A análise e o olhar acurado do arquiteto e professor sobre a urbe carioca perante os modelos urbanísticos adotados ‘no mundo ocidental’ desde a primeira metade do século XX podem ser conhecidos artigo publicado no Jornal O Globo em 31/08/2013 – reproduzido a seguir – que explica porque “as cidades contemporâneas não comportam modelos hegemônicos de urbanização. Especialmente o Rio, onde predominam os espaços urbanos diversificados”. O artigo também foi divulgado na página do Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB.
Boa leitura.
Urbe CaRioca
LUIZ FERNANDO JANOT
Na primeira metade do século XX, o mundo ocidental caminhava de braços dados com o racionalismo científico, impondo suas verdades absolutas. Diante desse contexto, o dramaturgo italiano Luigi Pirandello escreveu uma extraordinária peça teatral — “Assim é se lhe parece” — com a intenção de relativizar qualquer postura dogmática que cerceasse a livre expressão do pensamento. Infelizmente, essa e outras iniciativas semelhantes sucumbiram diante do obscurantismo político dos Estados totalitários.
De lá para cá muita coisa mudou. O restabelecimento da democracia trouxe consigo a rejeição a qualquer espécie de absolutismo. Nem mesmo os princípios do urbanismo modernista escaparam desse processo revisionista. A reflexão crítica sobre esses paradigmas possibilitou a formulação de novas teorias e modelos de desenvolvimento urbano. Todavia, se aplicados indiscriminadamente em qualquer cidade, certamente, irão reproduzir equívocos semelhantes ao criticados anteriormente. Para se perceber o quanto é inadequado um modelo urbano único, basta observar nas cidades espalhadas pelo mundo a grande diversidade social, econômica, cultural e política, especialmente na China, na Índia e, sobretudo, no continente africano. Há que se admitir que a construção de uma cidade democrática não é fácil em sociedades autocráticas ou individualistas.
Entre as recentes teorias do urbanismo contemporâneo a que mais tem se destacado é a que propõe a formação de cidades mais densas, mais compactas e, consequentemente, mais sustentáveis. Isto é, uma cidade que concentre um número significativo e diversificado de usos e atividades em territórios delimitados. No Brasil, o emprego desse modelo vem sofrendo pressões contrárias de alguns grupos empresariais que preferem expandir seus negócios imobiliários em áreas dotadas de grandes terrenos disponíveis e a preços mais vantajosos, independentemente da existência ou não de infraestrutura urbana no local.
O Rio, por exemplo, segue esse modelo ao expandir o seu tecido urbano ao sabor da ideologia política e dos interesses do mercado imobiliário. A tendência de estabelecer, no futuro, uma nova centralidade urbana na Barra da Tijuca, ao que tudo indica, parece irreversível. A concentração de grandes investimentos públicos e obras da iniciativa privada nessa região confirmam tal pressuposto. É para lá que convergem praticamente todos os novos sistemas de transporte coletivo — BRT e expansão do Metrô — implantados ou projetados para a cidade. A reurbanização total da Avenida das Américas é uma parte indissociável desse processo.
O modelo urbano baseado no trinômio “condomínio fechado/shopping center/automóvel particular”, característico da Barra da Tijuca e seus arredores, vem recebendo a aceitação de uma parcela significativa da população. Afinal, quem não trocaria os espaços públicos degradados, o triste cenário de casas abandonadas e o comércio decadente pelos espaços organizados, seguros e cheios de atrativos dos condomínios residenciais fechados e dos shopping centers? É próprio da natureza humana que cada indivíduo busque para si o que há de melhor. Quanto maior diversidade houver, melhor será a opção de escolha.
Em suma, as cidades contemporâneas não comportam modelos hegemônicos de urbanização. Especialmente o Rio, onde predominam os espaços urbanos diversificados. Respeitando essa característica da cidade, não há como relegar ao abandono importantes bairros cariocas. Principalmente aqueles servidos por trem ou por metrô. Chegou a hora de se concentrar investimentos públicos nessas localidades para promover a requalificação urbana, atrair novos investidores e elevar a autoestima dos seus moradores. É inadmissível que uma cidade culturalmente diversificada como o Rio conviva com um modelo único de ocupação e desenvolvimento urbano.
Autor: Luiz Fernando Janot