Intriga a insistência com que os gestores públicos divulgam que os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro demandaram o aporte de poucas verbas públicas perante os investimentos feitos pela iniciativa privada através de “parcerias”. O discurso recorrente – que inclusive cita Londres como exemplo inverso, com a maioria de recursos proveniente do governo – , no mínimo planta um canguru atrás da orelha.
Ontem a newsletter Ex-Blog fez uma análise a respeito, tratando especificamente de “quando o setor público transfere patrimônio ao setor privado” e “a redução de tributos, a isenção de tributos, a anistia e a remissão de dívidas tributárias para as empresas construtoras e a hotelaria”. Por outro lado, noticiário recente informa sobre gastos de R$ 233 milhões, com os Jogos, sem licitação. Conforme a lei, segundo a notícia, mas, verba pública, é claro.
Nesse contexto é muito estranho o envio, pelo Prefeito do Rio, à Câmara de Vereadores, de um projeto de lei propondo novas isenções fiscais para o prédio do Clube Flamengo situado na Avenida Rui Barbosa (o mesmo onde uma estrutura metálica já enfeia a paisagem), repetição das benesses anteriores para a instalação de um empreendimento hoteleiro que não aconteceu.
Antes era tudo “Pra Olimpíada”. E agora?
NOTA: O CMN ampliou o limite de créditos via BNDES para conclusão das obras “olímpicas”.
NOTA: O CMN ampliou o limite de créditos via BNDES para conclusão das obras “olímpicas”.
Urbe CaRioca
Foto: Coluna Ancelmo Góis, O Globo, 26/07/2016 |
QUANTO O SETOR PÚBLICO GASTOU COM A OLIMPÍADA 2016? E O SETOR PRIVADO? UMA EQUAÇÃO MUITO DIFERENTE DA ANUNCIADA!
Newsletter Ex-Blog
1. Quase todos os dias são divulgadas, pela imprensa, afirmações que nessa Olimpíada a maior parte do gasto correu por parte do setor privado. E essas afirmações são feitas com tamanha convicção como se fossem verdades, inquestionáveis, coreografias em designs nos power-points.
2. Não é assim. Existem pelo menos três tipos gerais de gasto do setor público cujo desembolso é indireto. O primeiro é quando o setor público transfere patrimônio ao setor privado. O caso mais comum são seus imóveis, em especial o solo urbano de sua propriedade.
3. Por exemplo, o caso do Parque Olímpico, cuja concessão de 75% do solo do antigo autódromo foi transferida ao setor privado para a construção de prédios. O gasto público no caso é o valor potencial desse solo. Ou seja, quanto o setor público receberia se vendesse a preços de mercado, incluindo as mudanças urbanísticas autorizadas por lei para estes prédios, ou seja, gabarito e volumetria?
4. No patrimônio do setor público está incluída também a possibilidade de alterar a lei, criar solo através de altura ou volumetria. O solo criado é patrimônio do setor público. É o caso dos 75% da área do Parque Olímpico citada acima. É muito mais.
5. Isso ocorreu em várias regiões da Barra da Tijuca. O próprio -e polêmico- Campo de Golfe foi viabilizado por lei através de mudança de gabaritos em várias áreas da Barra da Tijuca. Outra vez gasto público, criando solo por lei e transferindo ao setor privado.
6. A Vila Olímpica foi outro caso desses. O pagamento -ou compensação- ao setor privado foi feito de duas formas. A primeira foi o pagamento do aluguel por todos os 3.600 apartamentos que compõem a Vila Olímpica. Façam as contas pelo período de bloqueio e uso.
7. Ainda na Vila Olímpica foi aprovada uma lei aumentando em 50% o gabarito dos prédios, passando de 12 andares para 18 andares. Ou seja, um enorme custo através de solo criado. Quanto custará cada apartamento após a desocupação? Um terço desse valor é gasto público. Façam as contas.
8. Finalmente, para não irmos mais longe, o gasto tributário,ou seja, a redução de tributos, a isenção de tributos, a anistia e a remissãode dívidas tributárias para as empresas construtoras e a hotelaria.
9. Esse conjunto constitui um gigantesco gasto público – via criação de solo, via gasto tributário, e via pagamento de serviços.
10. Esse pode ser um interessante dever de férias nas faculdades de arquitetura, de economia e de contabilidade. Garantidamente os 60% decantados, que teriam custado ao setor privado, simplesmente não existem. Todo o gasto realizado pelo setor privado foi compensado por concessões e transferências e mudanças na lei do setor público. Nada mais que isso. Fora disso é conto da carochinha.