijuca, na Zona de Amortecimento do sítio declarado Patrimônio da Humanidade na categoria Paisagem Cultural Urbana pela Unesco” e “a qualidade paisagística da baixada de Jacarepaguá, ambiente urbano composto por morros e vales”. Por esses argumentos as áreas limítrofes à Freguesia principalmente aquelas mais à sudeste, no costão de serra, também deveriam ter sido incluídos na AEIA. Assim como o “istmo” verde, que liga os dois maciços da Tijuca e da Pedra Branca, ainda mais se considerarmos que existe projeto da prefeitura que contemplam os corredores verdes para unir estes maciços, e o recém-lançado projeto da trilha Transcarioca, definido pelo Estado que conecta partes de um grande corredor ecológico que une áreas da Zona Oeste a Zona Sul, passando pelo encontro desses maciços que se dá nas imediações a Noroeste da linha poligonal definida pela AEIA da Freguesia.



Traçado esquemático da Trilha ecológica Transcarioca
Adaptado do Google Earth por Gisela Santana


2. “O bairro apresenta bens culturais tombados que constituem um valioso testemunho de várias fases de sua ocupação”. Este argumento também justificaria a inclusão do bairro da Taquara que, segundo dados do Armazém de dados da Prefeitura, também apresenta exemplares com tombamento federal: a Casa da Fazenda da Taquara e a Capela de N.S. dos Remédios e da Exaltação de Santa Cruz. Além de outras áreas de Jacarepaguá que também guardam testemunho de várias fases de sua ocupação, como pode ser verificado no site da Prefeitura (4), no item que se refere ao Patrimônio histórico, artístico e cultural relativo aos bens tombados.


3. “Os riscos que o recente processo de adensamento desse bairro apresenta à manutenção da qualidade ambiental, à paisagem urbana e à qualidade de vida do bairro da Freguesia”. Como se pode verificar no artigo publicado em agosto de 2012, no blog Urbecarioca, e em uma verificação e análise da delimitação da AEIA; no que tange aos riscos, eles abrangem não apenas o bairro da Freguesia, mas já se materializaram e transbordam para as áreas limítrofes, como no caso do bairro do Pechincha e da Taquara, que sofrem igualmente os impactos viários e de abastecimentos de água, esgoto e energia elétrica. É preciso lembrar que o limite físico, político e administrativo do bairro da Freguesia, não corresponde ao limite simbólico do bairro. Um exemplo claro da variação do limite imaginário e simbólico é a linha tênue que divide a Barra da Tijuca e o Bairro de Jacarepaguá, no que se refere, por exemplo, ao trecho dividido pela Av. Abelardo Bueno, onde de um lado se localizava o antigo autódromo de Jacarepaguá e do outro, novos condomínios e empreendimentos se multiplicam. A ADEMI inclui simbolicamente esta área como Barra da Tijuca, porém para a divisão político administrativa do município, a área corresponde a Jacarepaguá. Outro aspecto relativo a esta justificativa sobre a manutenção da qualidade de vida e da paisagem, diz respeito à questão dos congestionamentos de trânsito e saturação do sistema viário. Vale lembrar que o sistema é uma rede de vias interligadas, que se tocam e que se impactam mutuamente. A definição dos limites da AEIA passa em determinadas vias e as exclui como a Retiro dos Artistas e a Edgar Werneck, por exemplo. Estas já se encontram extremamente saturadas, nelas existem áreas verdes de grande porte. Portanto, não garantindo a salvaguarda da qualidade de vida nem ambiental, nem cultural do bem tombado. As mesmas vias estão recebendo novos empreendimentos de gabarito elevado e que obstruem a visão da Igreja Nossa Senhora da Pena, tombada pelo IPHAN. Ou seja, o limite definido não equaciona logicamente o problema da qualidade de vida do bairro, nem tão pouco a preservação cultural do bem tombado referido na justificativa, uma vez que os empreendimentos poderão continuar sendo licenciados na via e consequentemente, obstruindo a visão da igreja e contribuindo para o aumento do fluxo viário.


4. “Considerando o disposto no artigo 70, III, da Lei Complementar nº 111 de 01 de fevereiro de 2011 que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro”. Esta consideração relativa ao artigo que estabelece orientações sobre as “Áreas de Especial Interesse, permanentes ou transitórias” nos informa que “são espaços da Cidade perfeitamente delimitados sobrepostos em uma ou mais Zonas ou Subzonas, que serão submetidos a regime urbanístico específico, relativo à implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano e formas de controle que prevalecerão sobre os controles definidos para as Zonas e Subzonas que as contêm”. O presente artigo do Plano Diretor sugere que as Áreas especiais prevalecerão e poderão se sobrepor a uma ou mais Zonas ou Subzonas. Portanto, a AEIA da Freguesia pode perfeitamente incluir outras áreas, desde que estabelecidas em sua delimitação. O Inciso III do referido artigo estabelece que “área de Especial Interesse Ambiental – AEIA é aquela destinada à criação de Unidade de Conservação ou à Área de Proteção do Ambiente Cultural, visando à proteção do meio ambiente natural e cultural” sendo assim, não fica claro qual o motivo da não inclusão da Secretaria de Meio Ambiente, uma vez que a AEIA da Freguesia envolve tanto a proteção natural quanto a proteção cultural por conter elementos destas duas categorias.


Por outro lado, as licenças que já foram dadas, que não sabemos ao certo onde e nem que volume de unidades e área representam, pelo visto, permanecem como estão, e continuarão impactando a área. Infelizmente!


A delimitação da AEIA parece avançar no que se refere à intenção da preservação da área ambiental e elementos culturais remanescentes, porém é uma pena que outros bairros vizinhos e do próprio PEU Taquara não tenham sido incluídos na área de interesse ambiental e cultural. Como se pode ver no mapa, áreas verdes ao lado da área delimitada não foram incluídas. Infelizmente, a tendência é que as novas construções e licenciamentos se direcionem para os bairros vizinhos, utilizando os discursos ligados ao imaginário urbano da proximidade com a Freguesia agora em ambos os casos, com preços muito mais inflacionados devido à delimitação da área “Especial” e lamentavelmente, continuando a causar perdas ambientais nas áreas contíguas e impactos ao trânsito já tão saturado.


Apesar disso, espera-se que a publicação deste decreto renove as esperanças da população para continuar lutando por melhores condições de vida na Freguesia, nos bairros vizinhos e quiçá em outras áreas da cidade. Na esperança de que as novas diretrizes sejam estabelecidas para a área atendam à qualidade de vida da população e à preservação cultural e ambiental do bairro e, principalmente, que predomine as boas intenções.

notas
1
Decreto n. 37158. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, 16 de maio de 2013 <
http://doweb.rio.rj.gov.br/visualizar_pdf.php?reload=ok&edi_id=00002075&page=3&search=freguesia>.

2
SANTANA, Gisela. PEU Taquara – antes que seja tarde demais! Urbe Carioca, 28 ago. 2012 <
http://urbecarioca.blogspot.com.br/2012/08/peu-taquara-antes-que-seja-tarde-demais.html>.

3
Ver: Lei Complementar n. 70, de 06 jul. 2004, que institui o Peu Taquara – Projeto de Estruturação Urbana (Peu) dos Bairros de Freguesia, Pechincha, Taquara e Tanque <
www2.rio.rj.gov.br/smu/imagens/doc/Lei%20Complementar_70_060704.pdf>.

4
Armazém de Dados, Instituto Pereira Passos <
www.armazemdedados.rio.rj.gov.br>.


sobre a autora

Gisela Santana, Arquiteta Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Urbano, Doutora em Psicologia Social, autora do livro Marketing da “sustentabilidade” habitacional, e coordenadora do ‘Movimento Comunitário Nosso Bairro Nosso Mundo’ em defesa da qualidade de vida de Jacarepaguá.

Comentários:

  1. Olá Gisela,
    Bela iniciativa…
    Lutemos pela preservação de nossas áreas verdes, despertando as consciências de que o ser humano é parte do ambiente…
    Abençoemos a Natureza protegendo, quanto possível, todos os seres e todas as coisas na região em que se respire…
    Paz e luz!
    Márcia Schoch

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