E palestra no IAB-RJ
O artigo reproduzido a seguir foi publicado no jornal O Globo no dia 28/03/2015. O olhar crítico do autor vê problemas do modelo habitacional em que consiste o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e aponta alternativas.
O editorial do mesmo jornal neste domingo “Minha Casa Minha Vida repete erros do passado” endossa as visões de Sérgio Magalhães e de Pedro da Luz Moreira, respectivamente presidentes do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB Nacional e do Rio de Janeiro, e pode ser conhecido neste link.
O tema será debatido no Instituto de Arquitetos do Brasil – RJ, no próximo dia 14/04, às 18h30min. Mais informações aqui. Boa leitura.
Urbe CaRioca
Sérgio Magalhães
Recente reportagem do jornal “Extra” informa que os 64 conjuntos residenciais construídos pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), no Rio, destinados às famílias mais pobres, são alvos da bandidagem armada, que expulsa famílias e entrega as moradias a comparsas.
O tema não é inédito. Nos anos 1960-1970, conjuntos tipo Cidade de Deus e Vila Kennedy foram erguidos para receber famílias removidas de favelas do Centro e da Zona Sul. Isolados e distantes, tornaram-se lugar de exclusão e foco da bandidagem protegida pela omissão do Estado. Com o fim do BNH, parecia extinta essa política.
Mas o modelo foi ressuscitado, no Brasil, neste século XXI, pelo programa Minha Casa Minha Vida.
Há uma questão de base: o programa não dialoga bem nem com as famílias nem com a cidade. Seu entendimento é entre governos e empreiteiras. Com os moradores, não.
O governo federal financia, as prefeituras apadrinham, as empresas constroem as moradias. Com o preço da construção + terreno pré-fixado, buscam terra em áreas remotas, onde o custo é mínimo. Cabe ao morador o ônus do transporte caro e demorado; ao governo, a expansão dos serviços (ou, o mais provável, a não prestação dos serviços, mesmo o de segurança). À sociedade fica o ônus da formação de guetos.
Embora detentoras do financiamento, as empreiteiras não têm responsabilidade na “venda” das unidades. As prefeituras escolhem os moradores, beneficiados com subsídio de 95% do custo do imóvel.
O subsídio é iniciativa acertada; sem ele, as famílias muito pobres estariam excluídas. Mas não é suficiente. Em muitos casos, pode ser um expediente para impor o imóvel, sem outras considerações quanto ao lugar ou à qualidade. (Vamos convir, sem o subsídio as famílias não se mudariam para esses conjuntos.)
O programa apresenta-se como capaz de construir moradias em grande número e alta velocidade. É relativo. Em seis anos (2009-2014) entregou dois milhões de unidades, enquanto o total construído no país foi de aproximadamente nove milhões de moradias — a maioria, claro, sem nenhum financiamento.
Agora, o governo federal planeja a terceira fase do MCMV. Para isso, pretende ouvir construtores e outras forças políticas e sociais. Faz bem. É necessário corrigir o rumo.
O programa precisa ser parceiro da família e da cidade.
O MCMV é hegemônico na política de habitação. Ficam à margem outras necessidades habitacionais, como a urbanização de assentamentos populares (loteamentos e favelas), onde mora mais da metade dos brasileiros. Tampouco se alcançam famílias que optam pela construção em lote próprio, que continuam sem crédito acessível e sem assistência técnica. Um ajuste, portanto, há de contemplar a diversidade da habitação popular, ao invés de privilegiar um modelo.
Se a política habitacional assegurar o crédito diretamente à família (e o subsídio sendo fator de equidade), por certo se organizarão as forças produtivas, sejam empresariais ou associativas, para a construção da multiplicidade desejada. Uma infinidade de possibilidades se abre: terrenos de todos os tamanhos, inseridos na cidade; micros e pequenos construtores contribuindo; tipologias habitacionais variadas; materiais e processos construtivos adequados ao lugar; melhores projetos; inovação tecnológica; profissionais relacionados à habitação atuantes e valorizados. E certamente se pode alcançar maior velocidade na produção e melhor qualidade. Em especial, teríamos uma cidade mais bem ocupada e mais misturada.
Não há ingenuidade na defesa do protagonismo do morador — é a história de nossas cidades que o atesta. Revisto, o MCMV pode tornar-se fomentador do desenvolvimento urbano. Ademais, habitação, no mundo contemporâneo, é casa e cidade.
A cidadania se constrói a cada ação. A casa é um dos momentos centrais desse processo.