CrôniCaRioca
Dizem que se deve ter cuidado com os desejos, pois eles podem realizar-se. Não entendo bem o que significa, ao menos no caso de desejos bons. Se desejar o mal a alguém, sim, tem a história do ‘feitiço que vira contra o feiticeiro’. Cuidado! Fiquemos com os bons!
Durante 15 anos quis que fosse instalado um sinal de trânsito na esquina onde moro. Todos os dias sustos com o som de freadas e gritos. Uma ou duas vezes por semana o freio não funcionava. Eram batidinhas, “batidões”, rodopios, ônibus, carros de passeio, táxis, utilitários, motos – motoqueiros, no chão – veículos sobre as calçadas, e até capotagens. Não tenho notícia de pedestre atropelado no passeio, uma sorte!
Pedi oficialmente à Prefeitura a instalação do sinal, expliquei que os acidentes de trânsito eram constantes e perigosos. Os técnicos responderam que não era necessário: dava tempo de atravessar a rua principal quando o sinal da quadra anterior fechava. Ora, nem mencionei as travessias, apenas os acidentes e as pessoas feridas! Neste quadro, os engarrafamentos invariavelmente provocados perdiam importância.
Finalmente, há poucos meses o semáforo chegou! Viva! Ficou apagado durante uma ou duas semanas antes de entrar em funcionamento. Depois as batidas de veículos praticamente acabaram. A travessia de pedestres ficou mais segura.
A realização do desejo, porém, foi além do encomendado. Junto com o sinal vieram, de início dois guardas, coletes com logotipos da Prefeitura e Falsa Linha 4 do Metrô. Claro que estavam ali para orientar motoristas e pedestres e mostrar a novidade, ajudar com a tal Mobilidade Urbana que está na moda! Em seguida, só um guarda, de manhã e à tarde apitando sem parar, certamente só por mais alguns dias até o carioca se adaptar!
Puro engano! O barulho de freadas e choque de latarias foi substituído pelos apitos frenéticos que começam todos os dias bem cedinho, continuam até 10h, e voltam no final da tarde para infernizar os moradores durante mais algumas horas.
Inconformada, minha vizinha RECLAMILDA, aquela que é amiga da ELOGILDA, foi lá para saber do que se tratava e me contou tudinho. Encontrou um guarda alto, bonitão, compenetrado no serviço, ótimos pulmões… dava para adivinhar.
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“_Bom dia, Seu Guarda! Tudo bem? Me tire uma dúvida, por favor. Aqui nunca teve guarda. Por que o senhor está no cruzamento justo agora que já puseram sinal na esquina?”
“_ Bom dia, senhora! Estou aqui para controlar o trânsito”.
“_Sim, entendo, mas puseram o sinal para isso, né? Foi a Prefeitura que mandou o sr. vir?” (O guarda assente com a cabeça, meio ressabiado). “Sim, entendo…”, continua RÊ. “Mas se o sinal abre e fecha sozinho por que o senhor apita quando ele abre e fecha, e apita mais ainda quando os carros estão andando?”
“_Para que os motoristas não avancem o sinal nem parem no cruzamento, que é proibido” (enquanto gentilmente me explica – parando de apitar para falar -, um ônibus e um carro avançam o sinal e o guarda apita de novo).
“_Avançaram, que perigo, o senhor não vai multar? Apitar não adianta!”
“_Não posso, senhora, não tenho autoridade para isso”.
“_Olha ali, um ônibus parado no cruzamento, multa, multa, Seu Guarda!” (ele apita com mais vigor, o ônibus anda quando pode, é claro). “Só apito não adianta!” (um sinal fecha, o outro abre, e o guarda apita duas vezes: o assovio longo para mandar parar e o curtinho que diz pode ir).
“_Não posso, senhora, não tenho autoridade, já expliquei (e volta à função de apitar complementada por movimentos rápidos com o braço e mão, a outra, não a que segura o apito)”.
“_Quer dizer então que o senhor está aqui para resolver o trânsito no grito, quero dizer, no apito?”
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O desejo realizado, portanto, chegou junto com um contrapeso não solicitado: um guarda proibido de multar que nem sempre intimida os motoristas infratores com o sopro no seu apito. Além do que, com sinal de trânsito nem motorista daltônico precisa de apito: vermelho em cima, verde em baixo, é a regra. Basta não ser cego! Agora, civilidade e respeito à lei, isso sim, é obrigação de todos!
Mas, afinal, por que o guarda apita tanto e com tanta força?
Algumas hipóteses. O guarda apita:
1. Porque a Prefeitura quer mostrar serviço durante a Copa do Mundo;
2. Para ficar acordado;
3. Porque o barulho fica mais alto do que o dos motores e freadas – guinchos terríveis, na verdade – de centenas de caminhões travestidos de ônibus que trafegam pelo Rio de Janeiro, e que também incomoda o pobre guarda;
4. Para aborrecer e irritar os moradores da Urbe CaRioca;
5. Porque…
Ora, mas é óbvio! O guarda apita porque em cada brasileiro mora um Juiz de Futebol!
E vamos logo para casa porque hoje tem jogo do Brasil!
ESTÁDIO DO MARACANÃ Antes da reforma realizada para a Copa do Mundo de 2014 foto: Wikimedia |
Sou Guarda Municipal de Trânsito , quero dirimir dúvidas. Pelo que percebo o agente em questão , não é um Guarda , mas uma agente de controle de tráfego da CET Rio , são funcionários contratados de empresas privadas , não concursados . Esses realmente só são apoio , não podendo multar ,pelo fato de não serem servidores públicos. Como esse texto já tem 4 anos , garanto que hoje não há mais o agente , pois a prefeitura demitiu muitos em massa , raro são os vistos nas ruas. Quanto ao apito , ali no momento seria para os condutores serem orientados que ali passou a ter um semáforo e é para ser respeitado , a presença se dá a maioria das vezes de manhã e depois à tarde sempre no horário do rush.
Prezado Guarda Léo,
Obrigada pelo contato e esclarecimentos. Acredito que tenha razão, em parte. Atribuo a presença de muitos guardas municipais e agentes de trânsito, na Zona Sul,aos grandes eventos que a cidade recebeu nos últimos anos. De fato, esses profissionais desapareceram. E também os apitos. Demissão ou fim dos eventos, ou os dois motivos, é o que parece. Um abraço.
Cristóvão, só hoje vi o seu comentário. Não sei porquê o aviso não chegou. Boa hipótese! Da lista do blog a número 1 foi descartada. A Copa acabou e ele continua apitando, Reclamilda me contou. Ab.
Eu achava que era a síndrome de diretor de harmonia de escola de samba…