Cisnes

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A calmaria no lago que ficava ao Norte do bosque era incomum. A algazarra dos bichos desaparecera. Pássaros não trinavam, sapos sem coaxar, abelhas sem zoar, zumbido sumido. Faltava o canto dos cisnes, o som metálico, ora rouco, ora agudo, melancolia ou felicidade? A gritaria do bando incomodava o resto da bicharada. Naquele dia, só silêncio.

Patos que dormiam embalados pelo canto dos cisnes, habituados à baderna diária, acordaram assustados com a ausência ensurdecedora entrando pelos ouvidos sem pedir licença. Havia algo errado. Procuraram o guardião do bosque, um lobo que fora mau. Convertido e vegetariano, o algoz era agora protetor dos animais. Nada a temer de garras e dentes antes mortais.

O mistério alimentou a curiosidade. O grupo crescia a cada passo rumo ao lago guiado pelo amigo lobo à frente da caravana. Encontraram os cisnes perto da área proibida. Mal se mexiam. Uns piscavam, reviravam os olhos e caíam em sono profundo. Outros, eufóricos, rodopiavam, cambaleavam, e sucumbiam ao próprio peso. Penas amontoadas, patas e bicos inertes, o Juízo Final. A cena assustava. Pássaros mudos de medo, sapos calados, abelhas paralisadas, colmeia sem mel.

O lobo perspicaz compreendeu. O bando desobedecera a regra número um da comunidade: “É proibido ultrapassar os limites do bosque”. A placa pregada na cerca-viva dizia “Perigo” escrito na língua universal dos animais.

Tempos antes, durante a ronda noturna, ouvira a fala de humanos. Espiando pela cerca com seus olhos tão grandes, viu a terra ser arada, o semear e o nascer de flores na planície. Poliglota, sabia a língua dos homens. Plantar papoulas, grande negócio! Vender felicidade, mesmo que temporária.

Os bichos levaram os cisnes entorpecidos para o lago. A coruja prescrevia remédios, pássaros faziam canto-terapia, o macaco dava aulas de ballet, borboletas alegravam os dias de isolamento e abstinência. Se um cisne desesperado bicava a cerca em busca do néctar dos deuses, raposas enfermeiras traziam o fujão a ser reabilitado.

A vida no bosque voltou ao normal. A paz reinou até o lobo ouvir sons de humanos vindos do Sul. Precavido, chamou os castores e trataram de erguer muros sólidos, resistentes a bicadas. Os homens começavam a plantar cannabis.

Andréa Albuquerque G. Redondo, setembro/2023

Urbe CaRioca

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NOTA – Crônica inspirada na notícia veiculada pelo jornal O Globo:

“Cisnes invadem campo de papoulas e ficam viciados em ópio na Eslováquia”

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