Na cidade dita formal, paga-se a Mais-Valia e a Mais-Valerá para legalizar e construir ilegalmente em desacordo com os Códigos de Obras. Nas comunidades, não. É à vontade.
Planejamento Urbano na cidade do Rio de Janeiro é jogo para a plateia.
Urbe CaRioca
Verticalização de favelas: único trecho na Rocinha tem mais de 1,8 mil moradores em área equivalente a um campo de futebol
Comunidade tem a maior densidade populacional do país: são 48,3 mil pessoas a cada quilômetro quadrado, de acordo com o Censo de 2022
Por Carolina Callegari e Roberta de Souza – O Globo
A expansão “vertical” na Rocinha, na Zona Sul do Rio, não tem limites. A comunidade, tem a maior densidade populacional do país: são 48,3 mil pessoas a cada quilômetro quadrado, de acordo com o Censo de 2022. Esse número é 9 vezes maior que a média da cidade: 5.174 moradores por quilômetro quadrado. Com base nesses dados do IBGE, o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) mostrou que, só em um dos setores censitários da Vila Verde, localidade no alto da favela, há 1.823 pessoas vivendo em uma área equivalente a um campo de futebol.
Pesquisador do Observatório das Metrópoles, Ivan Zanatta Kawahara explica que a verticalização é um dos fatores que podem explicar o crescimento no número de habitantes em uma área pequena.
— O que temos observado nos dados do IBGE é um aumento constante dos domicílios e do número de habitantes, mesmo nas regiões que não cresceram em área. Esse processo pode ter uma relação com a construção verticalizada. Até porque, limitar o crescimento em direção ao asfalto e às áreas de mata é muito mais simples. Uma coisa é fiscalizar os limites de uma comunidade por fora, outra, muito diferente, é entrar nas favelas para interferir na propriedade privada dos moradores. É muito mais complexo — explica ele.
O presidente da Associação de Moradores e Amigos da Gávea (Amagávea), Rene Hasenclever, diz que do bairro é possível ver a Rocinha crescer “sem limites” para cima.
— É um movimento que também vemos na cidade, só que na favela é feito, muitas vezes, sem qualquer regularização. Eles esbarraram com um limite de expansão horizontal e recorreram para o sentido vertical, construindo casas de três, quatro, cinco andares.
Com vista para cemitério
A partir da Rua Real Grandeza, em Botafogo, é possível ver as construções na Ladeira dos Tabajaras em meio ao verde, numa área atrás do Cemitério São João Batista. Ao observar os prédios, nota-se que os andares foram erguidos gradualmente, sem um padrão na fachada. Os apartamentos mais altos ou os terraços destoam, pois têm o emboço diferente, por exemplo, ou ainda estão em construção. Ali, moram 933 pessoas em 473 domicílios.
Um comerciante de Botafogo conta que se lembra exatamente de quando a prefeitura do Rio fez uma operação, em agosto de 2021, contra construções irregulares. Na época, o prédio estava avançado pela área de mata.
— Estavam colocando uma casa em cima da outra perto do cemitério, mas a prefeitura atuou lá e demoliu. Mas a gente sabe que tem umas recentes mais acima, no interior da comunidade — diz Diulle Teixeira, que trabalha na região.
‘Aqui era tudo verde’
No Leme, é difícil ter uma visão ampla do Chapéu Mangueira e da Babilônia, que se misturam em meio à expansão. Na Ladeira Ary Barroso, uma das vias de acesso, as casas e os prédios menores, de três andares, ainda são maioria. Mas, de longe, já se nota o domínio de prédios. Na Babilônia, há 1.987 pessoas morando em 838 residências, enquanto no Chapéu Mangueira há 962 moradores em 434 domicílios.
— O que a gente observa é que a construção começa como casa. Depois de cerca de um ano e meio, ganha um andar novo — observa a médica Raquel Majella, de 44 anos.
Morador do Leme desde os 8 anos, o aposentado Telmo Souza, hoje com 71, conta que viu o perfil das construções da comunidade mudar:
— Quando vim morar aqui, era tudo verde, com pouquíssimas casas. Foram construindo, construindo, cada vez subindo mais. Hoje, sei que os moradores da comunidade alugam imóveis para terceiros, e vejo também uma superpopulação, que cresceu muito, com novas casas. Foram mudanças muito radicais. Eram poucos prédios e, agora, já vemos mais, assim como mais andares em casas — conta.
Segundo Ivan Kawahara, a construção vertical desenfreada pode oferecer risco para todo o território:
— Ao ter uma verticalização geral, você pode gerar um risco para a favela como um todo, já que você está aumentando constantemente o peso em um terreno. Mas o perigo deve ser medido caso a caso, por mais difícil que seja. Até porque, para desocupar um prédio onde há pessoas morando, é preciso dar opção de moradia ou comprovar risco de vida.
Para ele, um ponto fundamental desse processo é entender a dinâmica imobiliária da cidade.
— Não dá mais para ignorar que a moradia se tornou um ponto de lucratividade dentro das favelas. Sendo para moradia familiar, venda ou aluguel, é fato que esse processo se alimenta da impossibilidade de as pessoas acessaram a habitação de outras formas. É um problema em relação ao preço do mercado imobiliário do Rio — concluiu.
Demolição na Rocinha
Em maio, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) e a Polícia Militar fizeram a demolição de dois prédios irregulares, que já estavam com a estrutura de pé, na Rocinha, onde vivem mais de 70 mil pessoas, segundo o Censo de 2022.
Uma das construções tinha cinco pavimentos e dois apartamentos por andar e a outra, dois pavimentos, sendo quatro apartamentos por andar. Elas estavam sendo erguidas sem qualquer licença em área de encosta imprópria para ocupação, de acordo com o decreto que regulamenta a região. Juntas, as construções tinham aproximadamente 2.100 metros quadrados.
Em nota, a prefeitura do Rio informou que fez mais de 4.200 demolições de construções irregulares desde 2021, sendo 70% delas em áreas sob influência do crime organizado, causando prejuízo de mais de R$ 1 bilhão aos responsáveis. Apenas na Rocinha, a Secretaria de Ordem Pública tem três demolições de construções irregulares paralisadas por decisões judiciais.
Em 2016, a Grade Estatística e o Atlas Digital do Brasil 1 por 1, divulgado pelo IBGE, mostrou que Paraisópolis, em São Paulo, tinha a maior densidade populacional do Brasil, com mais de 45 mil pessoas por quilômetro quadrado. A Rocinha ficava em segundo lugar com 39 mil moradores por quilômetro quadrado.
No topo do ranking de densidade demográfica do país, o segundo lugar é do Jacarezinho e o terceiro da Maré.