Neste artigo, o geógrafo Hugo Costa faz uma preciosa análise sobre a Região Administrativa de Ramos, formada pelos bairros de Ramos, Bonsucesso, Olaria e Manguinhos, na Zona Norte da Cidade, a sua história, avanços e recuos, desmistificando mitos que ainda persistem, retratando a nova e dura realidade dos seus moradores, os motivos do êxodo na região e os preocupantes índices da gestão estadual e municipal que retratam o abandono registrado há décadas.
Urbe CaRioca
Região de Ramos, o retrato do abandono na Cidade Maravilhosa
Por Hugo Costa
Na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, a Região Administrativa de Ramos é formada pelos bairros de Ramos, Bonsucesso, Olaria e Manguinhos. Além desta definição oficial pela Prefeitura do Rio, a geografia dos bairros desta Região Administrativa, mantida pelo imaginário dos cariocas, deve ser corrigida desmistificando alguns mitos:
1. Complexo da Maré não é uma favela que faz parte do bairro de Bonsucesso, mas sim um complexo de favelas que se tornou bairro oficial em 1988. A título de curiosidade, a geografia do bairro Complexo da Maré tem quase 6 vezes o tamanho do bairro de Bonsucesso. Os bairros são fisicamente separados pela Avenida Brasil.
2. O popular “Piscinão de Ramos” fica no bairro de Ramos. Em 2001 ele foi construído dentro do bairro do Complexo da Maré. Até a própria Secretaria de Comunicação da Prefeitura do Rio ainda erra ao dizer que a queima de fogos da festa de Réveillon no Piscinão de Ramos será em Ramos.
3. O Complexo do Alemão não é uma favela que faz parte do bairro de Ramos, mas sim um complexo de favelas que se tornou bairro em 1993. Assim como no exemplo do Complexo da Maré, o bairro Complexo Alemão equivale a quase duas vezes o tamanho de Ramos.
Os bairros da Região de Ramos tem uma formação histórica muito parecida: a modernidade dos transportes de passageiros por via ferroviária fez com que estações ao longo da Ferrovia da Leopoldina gerassem polos de ocupação e residência pelos cariocas. Posteriormente, grandes loteamentos foram concebidos para classe média e média alta que buscavam a tranquilidade dos subúrbios à beira mar, tendo a Praia de Maria Angú (subsequentemente conhecida como Praia de Ramos) como o principal ativo imobiliário. Em seguida, a abertura da Avenida Brasil sobre o que é hoje o maior aterro da Cidade do Rio de Janeiro alterou a disponibilidade das praias reduzindo a faixa de areia e inseriu fábricas e novos bairros às margens da via, com a realocação de moradores expulsos de favelas da Zona Sul. A nova dinâmica na região ampliou o comércio varejista de Bonsucesso, mas Ramos e Olaria mantiveram a vocação residencial de classe média.
Uma nova realidade chegou na região: as praias já não existiam mais devido a supressão das faixas de areia e da poluição da água. Propagandas imobiliárias sobre o litoral ocêanico da Zona Sul, com a redução de suas favelas, e da recém aberta Barra da Tijuca atraiam o olhar da classe média suburbana, mostrando uma nova cidade bonita, organizada, cuidada, com áreas verdes e mares sem poluição, em resumo maravilhosa, como descrita até hoje.
Os efeitos destas propagandas se perpetuam, onde resultados do Censo 2022 mostraram que os bairros da Zona Norte continuam perdendo população e os bairros do litoral oceânico aumentando seus números. Mas somente as propagandas não seriam o bastante para explicar todo este êxodo. Outros indicadores ajudam nisto:
– Áreas verdes: A região administrativa de Ramos é a segunda pior em todo o Rio de Janeiro em disponibilidade de áreas verdes públicas de lazer para a população, segundo dados do IPP em 2019, posteriores a inauguração do BRT Transcarioca, que teve suas pistas construídas sobre praças na região;
– Ilhas de Calor: Como consequência imediata da falta de áreas verdes e substituição de praças por concreto com as pistas para o BRT, a região de Ramos despontou como uma das mais intensas ilhas de calor da cidade do Rio de janeiro, já que além da própria ilha ainda é cercada pelas ilhas de calor da Maré e do Alemão, intensificando o calor. Dados da própria Prefeitura do Rio;
– Poluição do Ar: Sem áreas verdes e cortada pela via expressa mais movimentada do Rio de Janeiro (Avenida Brasil), a região de Ramos fica entre as duas estações de medição de qualidade do ar com os piores indicadores da cidade: Irajá e Manguinhos, que indicam recorrentemente a qualidade do ar como Ruim ou Péssima, segundo dados da Prefeitura do Rio (em Irajá) e INEA (em Manguinhos) em 2021. Em 2024 a Prefeitura inaugurou o corredor Transbrasil, aumentando ainda mais o engarrafamento na Avenida Brasil e o trânsito interno nos bairros que a Avenida Brasil corta;
– Doenças Respiratórias: Ramos tem a mais alta taxa de atendimento hospitalar entre crianças de 1 a 4 anos por Síndrome Respiratória Aguda Grave do Rio de Janeiro. (Dados do DataSUS);
– O Índice de Progresso Social de Bonsucesso, bairro da Região Administrativa, é o quarto pior de toda a cidade (IPS 2022 – IPP);
Além dos indicadores de gestão municipal, os estaduais também chamam atenção:
– Poluição da Água: os Rios Ramos e Faria-Timbó, contribuintes do Canal do Cunha, parte mais poluída da Baía da Guanabara, cortam a Região Administrativa de Ramos;
– Segurança pública: a área da 21ª Delegacia de Polícia que inclui os bairros de Bonsucesso, Ramos, Higienópolis, Manguinhos, Complexo da Maré e Complexo do Alemão, neste primeiro trimestre de 2024, teve a segunda colocação na cidade do Rio de Janeiro em número total de Roubos com 804 ocorrências. Como parâmetro, a média para Delegacias que atendem a Zona Sul do Rio de Janeiro é de 191 ocorrências no mesmo período.
– Mobilidade Urbana: reconhecidamente um subúrbio ferroviário, bairros da antiga ferrovia Leopoldina são atendidos atualmente pelo Ramal Gramacho da Supervia, sendo um ramal menos prestigiado frente ao ramal Central em sua manutenção, apresenta problemas recorrentes.
Frente a tão graves problemas, o conhecimento de apenas um deles se torna um motivador para se mudar da região na cidade, abandonando-a e deixando para trás casas e lojas que outrora representaram o que havia de mais bonito na arquitetura carioca, seja tornando um imovel totalmente abandonado ou descaracterizado e repartido para ocupação por meio de invasões, como é comumente visto às margens da Avenida Brasil.
Na última discussão do Plano Diretor do Rio de Janeiro foi reconhecido que a região precisava de um plano de recuperação específico, sendo chamado de BROP (Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha) pelo então Secretário de Urbanismo da Prefeitura do Rio. Seria feito dentro do Plano Diretor, leis e regras específicas para conter a decadência urbana da região. Em um último momento a discussão sobre o Plano Diretor focou bastante em Reviver Centro, Porto Maravilha e Gabarito da Barra e Zona Sul, mas o BROP desapareceu, junto com a desistência do secretário em se manter à frente da Secretaria e do Plano Diretor.
Apesar de todos os dados aqui compilados, não é simples buscar solução para a região de Ramos, pois ela, mesmo contendo os piores indicadores, nunca é priorizada nas políticas públicas. Apesar de ser um termo muito empregado em bairros do Rio de Janeiro, o “estamos abandonados” é uma infeliz realidade para Ramos.
Cabe apontar que o artigo não menciona um abandono absurdo que já perdura por cerca de sete (7) anos, trata-se do imóvel que fica na Rua Uranus na esquina da descida do Viaduto de Ramos. Um prédio grande prédio de dois pavimentos que já abrigou a Região Administrativa, o recrutamento para os serviço militar, o IFP para documentos e principalmente uma Biblioteca municipal que ra ótima que possuía um acervo maravilhoso, dentre outras ocupações. Um prédio que permanece fechado e abandonado, com suas entradas fechadas com tijolos que poderia abrigar várias atividades públicas, prédio que fica localizado em um dos melhores pontos do bairro. É vergonhoso o que estes prefeitoS fizeram e fazem com o bairro de Ramos, um total descaso, um imenso abandono que deixa todos os moradores abismados com tanta incompetência