Crônica: ELA, EU, GABRIELA E O SERTÃO DE ALAGOAS, de Ailton Mascarenhas.

O carioca que foi para João Pessoa, ou Filipeia, já contou histórias de lá e nos fez ‘viajar’ pelas belas praias da Paraíba. Andarilho, nos alegrou com palavras certeiras e uma bela caminhada matando saudade das terras cariocas. A visão aguçada e atenta aos espaços urbanos, às suas características e urbanidades transforma-se na escrita peculiar de Ailton Mascarenhas, que nos brinda com mais um passeio, desta vez por terras alagoanas. O blog, que na magia do mundo virtual há pouco andou pelo Recife e conheceu o Empatando Tua Vista, aprende mais um pouco e divide com todos os leitores essas experiências fora da urbe carioca.

Boa leitura e divirtam-se!

Urbe CaRioca

ELA, EU, GABRIELA E O SERTÃO DE ALAGOAS

Ailton Mascarenhas

Aproximava-se rápido à nossa frente, ultrapassávamos outro, fomos rápido para a direita, parece que não tão rápido, ouvimos uma histérica buzina e uma garganta se esgoelando, o barulho vinha da boleia de um enorme caminhão. As mães do Brasil foram todas lembradas.

Silêncio rápido, num rosto do lívido para o avermelhado, uma enorme boca não distribuía amabilidades, era Ela assustada ao meu lado, a coxa de uma das pernas se levantando e se encolhendo toda, o mínimo que ouvi foi “Tá cego, não viu o caminhão não…”, mas não deixei por menos, mesmo errado, e instantaneamente respondi certeiro “Quer levar o carro?”. Estávamos no sertão e eu tinha que ser macho né?!, fechou o tempo por uns segundos, depois caímos numa nervosa gargalhada.

Viagens de carro longas são assim, não tem lá um refinado protocolo. Vínhamos do sertão de Alagoas, na fronteira com Sergipe, Piranhas, antes, Penedo, duas cidadezinhas ribeirinhas do Velho Chico, o Rio São Francisco. De Piranhas soubemos que nas proximidades, no fronteiriço Sergipe, foi assassinado o bando de Lampião, um de nossos reis, nada a ver com a Imperial Lusitânia, era o Rei do Cangaço. Imagina, nas escadarias da prefeitura de Piranhas, expuseram parte das cabeças cortadas daqueles infiéis, só as mais coroadas, é claro: Lampião, Maria Bonita…

Macabro!

Mas é preciso contar outra história antes desta. Na Universidade Federal da Paraíba-UFPB, aqui em João Pessoa – fica numa Reserva Florestal local -, bichos não faltam. Gatos são muitos, tem bicho Preguiça e passarinho, mas não vi onça. Uma gatinha preta zebrada de marrom – universitária, pois vivia no campus -, uma perfeita vira-lata, lindona, era amante e viciada em gatos, adorava eles, mesmo grávida e maltratada. “Estava prometida de maus tratos”, Ela ouviu e tomou providências. “Vem aqui no meu trabalho ‘queu’ preciso de ajuda”. Fui lá e a ajuda era para levar para nossa casa justo Ela, a viciada, numa caixa… dizia-me a outra Ela pra eu tomar cuidado para não ser arranhado. De início andou se escondendo. Depois, sem o menor escrúpulo, pariu CINCO  gatinhos, a outra Ela a parteira, eu só ouvia, “Ah, que bonitinho”, “Este é branquinho”… aprendi que gatinhos são coloridos. “Este é igualzinho a mãe”. O branco era menorzinho, “Este acho que vai morrer.” Vingaram todos, corriam desabaladamente em comboio pelo apê, as coisas que ficam em cima dos móveis queriam ir atrás e se jogavam pelo chão. Já sabem como se faz para ter um bichinho de estimação. O nome d’Ela é Gabriela, A Gata.  A outra Ela é minha mulher Marisa, que não deixa de ser outra gata.

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Entremontes, em Piranhas, é quase um arraial, é pequenininha, notei uma coisa interessante, o Rio São Francisco mais das vezes está escondido pelas construções ribeirinhas não fosse a área ocupada pela antiga estação de trens – esta construção amarela com janelas marrons no canto esquerdo da foto e uma outra adiante quase no centro, perto do rio, também amarela – que a preservou livre o mais possível ao longo do seu perímetro, vocação para área de lazer dos habitantes sendo natural os banhos de rio, talvez piqueniques e outras tantas atividades. Modernamente este legado nas grandes cidades praianas foi conseguido pelos calçadões e arruamentos margeando a areia, oferecem um espaço democrático de contemplação e manutenção da paisagem.



Entremontes, Alagoas
No centro histórico, planas são apenas as terras da margem do rio. Toda a cidadezinha tem um relevo acidentado, é nas ladeiras que o casario vai se acomodando, não deve ser à toa que este centro se chama Entremontes, casinhas de frente pequena umas coladas nas outras, as ruas estreitas parecem servir apenas para separar o lado de lá do lado de cá e não vias de circulação. Gostaria de saber por que nas cidadezinhas que conheço, Piranhas, Bananeiras e Alagoa Grande na Paraíba – aí no RJ também tem algumas nos caminhos que levam para o interior -, o transporte ferroviário foi abandonado, será porque foram à míngua as atividades produtivas que lhe deram origem ou foi simplesmente a versatilidade dos transportes sobre pneus? Quem souber que conte a história, de herança deixaram para nós as belas estações ferroviárias.
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Em Piranhas/Sergipe tínhamos que visitar os cânions que a imensidão d’água formou quando embarreiraram o rio São Francisco para fazer a hidrelétrica de Xingó.  Lindos de morrer, um dia uma cadeia de montanhas enormes à beira do Velho Chico, agora eram pequenos mas ainda altos morros que sobraram acima do nível d’água, que, enraivecidos, queriam olhar os pés sob a água mas não conseguiam, era muito fundo. É um passeio belíssimo de barco, a gente atravessa de Piranhas, Alagoas, para Sergipe, ribeirinho fizeram um alongado e avarandado restaurante, com um deck de atracamento dos catamarãs e um heliponto adiante.

Tino comercial de alguém, come-se e bebe-se antes do passeio pelo grande lago, também come-se e bebe-se no barco e antes da volta também come-se e bebe-se num ancoradouro no meio daquela imensidão d’água, num cantinho, com uma pequena infra, duas piscinas naturais, tudo ladeado por redes de segurança dentro d’água, no deck sombra e bancos para sentar e uma lojinha logo ali para as lembrancinhas!

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A gente chega a Piranhas por um altinho e vai descendo por ruas estreitas já namorando o pequeno povoado abaixo, Entremontes, todo tombado pelo IPHAN, é o centro histórico. De noitinha tem um lugar: não é a Passarela do Álcool de Porto Seguro na Bahia, mas aqui bebi uma cachacinha da boa arretada, depois pizza e cerveja, observando o movimento alegre das pessoas em volta, depois dormimos que nem anjos na pousada ali perto: perguntem se tava bom?
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Com vista para o rio São Francisco fizeram uma grande laje na sua beira – solo criado à maneira do Rio de Janeiro, lá também tem – que funciona como uma praça elevada. Dali a gente vê o rio correndo fazendo barulhinho d’água avisando às águas de trás das pedras à frente. Na praça tem uma estátua… “Sentimental eu sou, eu sou demais, eu sei que sou assim, porque assim ela me faz…” de um cantor admirador da cidade, Altemar Dutra. Embaixo da laje tem um restaurante, bastante feio, mas comemos um ensopado de peixe com pirão, tínhamos acabado de chegar, com fome, tava bom!
 

Não tem muito mais pra ver no centro histórico, é claro tem que andar pelas pequenas ruas, mas é mandatório ver a antiga estação de trem abrigando o Museu do Sertão e algum artesanato, atravessando a linha, hoje sem os trilhos é uma rua, tem uma torre antiga da estação, um relógio lá no alto que devia ser para marcar o horário dos trens, onde ambientaram um pequeno café.




Na pousada, pertinho, o café da manhã era melhor e pudemos dizer Bom Dia ao Velho Chico, pois estávamos ali do ladinho dele e já de partida.  Deve ter mais coisas pra ver, outros passeios de barco, o mirante, mas só vimos estas.

Penedo é mais cosmopolita. Assim como em João Pessoa na Paraíba, o holandês Maurício de Nassau esteve por lá, o homem sabia das coisas e parece que também se adorava, pois logo mudou o nome da vila para Maurícia, mas assim como não se aguentou no Recife também não se aguentou por lá, hoje continua a ser Penedo, anteriormente Vila de Penedo do São Francisco, Mui Nobre e Sempre Leal! 
Penedo, Alagoas
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Na madrugada rolava um forró na praça em frente à pousada, na beira do Chico, nossa janela avistava o rio e a praça, na verdade uma esplanada aberta para o rio, por perto o ancoradouro de barcos, colada na pousada uma bela igreja, antiquíssima – a primeira igreja na foto acima a partir do rio, ao lado é a dita pousada -, Eu e Ela virávamos prá cá e prá lá na cama e o barulho não parava. Abri a janela prá ver onde era a festança, mas só tinham dois carros de portas abertas e uns três “capiaus bebos se esbaldando com as mina”, dançando no passo do forró que saia alto do rádio dos carros a cidade inteira já dormindo e nós querendo. “Ligamu pro 190” (Polícia?) que pediu que ligássemos para a Autoridade Local: não dava né, mas logo a música parou e continuamos a dormir. Descansados andamos pela cidade, um belo patrimônio histórico, igrejas prá todo lado, cada uma mais antiga que a outra, construções dos idos de 1660, mais uma vez, a Ordem Franciscana e outras sócias do governo português. O Paraíso é aqui, a depender das ordens religiosas que estão insistentemente em todo o Brasil.
Não sei o que deu Nela que estava com um baita mau humor e resolveu que tinha que pintar os cabelos: “Mas aqui em Penedo!” eu disse. Por indicação da moça do hotel Ela foi numa cabeleireira, era japonesa. Fiquei passeando e parei na esquina que tinha um ‘fastifude’, cara simpática, quase um bar. Estava aberto, mas, num intervalo que as coisas não aconteciam, deixaram-me tomar uma cerveja e quando perguntei pelos tira-gostos, não tinha, mas eu podia pegar o que quisesse ali no balcão. Achei que eu estava sobrando, acabei logo a cerveja, os tira-gostos não quiseram cobrar, salve eles! Fui buscar madame, emendei um lero com a cortadora de cabelos, o que uma japonesa tava fazendo ali? Contei minhas histórias com os ‘japa’ de Campo Grande-MT, tem muito, morei lá na juventude, sinto saudade. Eu e Ela continuamos nosso passeio pelo sítio. Uma mulher com os cabelos pintados é outra coisa, uma transformação, uma delícia!
Tem um restaurante aos pés de um morro da ladeira que subíamos, sobrou de uma fortaleza para defesa da cidade. Batemos na porta, ninguém veio, nos adiantamos e depois de uns vinte passos alguém gritou da porta “Já fechamos, voltem depois”. Teria sido interessante comer alguma coisa e da janela lá do alto ver o Velho Chico seguir viagem ao mar. Ficamos dois dias em Penedo, mais seria ótimo, a arquitetura e o urbanismo antigos estão presentes em sua melhor forma.

  

O que procuramos quando visitamos estas pequenas jóias arquitetônico-urbanísticas?  Para mim, o foco na paisagem que lhe dá origem e a disposição dos caminhos não centrados em grandes vias. É tudo misturado, a gente trabalha ou mora igualmente em todos os recantos.

Talvez porque a escala seja pequena não haja grandes necessidades. As distâncias são curtas. O tempo não é apressado.

Também pode ser apenas um sentimento melancólico, saudade de tempos idos.

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