Neste artigo, publicado originalmente no O Globo, o advogado e ex-ministro da Cultura Luiz Roberto Nascimento Silva, endossa a recusa ao pleito do governo estadual em manter no Santos Dumont a ponte aérea, com ligações para São Paulo e Brasília, e transferir os demais voos domésticos para o Galeão. “Tão sábio como copiar as experiências e práticas dos demais países e cidades é evitar seus erros”, destaca.
Urbe CaRioca
Protejam o Santos Dumont
Por Luiz Roberto Nascimento Silva * – O Globo – 08 de julho de 2021
Sou fascinado pelas grandes cidades. Mesmo com o crescimento econômico do campo, o desafio da modernidade é travado nas cidades. Nelas é que pulsa o futuro. Nos últimos 20 anos, divido minha vida entre duas: Rio e Belo Horizonte. Por isso é que, ao ver o que pretendem fazer com o Rio, endosso a posição do prefeito Eduardo Paes ao recusar o pleito do governo estadual em manter no Santos Dumont a ponte aérea, com ligações para São Paulo e Brasília, e transferir os demais voos domésticos para o Galeão.
Uma das formas de conhecimento é a experiência pessoal e, com ela, dou meu depoimento. Vi de perto quando retiraram os voos do Aeroporto da Pampulha, transferidos para Confins. O que BH perdeu de turismo interno foi inominável. Costumava convidar amigos cariocas para passar o fim de semana em Minas, que começava com uma sexta-feira em BH, depois sábado e parte de domingo em Ouro Preto. No domingo, voltavam felizes para o Santos Dumont.
Depois da mudança, delicadamente, sem explicar, passaram a recusar o convite antes aceito sem demora. As cidades históricas em torno da capital perderam parte de seu turismo receptivo. Inhotim teria público ainda maior. BH sofreu enorme redução de excursões teatrais, eventos e shows, que não suportaram a logística que Confins impôs.
Toda grande capital tem dois aeroportos: um internacional e doméstico, outro para voos mais curtos. Nova York tem JFK e LaGuardia. Paris tem Charles de Gaulle e Orly. Roma tem Fiumicino e Ciampino. Os projetos e objetivos são distintos. Num voo de férias, o turista não tem pressa. A própria ida ao aeroporto é encarada como o termo inicial de seu descanso. Num voo de trabalho ou de fim de semana, o viajante precisa muitas vezes ir e voltar no mesmo dia. É um passageiro frequente.
Um voo do Rio para BH demora cerca de uma hora. O Santos Dumont permite uma ida e volta no mesmo dia sem maior problema. O tempo adicional para ir e voltar pelo Galeão desarrumará essa vantagem logística do aeroporto doméstico. O turista estrangeiro neste momento pouco vem ao Rio e não se incomoda em descer no Galeão. Ele tem tempo. Para quem viaja a trabalho ou mesmo para o turista doméstico de fim de semana, será um transtorno. Como, agora, quase não temos turistas estrangeiros, não convém perder os domésticos. É esse turista que tem sustentado a cidade e comparecido às nossas grandes festas, como Réveillon, carnaval e feriados. Para que correr o risco de perdê-lo? Faça um teste. Pergunte a um paulistano que trabalha noutra cidade se ele quer deixar de usar o Aeroporto de Congonhas. Ele vai rir na sua cara.
Tão sábio como copiar as experiências e práticas dos demais países e cidades é evitar seus erros. Unam-se ao prefeito Eduardo Paes nesse assunto. O Rio não merece perder mais. Defendam sua cidade como os antigos gregos faziam, protegendo suas muralhas. Lutando por ela, ajudamos o país.
*Advogado, foi ministro da Cultura