A segurança pública é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e, por isso mesmo, deve ser tratada com seriedade, responsabilidade e absoluto respeito às normas constitucionais. No entanto, o Projeto de Lei Complementar nº 13/2025, apresentado pelo Executivo do Município do Rio de Janeiro, propõe a criação de uma Força de Segurança Armada (FSA) no âmbito da Guarda Municipal, com previsão de contratação temporária de agentes armados por até seis anos, em flagrante afronta à Constituição Federal e à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta vai além de uma simples reorganização administrativa: representa uma ameaça concreta à legalidade, à eficiência e à estabilidade institucional da segurança pública municipal.
Neste artigo, Antônio Sá, Ex-Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro, analisa os dispositivos centrais do projeto e seus riscos jurídicos e sociais, destacando como a adoção de vínculos precários para funções permanentes e armadas pode comprometer não apenas a qualidade do serviço prestado à população, mas também abrir brechas para a criação de estruturas paralelas, vulneráveis ao aparelhamento político e ao clientelismo. Ao ignorar as exigências constitucionais do concurso público e a lógica republicana de ingresso no serviço público, o PLC 13/2025 não só reedita erros já rechaçados pelo STF, como flerta com práticas que podem desaguar em graves distorções institucionais — inclusive com o risco da formação de milícias oficiais sob comando político local.
Urbe CaRioca
Contratação temporária para Guarda Municipal do Rio desafia Constituição e pode criar milícia paralela
Projeto de Lei Complementar 13/2025 prevê contratação temporária armada para a Guarda Municipal do Rio, afrontando a Constituição, o STF e colocando em risco a segurança pública.
Por Antônio Sá, Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex-Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia
Diário do Rio – Link original

A proposta analisada neste artigo encontra-se no Projeto de Lei Complementar nº 13, de 2025, que trata da criação da chamada Força de Segurança Municipal do Rio de Janeiro – FSM-RIO e da Força de Segurança Armada – FSA, prevendo, ainda, a contratação temporária de parte de seus integrantes. Eis abaixo os dispositivos relevantes do projeto:
“PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 13/2025
“DISPÕE SOBRE A FORÇA DE SEGURANÇA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO – FSM-RIO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”
Art. 1º A Guarda Municipal do Rio de Janeiro – GM-RIO, criada pelo art. 2º da Lei Complementar nº 100, de 15 de outubro de 2009, passa a ser denominada Força de Segurança Municipal do Rio de Janeiro – FSM-RIO, a partir da data de vigência desta Lei Complementar.
(…)
Art. 2º A Lei Complementar nº 100, de 15 de outubro de 2009, passa a viger acrescida dos seguintes dispositivos:
(…)
CAPÍTULO III-A – DA FORÇA DE SEGURANÇA ARMADA – FSA
Art. 17-A. Fica criado, na estrutura da FSM-RIO, órgão especializado denominado Força de Segurança Armada – FSA, competente para realizar policiamento ostensivo, preventivo e comunitário, na forma do inciso XV do art. 2º desta Lei Complementar, bem como garantir a proteção dos órgãos, entidades, bens e serviços públicos municipais, autorizado o porte funcional de arma de fogo pelos seus integrantes.
(…)
Art. 17-D. (…)
§ 1º O processo seletivo interno a que se refere o caput conterá as seguintes etapas obrigatórias:
I – avaliação de conhecimentos específicos;
II – teste de aptidão física;
III – realização de exames;
IV – curso de formação específico.
§ 2º Os exames a que se refere o inciso III do § 1º deste dispositivo possuirão caráter eliminatório e serão os seguintes:
I – exame de saúde física;
II – exame toxicológico;
III – avaliação psicológica;
IV – investigação social.
§ 3º A etapa de curso de formação será indispensável, terá caráter técnico e observará matriz curricular compatível com as atividades desenvolvidas pela FSA.
§ 4º O treinamento técnico, teórico e prático com arma de fogo terá caráter eliminatório e será parte do curso de formação específico a que alude o inciso IV do § 1º do presente artigo.
(…)
Art. 17-E. Fica criado o cargo de gestor de segurança municipal, na forma do Anexo VII, que terá lotação originária e exclusiva na FSA, caso em que o respectivo concurso público incluirá, obrigatoriamente, as etapas previstas nos incisos do § 1º do art. 17-D e exigirá escolaridade mínima de nível superior.
(…)
CAPÍTULO III-B – DA CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO
Art. 17-P. É permitida a contratação por tempo determinado no âmbito da FSA.
§ 1º A contratação por tempo determinado a que se refere o caput deste dispositivo se dará pelo prazo de até 01 (um) ano, prorrogável por até 05 (cinco) vezes, por, no máximo, iguais períodos.
(…)
Art. 17-R. A contratação por tempo determinado para função temporária da FSA dar-se-á mediante processo seletivo, observadas as etapas obrigatórias previstas nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 17-D e o disposto no art. 17-E.”
Temporário, Constitucionalmente Inaceitável
A proposta de contratação temporária para parte da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, por até seis anos, representa uma afronta não apenas à Constituição Federal, mas também ao bom senso administrativo e ao direito da sociedade a uma segurança pública eficiente, estável e livre de interesses políticos.
A Constituição, em seu artigo 37, inciso II, é clara: o acesso a cargos públicos deve se dar por concurso público. A única exceção — a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX) — não pode ser usada para preencher cargos típicos e permanentes de Estado, especialmente na área da segurança pública.
No caso da Guarda Municipal, não estamos falando de um mutirão emergencial de vacinação ou de força-tarefa para recenseamento populacional. Trata-se de um corpo que atua diretamente na proteção de bens, serviços e instalações públicas, com atribuições cada vez mais voltadas à preservação da ordem pública. E isso exige estabilidade, qualificação e compromisso institucional — não improvisação.
O projeto do Executivo prevê contratações por até seis anos — tempo suficiente para que esses agentes tenham pleno acesso a rotinas operacionais, mapas de patrulhamento, dados de inteligência, estratégias e vulnerabilidades da administração pública. E, ao fim desse ciclo, não poderão permanecer no serviço público, já que não são concursados. Estarão, portanto, naturalmente empurrados ao mercado privado da segurança, que frequentemente se alimenta do que o Estado forma, mas não absorve. E, como bem sabemos, esse mercado inclui desde empresas privadas até grupos paramilitares e criminosos organizados.
Esse risco de “descarte funcional” — ou seja, formar (utilizando recursos oriundos do suor diário dos cidadãos monetizados, via impostos) pessoas armadas com informações privilegiadas para depois lançá-las, sem estabilidade, ao mercado — é institucionalmente temerário e socialmente irresponsável.
A proposta do Prefeito de criar uma tropa armada, temporária e sem concurso público, torna-se ainda mais preocupante quando relembramos a trajetória de Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano” — aspirante a oficial da Polícia Militar que se infiltrou no Bope, o temido Batalhão de Operações Policiais Especiais, para servir à máfia do jogo do bicho. Essa história, contada no livro Decaído, de Sérgio Ramalho (Editora Matrix, 2024), mostra como até mesmo em estruturas altamente seletivas e treinadas como o Bope, há riscos de infiltração e desvios graves. Imagine, então, o que poderia ocorrer em uma força armada criada sem a exigência de concurso público, sem critérios sólidos de ingresso e com vínculos precários. Segurança pública não se improvisa. Não é matéria para se buscar likes no Tik Tok e assemelhados.
O STF Já Disse: É Inconstitucional
Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3222, declarou inconstitucional a Lei estadual 11.991, de 2003, do Rio Grande do Sul, que criou a figura do policial militar temporário.
Segundo a relatora, ministra Cármen Lúcia, a norma violava a competência privativa da União e não havia previsão legal em normas federais para esse tipo de contratação. O policial temporário seria selecionado por processo simplificado e teria remuneração inferior ao policial de carreira, além de ser vinculado ao Regime Geral de Previdência.
A ministra afirmou com clareza:
“Privilegiar soluções provisórias para problemas permanentes desatende o comando constitucional e agrava as dificuldades enfrentadas pela sociedade gaúcha, que se tem servido de prestações públicas afeitas à segurança que não atendem ao princípio da eficiência (…), executadas por policiais que não passaram pelo crivo de processos seletivos realizados segundo princípios de mérito e impessoalidade (art. 37, inc. II, da Constituição da República).”
E não há mais o que discutir: segundo certidão oficial do STF:
“Certifico que o(a) acórdão/decisão transitou em julgado em 12/02/2021.”
Ou seja, a decisão é definitiva e irrecorrível. A jurisprudência está consolidada: não pode haver contratação temporária para função típica de segurança pública.
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que as Guardas Municipais integram o sistema de segurança pública, conforme o artigo 144 da Constituição Federal. Sendo assim, aplica-se a elas o mesmo entendimento adotado na ADI 3222, em que o STF declarou inconstitucional a contratação temporária de policiais militares: não se pode admitir o ingresso de membros da Guarda Municipal sem concurso público, sob pena de violação ao artigo 37, inciso II, da Constituição. O vínculo estatutário, precedido de concurso, é exigência inafastável para o exercício de funções típicas de segurança pública.
Portanto, se o Prefeito insistir nessa proposta, e, se a Câmara Municipal do Rio de Janeiro se curvar ao Executivo e aprovar esse projeto, a Justiça irá derrubá-lo. Sem dúvida alguma.
O STF Já Julgou: A Decisão da ADI 3222
Resumo da Decisão – ADI 3222 / RS, citada mais acima
Objeto: Lei estadual nº 11.991/2003 do Rio Grande do Sul, que criava o Programa de Militares Estaduais Temporários da Brigada Militar.
Relatoria: Ministra Cármen Lúcia
Julgamento: Unânime pelo Plenário do STF
Trânsito em julgado: 12/02/2021
Principais fundamentos da decisão:
Violação à competência privativa da União (art. 22, XXI, da CF) para legislar sobre normas gerais das polícias militares;
Ausência de previsão legal federal para a figura do policial militar temporário;
Inexistência de excepcionalidade ou temporariedade na demanda por segurança pública;
Violação ao princípio do concurso público (art. 37, II, da CF), já que o ingresso era por processo seletivo simplificado;
Regimes jurídicos desiguais para funções iguais, violando a isonomia (art. 5º, caput, da CF);
Ofensa à eficiência e à moralidade administrativa.
Essa jurisprudência do STF reafirma que contratação temporária para exercer função típica de segurança pública é inconstitucional.
A íntegra da decisão em tela está disponível aqui.
Interferência Política, Apadrinhamento e o Caso dos Fantasmas
A contratação temporária, especialmente na segurança pública, escancara a porta para aparelhamento político e clientelismo. E isso, infelizmente, não é uma hipótese teórica: é um fato histórico — e atual.
A existência de “contratados e nomeados” na Prefeitura ganhando valores altos de encargos especiais, inclusive pagos diretamente pelo Gabinete do Prefeito, já foi amplamente documentada. Basta lembrar da denúncia dos fantasmas como os que foram descobertos pela TV Globo — e não pelos órgãos de controle do município — em agosto de 2022.
Na ocasião, a reportagem revelou que, embora nomeados pelo Município do Rio — com salários entre R$ 19 mil e R$ 28 mil — esses contratados davam expediente em Nilópolis, na Baixada Fluminense, a mais de 30 quilômetros do local onde deveriam trabalhar.
Cinco pessoas com cargos na capital foram flagradas, em dias e horários diferentes, em bases eleitorais de um candidato a deputado federal “coincidentemente” do mesmo partido político do prefeito Eduardo Paes. O mais grave: a maior parte dos salários desses funcionários era paga pelo próprio Gabinete do Prefeito Paes.
Além disso, é notória a existência, em quase todas as Secretarias, de funcionários contratados e não concursados exercendo funções administrativas. Isso demonstra como o modelo de contratação sem concurso é vulnerável à lógica do compadrio, da barganha e da dependência política.
Agora, imagine o que poderá ocorrer com o poder de contratar, sem concurso, parte da Guarda Municipal armada, com acesso a informações estratégicas, rotina de serviços e até armamento. Esse poder, nas mãos erradas, pode formar uma tropa paralela, a serviço não do interesse público, mas de um projeto de poder.
Não à toa, a proposta vem sendo apelidada por muitos — com ironia e preocupação — de “a milícia do Eduardo Paes”.
Processo Seletivo Não É Concurso Público: O STF Já Disse
O processo seletivo descrito no PLC nº 13, de 2025, ainda que inclua etapas como avaliação de conhecimentos específicos, teste de aptidão física, exame toxicológico, avaliação psicológica, exames de saúde, investigação social e curso de formação, não equivale ao concurso público exigido pela Constituição Federal para o ingresso em cargos públicos efetivos — especialmente quando se trata de funções típicas de segurança pública, como as que serão desempenhadas pelos integrantes da chamada Força de Segurança Armada – FSA.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso II, estabelece:
“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
Ou seja, para o ingresso em cargos efetivos — especialmente em áreas sensíveis como a segurança pública — não basta um processo seletivo simplificado, mesmo que este inclua avaliações, exames e cursos. É necessário concurso público formalmente instituído, de provas ou de provas e títulos, com ampla divulgação, isonomia, controle social e garantia de estabilidade funcional.
Na ADI 3222, como vimos mais acima, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese de que processos seletivos possam substituir concursos públicos.
Aplicar o modelo proposto no PLC nº 13, de 2025 — um processo seletivo com etapas, ainda que envolva exames físicos, curso de formação, avaliação psicológica e exame toxicológico — fere frontalmente a Constituição e a jurisprudência do STF. Trata-se de uma tentativa de burlar o sistema de mérito e estabilidade, com o agravante de que os selecionados atuarão armados e em funções permanentes de segurança pública.
Infelizmente, como se tem visto, o senhor Prefeito tem demonstrado ao longo dos anos que não gosta de servidor concursado.
O servidor concursado representa uma conquista do Estado democrático, pois ingressa no serviço público por mérito, e não por indicação política ou interesses pessoais. Sua estabilidade garante independência no exercício das funções, permitindo que atue com imparcialidade, sem se submeter a pressões ou favores. Ao contrário do contratado, que muitas vezes depende da vontade de superiores ou de mandatos temporários, o concursado tem autonomia para cumprir a lei e servir à população com ética e responsabilidade.
A paixão do senhor prefeito por contratados e não concursados é tamanha que, na versão original do projeto sob análise — posteriormente barrada pela resistência da Câmara Municipal e da sociedade carioca—, ele propunha a criação de uma nova “Força de Segurança Municipal”, paralela à atual Guarda Municipal. Não se tratava apenas de uma mudança de nome, mas de uma tentativa clara de escapar das exigências impostas pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei nº 13.022, de 2014).
Segundo o artigo 15 da referida Lei, os cargos em comissão da Guarda devem ser ocupados por membros efetivos do quadro de carreira. A exceção prevista no § 1º — que permite nomear, nos primeiros quatro anos de funcionamento da guarda, um dirigente externo — não se aplica mais ao Município do Rio de Janeiro, cuja Guarda existe há décadas. Portanto, qualquer nomeação para a chefia da Guarda deve recair sobre seus servidores concursados.
Ao tentar criar um novo órgão, com outra denominação, o senhor Prefeito buscava um atalho jurídico para nomear, sem concurso, pessoas de sua confiança para os cargos de chefia, contornando a lei federal. Estava, portanto, pavimentando o caminho para montar sua própria estrutura armada, subordinada politicamente e fora do controle institucional, com liberdade para escolher quem quisesse para os postos de comando. Sua milícia oficializada.
Veja abaixo o que é determinado nesse artigo citado acima:
“Art. 15. Os cargos em comissão das guardas municipais deverão ser providos por membros efetivos do quadro de carreira do órgão ou entidade.
§ 1º Nos primeiros 4 (quatro) anos de funcionamento, a guarda municipal poderá ser dirigida por profissional estranho a seus quadros, preferencialmente com experiência ou formação na área de segurança ou defesa social, atendido o disposto no caput.”
Nem o Novo Nome Pode: “Força de Segurança Municipal” é Inconstitucional (Mas Tratarei Disso em Outro Artigo)
Antes de concluir, é preciso fazer uma advertência importante: a própria mudança de nome da Guarda Municipal para “Força de Segurança Municipal” também é inconstitucional.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 144, § 8º, reconhece expressamente as Guardas Municipais como órgãos destinados à proteção de bens, serviços e instalações públicas dos municípios. Complementando essa norma constitucional, a Lei Federal nº 13.022, de 2014, que estabelece o Estatuto Geral das Guardas Municipais, regulamenta exclusivamente a estrutura, o funcionamento e os limites de atuação das Guardas Municipais — e não de forças municipais armadas ou de segurança municipais autônomas.
Essa proposta evidencia ainda mais os riscos do projeto, que vai muito além da contratação temporária. Por isso mesmo, já foi chamada por mim, em janeiro de 2025, de “milícia municipal” no artigo publicado no Diário do Rio:
“A ‘Milícia Municipal’ de Eduardo Paes e o Risco de Inconstitucionalidade”
Esse ponto — a tentativa de mudar o nome da Guarda Municipal – será tratado em artigo específico. Mas desde já fica o alerta: nem o novo nome resiste à Constituição.
Enterrem a Contratação Temporária para a Milícia do Eduardo Paes, Defendam a Constituição
O concurso público não é um capricho administrativo — é um pilar do Estado Democrático de Direito. É o que assegura igualdade, mérito, estabilidade, legalidade, impessoalidade, ética e responsabilidade no serviço público. É o que impede que cargos públicos sejam capturados por interesses pessoais, políticos ou criminosos.
A proposta de contratação por até seis anos de servidores temporários armados e inseridos em um órgão municipal com funções típicas de polícia é flagrantemente inconstitucional, socialmente perigosa e politicamente desastrosa.
Esperamos que os senhores vereadores, quando da votação do PLC em tela, também joguem na lata do lixo a possibilidade de contratação sem concurso para atuar na Guarda Municipal armada. Enterrando, assim, de vez, o sonho do senhor Prefeito de ter uma espécie de milícia armada com componentes não concursados — inclusive num ano eleitoral.
Usei acima a palavra “também” porque, como já escrevi em artigo anterior publicado neste Diário do Rio, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro já havia dado um exemplo firme de resistência institucional à escalada autoritária do Executivo quando aprovou um Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELOM) sobre a Guarda Municipal Armada, jogando no lixo os dois PELOMs de autoria do senhor prefeito.
Esses projetos visavam à criação na Lei Orgânica de uma chamada “Força de Segurança Municipal” — uma espécie de milícia uniformizada e não concursada que atuaria paralelamente à Guarda Municipal, ferindo a Constituição e os princípios republicanos. A expressão Força de Segurança Municipal, que constava com destaque nas propostas do Executivo, felizmente não integra o texto final aprovado.
Veja esse artigo no seguinte em “Câmara do Rio impõe primeira derrota à ‘milícia’ de Paes e reafirma sua autonomia legislativa”
A Constituição de 1988 não permite atalhos, não admite milícias oficializadas, nem contratos precários para funções permanentes de segurança pública. Nem mesmo o nome inventado — “Força de Segurança Municipal” — se sustenta juridicamente. O que existe é Guarda Municipal. E o que deve existir é respeito à Constituição.
Com a rejeição da tentativa do senhor Prefeito de criar a possibilidade de contratação temporária, sem concurso, de membros armados para a Guarda Municipal, a Câmara reafirmará um princípio essencial: a segurança pública do Município deve ser exercida por uma GUARDA de Estado — concursada, estável e comprometida com a legalidade — e não por uma GUARDA de governo, moldada ao sabor de interesses políticos passageiros.