Parque da Gávea é parque municipal ou reserva particular do patrimônio natural?, de Sonia Rabello

Neste artigo, publicado originalmente no site “A Sociedade em Busca do seu Direito”, a professora e jurista Sonia Rabello faz uma análise sobre o PLC nº 72/2018, em tramitação na Câmara Municipal do Rio, já na pauta para a 2ª votação, e que trata de um dos últimos mega terrenos em área nobilíssima, no bairro da Gávea, na Zona Sul.

“Inocência ou desconhecimento, a forma da redação de como a proposta legislativa foi aprovada em 1ª votação apenas garante que os donos do terreno terão o seu índice de aproveitamento aumentado, com somente uma promessa – prevista em lei, mas sem qualquer efeito vinculativo – de se destinar a outra parte do lote a um usufruto coletivo e/ou ambiental”, destaca.

O que pensa o leitor a respeito?

Urbe CaRioca

Rio: Parque da Gávea é parque municipal ou reserva particular do patrimônio natural?

Sonia Rabello

Terreno fica próximo ao Shopping da Gávea – Foto: Gabriel de Paiva – O Globo

Está em tramitação na Câmara Municipal do Rio de Janeiro o Projeto de Lei Complementar nº 72/2018, já na pauta para a 2ª votação, e que trata de um dos últimos mega terrenos em área nobilíssima, no caríssimo bairro da Gávea, na Zona Sul da Cidade. O assunto começou com um pedido, pelos moradores da região, de criação de um parque no local, o que acarretaria uma vultuosa indenização na desapropriação. Evoluiu para uma negociação de aumento de índice de aproveitamento em parte do terreno, tendo como contrapartida proposta de criação de um “parque municipal” nos fundos do lote.

Inocência ou desconhecimento, a forma da redação da proposta legislativa que foi aprovada em 1ª votação apenas garante que os donos do terreno terão o seu índice de aproveitamento aumentado, com somente uma promessa – prevista em lei, mas sem qualquer efeito vinculativo – de se destinar a outra parte do lote a um usufruto coletivo e/ou ambiental.

Vejamos:

1. A pomposa, mas juridicamente errônea, denominação de que parte de lote será o “Parque Municipal da Gávea”, implicará que, para que o mesmo seja instalado, a área deverá ser pública. Parque municipal, a teor do que dispõe, por analogia, o §1º do art.11 da Lei federal nº 9985/2000 (de observância obrigatória pelo município), está definido como área “de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei” (corroborado pelos arts. 180 e 181, parágrafo único do Plano Diretor vigente).

Então, ou o projeto de lei é emendado, para que se vincule o aumento de índices de uso do terreno à alienação de sua outra parte ao domínio público, ou futuramente os proprietários do terreno possam vir a exigir da municipalidade o pagamento de desapropriação indireta para que parte de seu lote se torne, de fato, um “parque municipal”. De nada adianta a intenção prevista na lei se não condicionar-se o deferimento do projeto às contrapartidas!

2. Outra solução, que poderia ser uma alternativa ao que está no ineficaz projeto de lei é vincular, por lei, o deferimento das benesses de aumento de índices de uso do terreno à criação, pelos particulares, de uma “reserva particular de proteção natural” conforme previsto no art. 21. da Lei nº 9.985/2000. E, com isso, se exigir que no memorial descritivo da incorporação se vinculasse a obrigação de manter intacta a dita reserva, bem como permitir o acesso público durante o dia. Mas, isso também precisa estar escrito no projeto de lei.

Portanto, é importantíssimo que o projeto, antes da sua 2ª votação, seja emendado para garantir que as benesses edilícias a serem dadas ao proprietário do dito terreno, realmente vinculem, de forma definitiva, o futuro da preservação ambiental da outra área do lote. Isto porque a cidade já está pagando por ela (pela área ambiental) em índices de uso a mais dados pela lei, mas cuja contrapartida no compromisso e vinculação ambiental não está nem claro e nem explícito de forma legalmente correta e eficaz.

Notas finais: 1. Em 2012, quando estava Vereadora, propus* o projeto de lei que criava, no âmbito do Município, estas “Reservas Particulares de Proteção Natural”, projeto este que, como não foi aprovado, encontra-se arquivado, à espera que algum novo vereador, amante da natureza, peça o seu desarquivamento. Quem sabe, para colaborar com os sempre mencionados planos climáticos da cidade? * O projeto foi feito com a colaboração direta do ambientalista David Zee.

2. Este projeto de lei, para um terreno específico, deveria também exigir o Estudo de Impacto de Vizinhança, já que terá um efeito direto em uma já congestionada artéria viária do bairro: a rua Marquês de São Vicente. Porém, há mais de 10 anos tramita na Câmara a proposta legislativa que regulamenta o instrumento do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), e a mesma nunca segue para votação! Por que será?

3. Mais uma lei que entrará no nosso quadro de leis especiais – destinadas a um só lote – que o planejamento da Cidade do Rio é líder absoluto em fazer.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *