Triste e real retrato do Rio de Janeiro

Caros leitores do Urbe CaRioca,

O texto abaixo trata de uma das mazelas da nossa cidade a população de rua e de mendigos que não para de crescer. Não se deve atribuir o fato à pandemia de Covid-19. Certamente às várias crises econômicas, à malversação de verbas públicas, a prioridades equivocadas dos gestores públicos. A escrita impactante nada mais reflete do que a realidade. As fotografias foram feitas na Zona Sul. bairros Ipanema e Leblon. O mesmo ocorre em Botafogo, Copacabana, Glória e Centro, pelo menos. Há notícia de que chegou à Miami carioca, a Barra da Tijuca.

Em tempo de eleições municipais e à apresentação de lados coloridos do Rio de Janeiro, cumprimos o doloroso dever de mostrar outro aspecto.

Evitamos filmetes sobre assaltos. Estão disponíveis nas redes sociais diariamente. Só os governantes não veem.

Andréa Albuquerque G. Redondo

O que são?

“There is always more misery among the lower classes than there is humanity in the higher”. Victor Hugo, Les Misérables

Acervo que o Urbe CaRioca preferia não ter.

 A forma se parece com a de gente. O olhar é normal, vago, perdido, às vezes ameaçador. Quando largadas no chão, olhos esbugalhados, semicerrados, fechados, corpos quase nus, enrolados em trapos, estáticos, duvida-se haver vida.  Parecem pessoas disformes, mortas de morte morrida, despercebida. Morte fora de hora, fim que não finda, interminável, aguardado – quem saberá? Respiram por involuntário ser o respirar. São seres humanos sem parecê-lo. A rua é morada, cama, colchão, caixão.

Pessoas passam ao largo dos miseráveis. Mal olham para os rejeitados. A miséria torna-se banal. São vultos. São sujos. Fedem. Fedem à distância. De perto o fedor é insuportável. Comem no chão, bichos em pocilga sem teto. Mais limpo é um cocho. Ironicamente transformados em super-heróis, são leprosos pós-bíblicos dotados de força potente e imaginária. Tudo afastam de si.

É a desigualdade social, apregoam. É lombrosiano, crime à vista, reza outro pela antiga cartilha. Drogados, dizem. Vagabundos, bradam. São seus próprios algozes, dirão os reformistas. Doentes mentais, mendigos, pedintes, pobres coitados, criaturas de Deus, órfãos de Deus. Rebotalho, escória. Sobram nomes.

É proibido recolher, acolher, abrigar. É lei. Se preferirem ficar ao léu, ficarão. Existe o direito de ficar na rua tal como existe o direito de ir e vir, miséria com carimbo de aprovação. Habitem-se as calçadas. Desabite-se a humanidade. Convençam-nos a mudar ou deixe-os em paz, dizem os Juízes. Terão razão se a alternativa for a violência.

Suas Excelências não vislumbram o mau cheiro que os largados exalam, os vermes que habitam suas entranhas, dentes podres – quando os há – nas bocas mudas que pedem, nunca sorriem. Os excrementos deixados por onde passam são signos da incivilidade, rastros da degradação. As togas ignoram o sexo explícito feito na rua feita quarto, prova de que a miséria não apaga o desejo.

O convencimento para deixar as calçadas imposto por lei é tarefa de abnegados. Abordam-nos com delicadeza e os convidam a ir ao abrigo onde terão banho, cama e comida. Trabalho ingrato, tarefa inglória, muita resistência, poucos sucessos.

O quadro de tristes tintas pintado nas nossas cidades mostra outra face da resistência humana: a sobrevivência. Intuo que a miséria carregue genes darwinianos. Os miseráveis resistem à adversidade, são longevos. Semimortos, ressuscitam desafiadores, subsistem. São zumbis, são fortes. São gente.

Rio de Janeiro, 01 de abril de 2024.

Comentários:

  1. Texto brilhante! Dura realidade dessa Cidade cercada de distâncias … leitura dolorosa assim como a realidade da citação q se enquadra perfeitamente para os miseráveis do Rio! Sem gestão e cheio de regras e leis de dominação e ausência de humanidade!

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