Entrevista com o arquiteto e professor Sérgio Magalhães no O Globo

Divulgamos a entrevista concedida pelo arquiteto e professor Sérgio Magalhães ao jornal O Globo, publicada em 20 de março de 2022. O autor do livro “Reinvenção da Cidade” foi Secretário Municipal de Habitação do Município do Rio de Janeiro na primeira gestão do Prefeito César Maia (1993-1996) quando criou os programas Rio-Cidade, Favela-Bairro, Morar sem Risco e Novas Alternativas, então oficializados pelo Executivo e realizados sob sua coordenação.

Urbe CaRioca

‘A favela é vista por muitos como uma rejeição, algo que está contrariando a cidade’, diz o arquiteto Sérgio Magalhães

Autor do livro ‘Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta’ discute como tornar o Rio uma cidade menos desigual e mais inclusiva e sustentável

Rafael Galdo – O Globo  – 20/03/2022

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RIO — Ao lançar na última sexta-feira seu novo livro, “Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta”, o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães conversou com O GLOBO sobre alguns dos principais desafios nos espaços urbanos brasileiros abordados na obra. Tendo o Rio de Janeiro como uma cidade metropolitana icônica do país, ele trata de caminhos para torná-la menos desigual, ao mesmo tempo que mais inclusiva e sustentável. No que se refere aos transportes, um dos temas centrais para se alcançar esse objetivo, ele alerta que não só estão sendo repetidos erros do passado, mas os equívocos também estão sendo expandidos.

O senhor trata do conceito de cidade metropolitana. O que significa?

Essa é nossa realidade urbana de hoje, que não está atrelada aos limites políticos dos municípios. As cidades estão totalmente interligadas e interdependentes. É preciso compreender a cidade metropolitana com essa concepção, que não é simplesmente uma soma de prefeituras. Mas um espaço construído historicamente e que não se diferencia nas suas fronteiras.

No caso da cidade metropolitana do Rio, ela é muito desigual. Quais os principais desafios para mudar essa realidade?

Há três grandes vetores constituintes da cidade em que a desigualdade se apresenta de modo mais brutal: no saneamento, na questão da mobilidade e na produção das moradias. No Brasil como um todo, e no Rio não é diferente, apenas 20% da população teve acesso a formas de financiamento capazes de dar resposta à questão da moradia. Ao longo das décadas, isso não mudou. Quatro em cada cinco casas foram construídas exclusivamente com a poupança familiar. A grande maioria é pobre, que construiu nas condições possíveis, sobretudo, em lugares desprovidos de infraestrutura. Digo no livro que, se não enfrentarmos essas desigualdades, não estaremos dando condições de as cidades cumprirem seu papel fundamental de instrumento para o desenvolvimento do país.

No que se refere à moradia, o senhor afirma que a favela é, na verdade, uma adesão das famílias à cidade. De que forma?

A favela é vista por muitos como uma rejeição, algo que está contrariando a cidade. Muitas pessoas pensam que o favelado é um ser anárquico, que é contra a cidade e contamina negativamente, portanto, a vida urbana. Vejo de outro modo. A família pobre, ao buscar sua moradia em favela está aderindo à vida urbana, que lhe permite ter acesso à educação, saúde, trabalho e lazer de um modo contemporâneo. As cidades cresceram tão vertiginosamente no Brasil como em nenhum outro lugar do mundo. A favela é uma das expressões disso.

E é possível urbanizar esses lugares?

Não só é possível como necessário. As experiências do Rio, do Brasil, assim como as internacionais, demonstram isso. A segunda questão é se é necessário. Sim, para reduzir desigualdades. O BID mediu no Rio (no período do Favela Bairro) e viu que, uma vez urbanizada a favela, ocorre uma explosão no número de empregos, de acessos a serviços, um aumento de empresas registradas na prefeitura.

Numa cidade já espraiada como o Rio, é possível torná-la mais compacta?

Estancar o crescimento da ocupação territorial já é algo fantástico. Mas o Rio tem possibilidades melhores. Não conheço outra cidade que tenha tanta possibilidade de melhorar do que o Rio. Uma das questões que trato no livro é a transformação dos trens em metrô. Os trens estruturam a cidade metropolitana desde o início do século XX. Já transportaram 1,2 milhão de pessoas por dia. Hoje, a Supervia diz que transporta 400, 500 mil pessoas. Se o trem for transformado em metrô, com intervalos curtos, aumenta o número de viagens (passageiros transportados) para 2,5 milhões. Esse é um processo baratíssimo, comparando com qualquer outro processo de mobilidade. Se faz com um terço do que se gastou para levar a Linha 1 do metrô até o Jardim Oceânico (na Barra). Ao mesmo tempo, recupera a Zona Norte, que é o núcleo da cidade metropolitana.

Os governos têm apresentado planos, no entanto, de expansão da rede metroviária.

Nós estamos expandindo os erros do passado. Há mais de 30 anos, o Plano Doxiadis teve a ideia de expandir a cidade de 180 quilômetros quadrados para 8 mil quilômetros quadrados de ocupação, num prazo até 2000, o que mostra a megalomania do período. Depois, teve o plano Lúcio Costa, que simplesmente tinha a pretensão de construir a nova capital na Barra.

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