MAIS MARINA: A PROPAGANDA QUE ENGANA

“Uma das mais espetaculares áreas de lazer do mundo, o Aterro ajudou o Rio a conquistar o título de Patrimônio Mundial como Paisagem Urbana, da Unesco. Agora, parte dessa paisagem pode ser modificada”.

Jornalista André Trigueiro

IPHAN – Brasília, tudo certo.
Só falta o Prefeito do Rio. Marina da Glória, estou chegando!

Imagem: Internet


Sexta-feira, dia 15/03/2013 o RJTV 1ª Edição – noticiário local da TV Globo – apresentou longa matéria sobre o projeto para construção de um Centro de Convenções e Shopping em parte do Parque do Flamengo, proposta do concessionário da Marina da Glória que tem o apoio da Prefeitura do Rio, e que vem sendo exposta, por esses, como promotora da ‘revitalização’ da Marina, um equipamento urbano público da cidade.

A escolha do apresentador (por quem?), conhecido pelos programas televisivos ligados à sustentabilidade e à defesa do Meio Ambiente, não pode ter sido coincidência. A imagem do conhecido jornalista, por si, induz o espectador a receber a ideia com boa vontade ou ligá-la a causas mais nobres, o que seria uma inverdade. Trata-se somente de uma empresa do ramo imobiliário que deseja erguer um empreendimento comercial como tantos que têm sido construídos na cidade: apenas isso. A relevância do assunto está no lugar escolhido, a belíssima área pública non-aedificandique, também sem coincidências, fica próxima do Hotel Glória, cujo proprietário é… o concessionário da Marina!

Ou seja, o dono do hotel quer fazer um anexo ao prédio, no Parque Público, como se o lugar fosse sua propriedade, o seu quintal!

O longo programa de TV (6min23seg) parece fazer parte do ‘road-show’ que visa desviar os olhares do essencial para que se discuta estética, integração à paisagem ou grama no telhado: a construção naquele lugar é proibida perante a lei.

Neste aspecto, vale lembrar que qualquer tentativa de mudar a legislação urbanística (como foi feito há pouco para a construção do Campo de Golfe na APA Marapendi) vai provocar uma enxurrada de ações judiciais, como a que determinou a demolição da rua construída irregularmente sobre o enrocamento nos anos 2000, ainda em curso, ou a que determinou a retirada dos tapumes instalados no Bosque e Área de Piquenique e interrompeu a destruição da vegetação, pelo concessionário, em 2012.

O ‘ROAD-SHOW’ CONTINUA. DOMINGO, ORLA DO RIO DE JANEIRO: PROPAGANDA SOBRE DUAS RODAS. Onde se lê: ‘UMA NOVA MARINA…” Leia-se: SHOPPING COM 50 LOJAS E CENTRO DE CONVENÇÕES.

Foto: Urbe CaRioca, 17/03/2013


O programa parece ser mais uma fase da propaganda velada, novela que segue diariamente, cujo clímax, o último capítulo, será a aprovação do projeto pelas autoridades municipais, os atores principais, a prevalecer a cegueira, a conivência ou, até mesmo, a ingenuidade, dos coadjuvantes.

Vale analisar algumas explicações do apresentador e declarações feitas no programa inserido naquele noticiário:

·       ‘A empresa que administra atualmente a Marina deseja construir ali um novo empreendimento até os JO 2016’. – Certo. É o que a empresa deseja, e não revitalizar a Marina, conforme apregoa.

·       ‘O projeto prevê a instalação do Bosque dos Piqueniques planejado em 1965 e que nunca saiu do papel’. – Errado. Abaixo, foto antiga do Bosque dos Piqueniques e da destruição feita pelo concessionário, paralisada por ordem judicial;

Bosque do Flamengo, antes. Foto: DM

Bosque do Flamengo vai ao chão. Foto: DM
·       ‘A altura seria de 15m, menos que os 18m de altura das atuais instalações, que é o máximo permitido’. – Errado. Não há índices urbanísticos para o local, fora a projeção de 1500,00m² com pequena altura, previstos no plano original. Os toldos são equipamentos de utilização provisória, concedidos através de licenças precárias, e podem ser retirados a qualquer momento por ordem da Prefeitura. Não são parâmetros de projeto, não são índices construtivos.

·       ‘Os responsáveis pelo projeto dizem que não há prejuízos para a vista do Aterro’; ‘O estacionamento para 600 veículos não causará impactos no trânsito, segundo os responsáveis pelo projeto’. Errado duplamente. Somente os órgãos públicos poderiam fazer tais afirmações, se fosse cabível; não é necessário: os itens fazem parte dos Mistérios que não Interessam. Cabe aqui repetir que Este Projeto é Impossível.

·       ‘Segundo o Instituto do Patrimônio, ao contrário do que muita gente pensa, o que é tombado, pode, sim, muitas vezes, sofrer intervenções’. Certo e errado. Em geral, pode haver adaptações, muitas vezes necessárias. Não é o caso da Marina da Glória, parte de um tombamento específico com motivação e critérios de proteção especiais. Neste caso, não pode.

·       ‘Para ser aprovado o projeto precisa ainda do sinal verde dos órgãos governamentais..’; ‘haverá ainda audiências públicas onde qualquer pessoa poderá manifestar a sua opinião sobre o projeto’. – Errado. Se o projeto é proibido não há razão para outras análises ou a realização de audiências públicas. Confete para mídia e processo de sedução, como já explicado.

·       ‘O diretor da empresa (EBX-REX) diz que o projeto respeita a atual legislação’. Errado. Não há legislação fora o plano original do Parque, por isso o projeto não respeita ‘a atual legislação’.

·       EBX-REX: ‘A Marina vai se tornar de fato uma marina aberta, acessível à população…’. A Marina será transformada em empreendimento comercial de luxo. Dispensa mais comentários.

·       ‘Associação de moradores é simpática ao projeto, mas ainda tem dúvidas’. Quer ouvir pareceres técnicos. Erro: é o olhar desviado para os detalhes.

·       ‘IPHAN autorizou a empresa a elaborar o projeto executivo…’. Errado, do ponto de vista do licenciamento. O de acordo do IPHAN não é mandatório.

·      IPHAN: ‘Pelos estudos que a gente fez ele não fere os valores que levaram ao tombamento’. Errado – obviamente, fere, desconsidera, despreza.

No final do programa o apresentador afirma que agora o carioca poderá ter uma opinião sobre o destino de uma das paisagens mais lindas da nossa cidade. É verdade, é linda. Quanto a poder ter uma opinião, também será possível. Quanto a alguma opinião divergente prevalecer, provavelmente só via MP e Poder Judiciário.

Para quem quiser conhecer as declarações de autoridades, empresa concessionária, representantes de algumas associações de moradores, e políticos, este é o link para o vídeo do programa.

Finalmente, não custa repetir: Marina é lugar de barco.



Em primeiro plano, o parque integrado visualmente à Praça Paris, o Monumento aos Mortos na II Guerra e a pista de aeromodelismo. À esquerda, o terreno da Marina da Glória com edificações de apoio às atividades náuticas. Ao Fundo, Praia do Flamengo, Baía de Guanabara,  Morro Cara de Cão, Pão de Açúcar e Morro da Urca e Morro da Babilônia.

À direita as construções dos bairros da Glória e Flamengo, com destaque para o prédio do Hotel Glória, inaugurado em 1922, hoje de propriedade da EBX. A imagem mostra com clareza a separação entre área urbana edificável – os bairros – e a área pública non-aedificandi, o Parque do Flamengo, bem de uso comum do povo.

  1. Olá, Andréa.
    Só para deixar claro, não estava cobrando qualquer cobertura de vocês a respeito dos assuntos citados, como os museus do Gás e da Cidade, como também dos meios-fios. Foi mais um desabafo do que qualquer coisa. Tenho algumas fotos dos meios-fios retirados irregularmente. Como posso lhe enviá-las?

    Att.

  2. Prezado José Marconi,
    Obrigada pelo comentário. Nada contra o empresário, inclusive porque se fizer algo será apenas porque as autoridades do momento terão permitido. Sugerimos em vários textos que os investimentos fossem carreados para locais adequados. O problema á o local, onde é proibido erguer empreendimentos comerciais de tal natureza, conforme explicado. Quanto aos outros assuntos, infelizmente a equipe do blog é muito pequena e é impossível pesquisar sobre todos os temas que são de interesse da cidade, isto é, da população e analisá-los em profundidade. O caso do Museu do Gás que o sr. aponta mereceria estudos e divulgação, caso seja possível reverter o que considerar prejudicial. Caso tenha algum material, fotos, e queira enviar, com explicações, poderemos estudar a possibilidade de divulgar neste espaço. Fotos dos meios-fios citados, também. Atenciosamente.

  3. Não sou defensor dos empreendimentos do sr. Eike. Confesso que sou simpático a revitalização da Marina. Não entendo porque tanta polêmica. Será que é por causa do empreendedor? Há poucos meses o Museu do Gás, na Av. Pres. Vargas, teve seu prédio vendido para uma multinacional (Microsoft) e seu patrimônio (histórico!) está sendo vendido em barracas na praça XV, que são objetos de real importância para a história desta cidade. Não vi por parte de nenhum meio de comunicação ou de entidades se manisfestarem contra este absurdo. Não vi também nenhuma polêmica para com o fechamento do Museu da Cidade. Onde se encontra atualmente as peças expostas durante anos neste museu? E por fim, os meios fios centenários do Centro do Rio, em especial das Ruas dos Inválidos, Senado e Henrique Valadares, que foram substituídos por simples lajotas de cimento, sem estrutura interna de ferro. Não vi nenhum oportunista de plantão (político) levantar a voz contra a destruição do patrimônio histórico.

  4. Esta figura é especialista neste tipo de douragem de pílulas amargas…
    O diálogo entre ele e Sérgio Besserman, meses atrás, sobre as, digamos, "vantagens relativas" da implantação do campo de golfe "olímpico" em área de proteção ambiental, na Barra, foi uma das matérias "jornalísticas" mais deprimentes que já vi!

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