Andréa Albuquerque G. Redondo
O Prefeito eleito anuncia os primeiros nomes de seu futuro Secretariado, como é usual e devido: tomarão posse daqui a apenas quatro semanas, devido ao adiamento das eleições.
Dentre as novidades nas mudanças na estrutura administrativa do Poder Executivo – todos os novos prefeitos o fazem, sem exceção – a grande mídia anuncia a criação de uma Secretaria de Planejamento, passando a Secretaria de Urbanismo a ficar responsável apenas pelo Licenciamento e Fiscalização das obras, particulares, naturalmente.
A nova pasta será comandada por Washington Fajardo, arquiteto que presidiu o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade – IRPH, título pomposo que o antigo Departamento Geral de Patrimônio Cultural – DGPC recebeu. Antes subordinado à Secretaria Municipal de Cultura, depois alçado à condição de Secretaria Extraordinária de Defesa do Patrimônio Cultural, foi rebaixado pelo mesmo atual futuro prefeito. Em 2012 o setor foi transformado em Instituto após a Unesco declarar o Rio de Janeiro Patrimônio Mundial na categoria Paisagem Urbana, em rearranjo administrativo interno.
É um tema caro a este Urbe CaRioca.
Segundo o próprio futuro Secretário, o novo órgão será a “Secretaria de Planejamento Urbano – SPU = Planejamento e Projetos (SMU) + Instituto Pereira Passos + Instituto Rio Patrimônio da Humanidade”.
A manobra é altamente questionável por um motivo simples: significa dar o poder da caneta a quem decidirá o que deve ser preservado do ponto de vista do patrimônio cultural, e o que não tem valor e poderá ser demolido, aspecto abrangente e muitas vezes atrelado às pressões do mercado imobiliário. Por isso é prudente ter dois olhares sobre o assunto. Em eventual conflito, em última análise cabe ao chefe do Poder Executivo decidir, como foi feito no caso do Cinema Leblon, por exemplo, quando o então Prefeito optou pelo destombamento desconsiderando a opinião do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural.
Um Secretário de Urbanismo de gestão anterior expressou o desejo de fazer o mesmo – abarcar os dois setores, mas a intenção não foi concretizada, possivelmente pelo mesmo motivo. A época coincidiu com criação das Áreas de Proteção do Patrimônio Cultural – APAC principalmente na Zona Sul da cidade, a região mais valorizada do ponto de vista do mercado imobiliário. Uma coincidência, talvez.
O atual Prefeito, Marcelo Crivella, adotou a medida antes rejeitada para submeter as questões do Patrimônio Cultural – inclusive as demolições, cabe ressaltar – à Secretaria de Urbanismo. É o que seu futuro sucessor Eduardo Paes pretende manter, ao invés de desfazer o que seu adversário criou e retomar a organização de suas duas gestões anteriores.
Há outro aspecto interessante.
Em 15/03/1975, quando extinto o Estado da Guanabara e criado o Município do Rio de Janeiro, o Departamento de Edificações O-DED, órgão responsável pelo licenciamento de obras e edificações (particulares), entre diversas atribuições, era subordinado à Secretaria Municipal de Obras. Existia uma Secretaria de Planejamento onde se elaboravam as diretrizes para o desenvolvimento urbano da cidade e, ainda, o planejamento financeiro.
A separação entre o planejamento urbano e o licenciamento das construções gerava alguns problemas de interpretação devido ao distanciamento entre as propostas contidas nos decretos e o dia a dia do licenciamento, ou seja, da sua aplicação prática.
A Secretaria Municipal de Urbanismo foi criada em1986, exatamente para aproximar a formulação das leis urbanísticas e o licenciamento das obras com base naquelas: teoria e a prática. As propostas para elaboração dos Projetos de Estruturação Urbana – PEU passariam a ser analisadas pelos dois corpos técnicos conjuntamente antes de serem encaminhadas ao Executivo: arestas eram aparadas, gerando-se maior efetividade na aplicação prática.
Depois de 35 anos haverá um retorno à época da fusão, descartando-se o que seguramente foi um aperfeiçoamento e, pior, subordinando-se a tão importante questão do Patrimônio Cultural – e suas especificidades – à discricionariedade de um único olhar.
A manobra pode ser grande equívoco, salvo se intencional. Ou, poderá ser inócua se leis paralelas continuarem a ser aprovadas sem o necessário embasamento e visão geral, como foi o caso do Código de Obras sancionado pela administração atual, a expansão do território urbano incentivada nos últimos anos, o aumento indiscriminado de índices urbanísticos – sob pagamento ou não, o desmonte de programas acertados para a urbanização de favelas, a falta de contenção do crescimento das mesmas, e a perpetuação dos projetos tipo ‘minha casa minha vida’ tão criticados pelos urbanistas, e o transporte público não contemplar quem mais dele depende.
Com este depoimento esperamos contribuir para novas reflexões sobre a Cidade do Rio de Janeiro, desejamos sucesso aos novos gestores públicos, Prefeito e Secretários, no cumprimento de suas missões a favor de nosso município tão castigado, nem por isso menos belo e que, vale lembrar, sediará o Congresso Mundial de Arquitetura no próximo ano.
O Urbe CaRioca fará uma pausa até o final do mês, trazendo novas análises em caráter excepcional.
Até breve.