O caso do terreno do antigo Batalhão da PM no Leblon ainda em pauta

No centro de intensas discussões há mais de uma década sobre o seu destino, justamente por estar em uma área extremamente valorizada, o anexo do 23º BPM, terreno do governo do Estado, no coração do Leblon, conforme publicado nesta semana pelo O Globo, será ocupado por um circo com capacidade para até 900 espectadores por até seis meses a partir de outubro .

O terreno de 35 mil m2 fica a cerca de 500 metros da Praia do Leblon e, talvez, seja a mais cara área potencialmente disponível no mercado imobiliário do Rio. Serviu durante várias décadas às instalações de um batalhão da Polícia Militar e pertence ao Estado do Rio de Janeiro. Este fato, – o enorme valor financeiro do terreno e sua localização no bairro de maior poder aquisitivo da Cidade e, quiçá, do país, – são o que dá destaque ao debate.

Vale lembrar que a Lei Complementar 16/2016 restringe os usos no local, e determina:

Em plena discussão sobre o novo Plano Diretor,  fica ainda o questionamento sobre como serão tratadas estas áreas significativas para a Cidade.

Urbe CaRioca

Antiga área de batalhão da PM no Leblon vira picadeiro de circo: entenda o caso

Terreno do governo do Estado foi cedido por seis meses em troca de ingressos para atender a projetos sociais com comunidades e alunos de escolas públicas

Por Luiz Ernesto Magalhães — Rio de Janeiro

O Globo – 27 de setembro de 2022

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A lona do circo já começou a ser instalada no terreno que antigamente era integralmente ocupado pelo 23º BPM (Leblon) – Foto: Márcia Foletto

Respeitável público! O espetáculo vai começar… talvez pelos próximos seis meses, em meio a muitos números de malabarismo, destreza de motoqueiros no ”Globo da Vida” (como é chamado pelos organizadores) e número de mágicas. Alvo de discussões há mais de uma década sobre seu futuro, por estar em uma área extremamente valorizada um terreno no coração do Leblon com cerca de 35 mil metros quadrados do governo do Estado, anexo ao 23º BPM, será ocupado por um circo com capacidade para até 900 espectadores por até seis meses a partir de outubro . Os serviços de terraplanagem já começaram e parte da lona já foi instalada. A PM, que no passado já ocupou toda a área, cedeu o espaço para a secretaria estadual de Cultura. Em contrapartida, a pasta repassou o lugar para o circo e terá cotas de ingressos para o estado distribuir entre moradores de áreas carentes e estudantes da rede pública, entre outros.

— A ideia é iniciar as apresentações na mesma semana do Dia da Criança (12 de outubro). Nossas apresentações são grandiosas. Temos inclusive uma orquestra. São mais de 50 artistas no palco. Entre as atrações estão os irmãos Hypólito (os ex-ginastas olímpicos Daniela e Diego), além de artistas de várias nacionalidades. Só não tem animais de verdade: os elefantes, girafas, camelos e o avestruz são de espuma — diz o produtor cultural Frederico Reder, proprietário do Reder Circus. Segundo Frederico, pelo menos 10% dos ingressos serão doados à Secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa, que definirá os critérios de distribuição. O proprietário também antecipa que tem planos para realizar um espetáculo exclusivo para funcionários do Miguel Couto. O valor do ingresso ainda não está definido. Em São Gonçalo, onde o espetáculo é realizado atualmente, eles variam entre R$ 30 e R$ 160. Inicialmente, a ideia é realizar apresentações de quinta a domingo; e também nos feriados.

Frederico conta que o circo foi fundado em 2018 e já rodou pelo interior do Rio e São Paulo. Parte das apresentações foram patrocinadas por empresas privadas, com renúncia fiscal de ICMs. É o que acontece, por exemplo, no caso do espetáculo no São Gonçalo Shopping, patrocinado da Enel.

— Nem sempre, fazemos espetáculos pagos. Fizemos uma temporada em Santa Cruz em parceria com a prefeitura inteiramente gratuita. Os shows atraíram 85 mil pessoas. Ainda não temos um parceiro para o Leblon — disse o proprietário do circo. A chegada da lona, com o espetáculo Abracadabra, no entanto, surpreendeu os moradores. A presidente da Associação de Moradores do Leblon, Evelyn Rosenzweig, diz que não foi consultada . Ela teme o impacto que eventos no local seja no trânsito quanto nos níveis de barulho numa área de perfil residencial.

A subprefeitura da Zona Sul, por sua vez, informou que recebeu uma consulta informal sobre a realização de espetáculos circenses no local. Mas que ainda não foi emitida licença para eventos. Segundo o órgão, os responsáveis foram orientados a dar entrada em um pedido de autorização para análise de diversos órgãos públicos, o que não foi feito até agora.

— Há situações que precisam ser avaliadas. Qual o impacto que esses eventos podem trazer, por exemplo, para deslocamentos rápidos para o Hospital Miguel Couto, que fica nas vizinhanças? — questionou.  – É tudo muito estranho— acrescentou Evelyn. A PM ao falar sobre a área que ainda pertence a corporação, se confundiu. Em nota enviada no sábado, chegou a afirmar que a cessão da área teria sido para a secretaria municipal de Cultura, que, no entanto, não terá qualquer participação no projeto. Também por nota, a secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa confirmou a parceria. De acordo com o órgão, pelo menos 100 mil ingressos já foram distribuídos gratuitamente pela parceria em todo estado, formando plateia em comunidades carentes. ‘’O Reder Circus é patrocinado pelo governo do Estado, através da Lei de Incentivo à Cultura, que têm circulado por todos os territórios do Estado’’, informou a nota. Devido à localização, o terreno no Leblon é bastante valorizado. O ex-governador Sérgio Cabral chegou a anunciar um projeto de transformar a área em um grande parque público, que não foi adiante . Os ex-governadores Luiz Fernando Pezão e Wilson Witzel tinham planos para vender a área. Em 2016, o estado chegou a estimar em R$ 450 milhões o valor de mercado da área. Na época, a prefeitura chegou a fazer uma simulação sobre como o terreno poderia ser ocupado por empreendimentos imobiliários. A estimativa é que poderiam ser construídas até 800 unidades distribuídas por 15 edifícios entre cinco e oito andares. O projeto ficou por alguns anos parado devido a uma lei aprovada na Câmara de Vereadores que proibia o uso privado do terreno, derrubada pela Justiça há cerca de dois anos. Depois disso, em dezembro de 2021, o governador Cláudio Castro também se manifestou favorável a vender o imóvel, mas ainda não há prazo para isso. O último uso do terreno foi como hospital de campanha da Rede D’Or durante a pandemia do Covid. — A gente avalia que a exploração privada da área é inevitável. O que a gente deseja é que qualquer projeto garanta que haja uma ocupação racional e espaços públicos, incluindo a construção de um centro cultural — acrescentou Evelyn. Em nota, o governador Cláudio Castro (PL), que tenta a reeleição, observa que o circo fará melhorias na infraestrutura do terreno e haverá contrapartida. Ele disse que mantém o plano de se desfazer da área, mas ainda há questões legais a ser resolvidas. — Há um projeto em tramitação na Alerj para que o terreno, junto com mais outros 56 imóveis, possa ser alienado pelo governo com o objetivo de racionalizar o acervo imobiliário estadual — disse, por intermédio de sua assessoria. Segundo a Alerj, o projeto ainda não tem data para ser votado. O texto já recebeu 56 emendas. Marcelo Freixo, que disputa o Palácio Guanabara pelo PSB, defende que o futuro da área seja alvo de uma ampla discussão com a população antes de qualquer decisão: —Não conheço detalhes dessa cessão, mas em princípio sou favorável às ações que promovam a Cultura, especialmente com contrapartida social . Sobre o destino desta área, qualquer que seja o projeto, precisará ser amplamente discutido com a sociedade. O poder público não pode ceder às pressões do mercado imobiliário sem uma consulta que leve em especial consideração os moradores do Leblon e a própria PM que ocupa uma parte do terreno —disse Freixo. Rodrigo Neves (PDT) por sua vez, avalia que o estado deveria cobrar uma taxa pelo uso da área: —Não é a questão de ser um circo. Poderia ser outra atividade: um show de samba ou uma orquestra sinfônica. Por se tratar de um espaço público tem que servir à sociedade: deve pagar os tributos devidos, como a taxa de utilização de área pública. Também devem ser feito estudos de impacto de vizinhança, respeitando a Lei do Silêncio e o ordenamento do trânsito — disse Rodrigo.

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