Neste artigo a professora de Direito Ambiental relembra as inúmeras obrigações geradas para as instituições públicas durante a realização da Copa do Mundo com foco específico na questão da poluição sonora causada pela realização de eventos particulares, seus impactos negativos, e as tentativas de moradores que têm pedido a intervenção das autoridades, sem sucesso.
Boa leitura.
A POLUIÇÃO SONORA DOS EVENTOS
PRIVADOS DURANTE A COPA
PRIVADOS DURANTE A COPA
Virgínia Totti Guimarães
Abordar um dos problemas ocasionados durante o evento não interfere na importância de se discutir as grandes decisões que vem sendo tomadas, principalmente sem a participação da sociedade, a começar pela própria realização dos jogos e das olimpíadas.
A sociedade não pode ficar abandonada durante a realização da Copa e, no caso deste artigo, pretende-se abordar apenas um destes aspectos: a poluição sonora de eventos privados e a omissão dos órgãos responsáveis pela fiscalização.
Abrigar uma das sedes dos jogos da Copa do Mundo gera uma série de obrigações para as instituições públicas durante a realização do evento.
No caso do Município do Rio de Janeiro, por exemplo, é preciso gerenciar as opções de mobilidade e isso tem sido feito por meio da decretação de inúmeros feriados ao longo deste mês de jogos, ao contrário do prometido legado. Devem-se gerir os impactos positivos e negativos (inclusive incômodos) dos eventos públicos e privados relacionados à Copa, como resíduos, transportes e emissão de poluição sonora.
A poluição sonora é um intenso problema para quem vive nas grandes cidades, o que vem sendo largamente estudado no campo médico. Convivemos com ruídos intensos e, muitas vezes, inevitáveis ao longo do dia, que se agravam em determinados locais e horários.
Em áreas urbanas, o Município é principal ente competente para o controle e fiscalização de fontes emissoras de poluição sonora, especialmente diante do impacto local desta poluição.
Não à toa, no Rio de Janeiro, o assunto está tratado na Lei Orgânica, que estabelece como obrigação do Poder Público providenciar com vista à manutenção dos ruídos urbanos em níveis condizentes com a tranquilidade pública; no Plano Diretor, em diversos dispositivos; e ainda em leis específicas, como a que estabelece condições básicas de proteção da coletividade contra a poluição sonora (Lei 646/1984).
O Ministério Público é outro ator importante, já que causar poluição – de qualquer natureza – é um crime ambiental, além de ser uma contravenção penal. Ou seja, é preciso a atuação das Delegacias de Polícia no sentido de registrar a ocorrência do crime e posterior investigação para que o Promotor de Justiça possa propor, ou não, ação criminal. Outro caminho é apresentar o fato diretamente no Ministério Público para averiguação do cometimento de crimes.
Embora não seja nenhuma surpresa dada a forma como as decisões (e o próprio conteúdo de tais decisões) relacionadas aos jogos foram tomadas, não se deve esperar que os moradores do Rio de Janeiro fiquem sujeitos a altos níveis de poluição sonora durante todo o período da Copa, ainda mais se tratando de eventos privados.
Na Zona Sul do Rio, ao menos dois eventos privados estão gerando muita poluição sonora. No Jockey Club estão sendo realizadas festas bastante barulhentas, com um alvará que permite festas de 08/06 a 13/07 de 22h às 4h30 do dia seguinte. Em Copacabana, outro caso que está se tornando conhecido é o das festas realizadas no hotel Pestana, posto 3, que por conta da Copa virou o Budweiser Hotel. O hotel montou um espaço em seu terraço, com festas diárias, com iluminação e som que parecem ir muito além dos horários e volumes permitidos.
Nos dois casos, apesar de reclamações dos moradores, fica patente a falta de fiscalização por parte da Prefeitura e de outras instituições competentes. As tentativas de se recorrer às autoridades públicas para solucionar o problema foram fracassadas. No caso da Gávea, foi feita uma verdadeira maratona, na sequencia, aos seguintes locais: Jockey (para reclamação do barulho e análise do alvará, sem sucesso), Delegacia (tentativa sem sucesso de registrar ocorrência), novamente ao Jockey (para ver, sem sucesso, o alvará), Delegacia (que finalmente registrou a ocorrência, mas não tomou providências), Ministério Público (que estava fechado). E a Prefeitura, após denúncia, deu um prazo de 45 dias para fazer a vistoria*.
Ao que parece não há comprometimento das instâncias públicas em resolver a questão. A Delegacia, primeiramente, negou atendimento e, depois, passaram informação incorreta. O MP não tinha atendimento. A Prefeitura concede um alvará de 30 dias, no qual consta expressamente que é vedada a propagação de sons e ruídos para o exterior, e não tem como fiscalizar seu cumprimento.
As competências constitucionais do Município e dos Estados devem ser exercidas; não se trata de uma faculdade do Poder Público. Em 2016, a cidade será sede de um evento ainda maior e há um caminho muito longo a percorrer em relação aos problemas ocasionados aos moradores durante estes eventos.
Virgínia Totti Guimarães é professora de Direito Ambiental da PUC-Rio
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*Depoimento de Clarice Paiva, moradora do bairro da Gávea.
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