Apesar do reconhecimento internacional e de ter sido declarado patrimônio cultural mundial há dois anos, o Cais do Valongo, no Porto do Rio, ainda não conta com a infraestrutura acordada com a Unesco para receber, de forma adequada, os visitantes.
A exemplo do que já foi dito neste blog pela professora e jurista Sonia Rabello, há um ano, de que, “apesar do espetáculo internacional, o Sítio Arqueológico do Valongo continua irresponsavelmente desprotegido”, destacando a dificuldade em se estabelecer uma verdadeira área de entorno/ambiência caso houvesse a real proteção pelo tombamento, a região ainda amarga com o abandono e a falta de iniciativas do poder público.
Paisagismo e a iluminação cênica especial ainda não saíram do papel. Pesquisadores estão apreensivos quanto ao futuro dos projetos
RIO — Há exatos dois anos, o Caisdo Valongo , por onde desembarcaram um milhão de africanos escravizados entre o final do século XVIII e 1831, era declarado patrimônio cultural mundial. Mesmo com o reconhecimento internacional, a região ainda não conta com a infraestrutura acordada com a Unesco para receber, de forma adequada, os visitantes. Enquanto Paraty , declarada patrimônio misto, concentra as atenções agor a, no sítio arqueológico da Zona Portuária as poucas placas informativas estão em mau estado e são anteriores à aprovação do Valongo na sessão realizada em Cracóvia em 9 de julho de 2017 . Além da sinalização no cais e no entorno, também não saíram do papel o paisagismo e a iluminação cênica especial nem o centro de interpretação, que vai apresentar o significado daquele lugar. A previsão é de que o centro seja instalado no Armazém Pedro II junto com o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab).
Pesquisadores envolvidos com o Cais do Valongo estão apreensivos quanto ao futuro dos projetos relacionados ao espaço, que envolvem Prefeitura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan ). Principalmente após o governo Marcelo Crivella exonerar Nilcemar Nogueira, ex-secretária de Cultura, do Instituto da História da Cultura Afro-Brasileira (Ihcab), há um mês. Agora, quem está à frente do instituto, que cuida de iniciativas como o Muhcab, é Pedro Nogueira, irmão de Nilcemar. Os dois, netos de Cartola e Dona Zica, não se falam e têm formações distintas — enquanto ela é candomblecista e ligada ao movimento negro, ele, evangélico da Igreja Universa, é desconhecido dos pesquisadores, que temem uma paralisação de projetos.
— É um monumento, patrimônio da humanidade, que precisa ter visibilidade, segurança, ser bonito, ter explicação e também fazer a gente chorar. Tem que ser um local de encontro e de celebração da herança africana. Como está não dá — critica a historiadora Martha Abreu, professora da UFF e uma das especialistas contratadas via Unesco para o planejamento desse “museu a céu aberto” no Valongo.
“Não podem desprezar mais uma história que já foi mais do que invisibilizada”
MONICA LIMA
Historiadora e professora da UFRJ
Em julho do ano que vem, o Iphan precisa apresentar à Unesco um relatório sobre o andamento dos compromissos acertados. A historiadora Monica Lima, professora da UFRJ, que trabalha com Martha na pesquisa e elaboração de textos que acompanharão os projetos, diz que há o risco de o Valongo perder o título caso as iniciativas não andem. Para ela, o lugar ainda não tem condições “mínimas de cuidado e preservação”.
— Há um compromisso junto à Unesco de colocar o Cais do Valongo em condições mínimas de patrimônio mundial. Assinaram esse compromisso as esferas federal e municipal — diz ela, reclamando da lentidão. — Não podem desprezar mais uma história que já foi mais do que invisibilizada.
Procurado, Pedro Nogueira disse apenas que está num momento de transição no instituto, que antes era ligado à Casa Civil e agora está sob o guarda-chuva da Secretaria de Cultura. Já o Iphan diz que iniciou a primeira etapa de obras no Cais do Valongo, que incluiu a estabilização das pedras, a drenagem do sítio e a retirada de um muro que impedia o passeio completo em volta do espaço. A previsão é de que essas intervenções — bancadas com uma verba de R$ 2 milhões do Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para a Preservação Cultural — terminem no fim do ano. A segunda etapa, com as outras melhorias e o centro de interpretação, afirma o Iphan, está em fase de elaboração de anteprojeto executivo.
Outros R$ 2 milhões já teriam sido captaados com uma empresa privada, para a segunda fase. O contrato está em fase final de validação no BNDES.
— No Valongo, tudo é mais lento porque estamos trabalhando com um sítio muito sensível, no espaço urbano — diz o diretor de Patrimônio Material do Iphan, Andrey Rosenthal, afirmando que os projetos estão andando, apesar das dificuldades. —O sítio está numa região empobrecida, o que de fato atrapalha. O bem foi inscrito num momento diferente do de hoje sob o ponto de vista de desenvolvimento econômico, o que faz tudo demorar mais. Mas vamos começar 2020 com as coisas mais avançadas lá.