EM SETEMBRO SOAM PALAVRAS PLURAIS

CrôniCaRioca
Andréa Albuquerque G. Redondo

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Encantei-me pelas palavras. Quando, não sei dizer. Só sei que cedo soaram sons sedutores… – isto é um tipo de rima, não sei qual -, … antes de conhecer a escrita. O som das palavras. Para ser agradável, deveria soar baixo, suave, grave. Passar serenidade. Aos ouvidos, com firmeza e doçura. Gritos e agudos, jamais.


Bem pequena, o Pai Carioca ensinava os plurais. Nada de bananas ou laranjas, isso é fácil. _ “Vamos brincar de dizer o plural”: ‘Uma mão’ (assim mesmo, sem u’a)… _‘Duas mãos’. _‘Um mamão’… _ ‘Dois mamões’. _ “Agora quero ver”: ‘Um pincel’…  _ ‘(?)… Dois pincéus’. _ “Hã”? _ “Humm”… ‘Dois pincéis’! _ “Muito bem, que beleza”! _ “E este”? ‘Um lápis’. _ ‘(?)… Dois… Lápises’?. _ “Lápises? Não, querida… Quase”!

No trajeto para o colégio, antes de aprender a ler, aulinhas de português. Flamengo sem o Aterro, mureta de pedra, água batendo nas pedras partidas, Botafogo com tantas casas, tínhamos a mobilidade urbana que hoje está em falta.

Mais adiante, as letras do jornal. ‘O’, ‘G’, ‘L’… e por aí seguia.

Praia do Flamengo, 1951 – Imagem: Internet


Fora o colégio, livrinhos, revistas em quadrinhos – gostava de Luluzinha, Bolinha, Pato Donald e Cia. Tinham uns livretos no jornaleiro que se chamavam Historinhas Semanais. O padrinho do meu irmão sempre levava de presente. Hoje ninguém fala “Vou ao jornaleiro”. Diz-se “Vou à banca”. Certo, é mais certo, mas quando eu ia ‘ao jornaleiro’ as ‘bancas eram pequenas, não os trambolhos que invadiram as calçadas da Urbe CaRioca.

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A Mãe Carioca dava livros. Monteiro Lobato infantil, uma paixão, muitos ensinamentos, viagens pelo Reino das Águas Claras, medo da Onça, os quitutes e o carinho da Tia Nastácia, a doçura de Dona Benta, que adotei por minha avó virtual, sem saber o que era virtual. E as fantásticas Caçadas de Pedrinho, que querem censurar, onde já se viu! Que bobagem!

Da minha madrinha, livros, sempre livros. Maravilhosos contos infantis de muitos países, novas viagens. Maiorzinha, dela ganhava dicionários. Adoro dicionários até hoje!


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Depois de Monteiro Lobato, já adolescente, a Mãe Carioca me apresentou aos romances de Cronin. Ganhei uma coleção de biografias resumidas e outra sobre Arte. Comecei a xeretar as estantes: Emily Brontë, Charlotte Brontë. Machado de Assis só resgatei adulta. Veríssimo, Joaquim Manoel de Macedo e alguns outros, conheci graças ao colégio e também à minha madrinha que me emprestou a saga O Tempo e o Vento e apresentou-me a Stefan Zweig. Os Cambará e Amok são vagas lembranças. Paixão e Medo.

Não, não sou uma leitora contumaz, gostaria de ter lido mais, estudado mais, ter sido mais tenaz… Corro atrás do tempo perdido, ou melhor, usado em outras atividades.



Palavras podem ser tão belas! Juntá-las, que difícil! Esforço-me, juro que me esforço, mas desisti de acertar o lugar das vírgulas e escolher entre mesóclise ou ênclise, ou… Como se chama mesmo o terceiro? Depois daquele ‘mas’ deveria entrar outra vírgula?

No Ginásio, quatro anos seguidos com Dona Amélia, a professora de Português. Acham que é possível alguém fazer o mesmo ditado todos os dias o ano inteiro? Pois Dona Amélia fazia, com pequeníssimas variações. Todo santo dia tinha ditado e lá vinham ‘exceção’, ‘excesso’, ‘excessivo’, ‘ritmo’… Não me lembro das outras, mas essas quatro sempre estavam na lista. Às vezes uma exceção: saía ‘ritmo’ e entrava ‘admirar’ ou ‘admirável’. E eu admirava a insistência e persistência sem exceções, sem questionar a pertinência. Talvez um excesso, talvez excessivo. Ela nunca perdia o ritmo. Admirável.

Houve uma reforma ortográfica. Década de 1970, talvez. Tiraram o acento diferencial, nunca entendi. Ora, se ele estava ali justamente para mostrar a diferença era mais do que necessário, na minha modesta visão. Era e não seria como escrevem o tempo todo no jornal, sempre no condicional. Explicaram que existia um pássaro chamado toda– ninguém conhecia -, e que, por isso, toda não precisava do acento. Sim, escrevia-se toda com acento circunflexo no ‘o’ – assim ‘ô’. Este sistema moderno em que digito e não ‘bato’ tira o ‘chapéuzinho’ automaticamente, não permite que eu escreva toda com acento… Ou seja, se não existisse o tal pássaro, toda ainda teria acento, quem saberá? Acho que raciocinaram pelo lado avesso.


Também disseram que pelo sentido da frase saber-se-ia – que bonito! – a pronúncia correta. Ora pipocas, quem está aprendendo a palavra não conhece o significado, muito menos saberá a pronúncia. Fui em frente, vá lá, não aprendi a escrever como escreviam D. João VI nem Machado, tudo muda mesmo. Mas tinha o maior orgulho de saber escrever para sem acento – preposição – e para com acento – do verbo parar, igual à música do Cazuza que diz que o tempo não para, e o word já tirou o acento do primeiro ‘a’ – assim ‘á’…


Mexeram nos hifens, que horror! E na palavra hífens, também? O computador diz que não tem acento. Vou deixar assim. Sublinhei o que gostaria de ter escrito à moda antiga. Queria entender por que pôr, o verbo, ficou com o acento se é diferente de por, a preposição. Por que? Ou, Por quê? Para, per, perante, por.


Gosto da palavra ‘água’, é linda. Lembra vida, desde que não seja em excesso, é claro. Nada de enchentes na Serra, no Rio de Janeiro, em lugar nenhum, e maremotos que agora só chamam de ‘tsunami’. Gosto mais de ‘maremoto’, acho que porque era provocado pelo Celacanto, no tempo da Dona Amélia. Era inofensivo, acontecia só na televisão na série pré-adolescente do National Kid, o super-herói japonês. Hoje todo mundo fala ‘TV’ e National Kid é “cult”.


NATIONAL KID – Internet



Algumas coisas ficam na memória, sabe-se de ouvido. Por exemplo, a diferença entre usar ‘próximo’ e ‘seguinte’. Prosa que sou, digo que uso corretamente; erram no jornal e em artigos de muita gente boa. Escrevem ‘próximo’ para algo que já passou quando deveria ser ‘seguinte’. Soa estranho ou é erro meu? Eu erro, então? Aliás, o ‘erro’ que chegou à frente já teve acento. Melhor seria o circunflexo ter permanecido para não confundirmos verbo e substantivo. Já a palavra ‘erro’ seguinte – e não próxima – não levava chapeuzinho mesmo, é erro, do verbo errar, fala-se igual a berro, que é o que faz o cabrito. Quem sabe um dia ambos os ‘é’ carregaram acento agudo.

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Outra reforma ortográfica e lá se foram mais acentos! Ainda bem que meu nome não tem ‘i’ ou teriam confiscado o acento dele. Pelo que entendi Andreia com ‘i’ não leva mais o agudo. Que grave! Novas mudanças para ficar tudo igual aqui e em Portugal. Façam-me o favor, ora pois! A pronúncia é diferente e são tantas palavras com sentidos outros que seria possível fazer um dicionário português-português!





Fiquei em dúvida sobre que nome dar ao Blog.

CaRioca, com o ‘R’ maiúsculo chamando o nome da cidade –  Rio, que é água e lembra riso – estava mais do que certo. Queria o Rio cor-de-laranja escuro, como um belo pôr-do-sol carioca. Urbe, a cidade de novo, também fora escolhida. O problema era o som. ‘Urbe’ é difícil de falar. A letra ‘U’ por si pede pulmão forte, mais do que exigem ‘A’, ‘E’, ‘I’, e ‘O’. Acrescentado o ‘R’, a primeira sílaba exige ainda mais esforço. Urbe. Experimentem, só!

E o que nessa vida não exige esforço?

Ficou Urbe CaRioca, mesmo, com o Rio assim inclinado, maneiroso e gentil, como a cumprimentar o querido leitor tirando _ ‘Um Chapéu’… _ ‘Dois Chapéus’, e estendendo _ ‘U’a mão’… _ ‘Duas mãos’.
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NOTA:
Amanhã, 07 de setembro, seria aniversário Pai CaRioca. Na semana da Bienal do Livro, a CrôniCaRioca é uma homenagem a quem me ensinou os plurais, e dizer ‘privilégio’ sem trocar o primeiro ‘i’ por ‘e’, e à Mãe Carioca que não poupou esforços para despertar em mim o interesse pela leitura. Tê-los foi um privilégio. A homenagem não é excessiva.

  1. Mais um texto delicioso! Homenageando meus queridos avós, que através de você propagaram a paixão pelo português a pelo menos mais uma geração!!!
    Mil beijos,
    Pat

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