A Saga de Urbanildo, um Carioca Legal
Andréa Albuquerque G. Redondo
Em seguimento à CrôniCaRioca Urbanildinho, um Carioquinha Legal, paródia do DeCad*, uma obrigação não obrigatória para os cariocas.
Urbanildo é um carioca legal. Simpático, está sempre com os impostos em dia. Quando pode, paga adiantado, pois prefere não ter dívidas, nem pagar com atraso, para que a Prefeitura não o considere inadimplente e aplique multas sobre os valores devidos, um castigo. Assim, fica despreocupado e sobra tempo para trabalhar tranquilo, e para o lazer com amigos. Os companheiros o apelidaram “O Carioca”.
O alcaide da cidade onde mora Urbanildo é uma pessoa estranha. Simpático, é verdade, ora muito falante e animado, ora silencioso, conhece as virtudes daquele contribuinte, porém jamais o elogia – talvez o faça apenas durante Carnaval, quando tudo é fantasia. Ao contrário, sempre exigia mais do pobre pagador que, cioso dos deveres, sem reclamar, cumpria suas obrigações, e aceitava os exageros e as novas ideias extravagantes do gestor.
A mais estranha delas é que a cada ano o Chefe do Executivo aumentava o valor do IPTU que chegava religiosamente no mês de janeiro. Em silêncio, O Carioca pagava tudo, se pudesse, em cota única. A ele, cabia obedecer. Afinal, quem mandava na cidade era O Eleito pelo povo, pensava. O sistema acusava o pagamento, a Prefeitura acompanhava, e, em silêncio se dava por satisfeita… até o ano seguinte.
Passados uns oito anos de IPTU aumentado sucessivamente, após nova majoração feita pelo seu sucessor (o aumento dado por aquele com olho de peixe morto foi às alturas igual ao gabarito na Zona Portuária), na décima segunda revolução solar o então novamente candidato a comandar a Cidade, pronunciou-se. Disse a Urbanildo, e a todos os munícipes, que o valor cobrado já era suficiente, para alívio dos contribuintes perdidos em um mar de contas a pagar. Foi eleito com facilidade, tamanha a incompetência do finado peixe.
Para surpresa de Carioca, entretanto, diante dos olhos cansados, arregalados e incrédulos, no ano seguinte, enviado pelo novo velho alcaide, o carnê do IPTU também surgiu com aumento.
Resignado, esforçou-se para agradar a quem detinha o poder e, outra vez pagou o imposto – desta vez em parcelas, triste porque não sobraria dinheiro para nada. Era a pandemia de Covid-19, o desemprego aumentava ainda mais do que o IPTU, não havia mais furos para Urbanildo apertar o cinto.
Foi quando aconteceu algo inusitado. O prefeito ressurgiu e rompeu o silêncio:
_ Sr. Urbanildo, “Os contribuintes do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU deverão apresentar, nos prazos fixados em ato da Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento – SMFP, a Declaração Anual de Dados Cadastrais (DeCAD) de imóveis, a ser entregue obrigatoriamente por meio eletrônico em formulário próprio a ser disponibilizado por meio do portal Carioca Digital, na internet.”.
Urbanildo não compreendeu. O carnê do IPTU estava ali, íntegro, quitado. Apontou-o e, em silêncio, olhou para o síndico escolhido.
_ Vai preencher a declaração, sim! O senhor e todos que pagam IPTU, quero saber quem é devedor, e quem fez obra sem licença!, disse ele.
Dessa vez o Chefe extrapolara. Preencher o tal DeCad para quê se havia pagado tudo? Os sinais eram evidentes: carnê pago, dados sobre idade, área, localização e posição do imóvel indicados na Guia do IPTU, valor declarado no Imposto de Renda, nada havia a esconder, tudo por escrito. Não havia nem 1m² a mais construído sem licença! Já em Rio das Pedras, Muzema, Jacaré, Maré… nas coberturas na Zona Sul… Deixa pra lá…
Decidiu não preencher a tal declaração, seriam trabalho e burocracia desnecessários. O prefeito não se conformou.
_ “Se não apresentar a declaração o contribuinte poderá sofrer perda ou redução de eventuais bônus por manutenção de adimplência, na forma da lei!”.
Urbanildo pensou em ir ao Ministério Público, ou ao bispo, reclamar por castigar um contribuinte tão legal, cumpridor das suas obrigações. Por ser adimplente seria prejudicado? Sim, agora adimplência era pecado. Rezar dez Ave-Maria, um Pai-Nosso e preencher a DeCad – a devida penitência.
O Carioca refletiu melhor e preferiu perder os hipotéticos bônus. Sim, hipotéticos por serem “eventuais bônus por manutenção de adimplência”. “A Prefeitura que se encarregue de conferir os pagamentos, puna os inadimplentes e os que construíram sem licença!”, pensou. Quanto à DeCad, quanta decadência…
Quem sabe o governo desistirá de castigar os adimplentes? Afinal, muitos inadimplentes foram perdoados depois de alguns anos, e até premiados! A esses, indulgência. Aos adimplentes, intransigência.
De Urbanildo, a pertinente insurgência.
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O carioca merece mesmo é o Crivella